domingo, 9 de fevereiro de 2020

O Estado-Maior Brasileiro considera a França a principal ameaça militar até 2040


Por Laurent Lagneau, Zone Militaire OPEX360, 8 de fevereiro de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 9 de fevereiro de 2020.

Em agosto passado, por ocasião da cúpula do G7, e quando 13,1 milhões de hectares de floresta haviam acabado de ser incendiados na Sibéria e a vegetação ardia na África Central, o Presidente Macron fortemente atacou seu homólogo brasileiro, Jair Bolsonaro, por sua política que levou a um aumento significativo de incêndios na Amazônia, erroneamente descrito como o "pulmão do planeta". Melhor ainda: ele também mencionou conferir "status internacional" à região amazônica, o que causou protestos em Brasília. E, obviamente, esse episódio deixou vestígios, a julgar pelo relato confidencial do Estado-Maior brasileiro "vazado" na imprensa.

De fato, em 7 de fevereiro, o jornal Folha de S. Paulo publicou trechos deste relatório, intitulado "Cenários de defesa 2040", elaborados com base em previsões de 500 oficiais que incorporavam a "elite militar" do país, tendo participado em 11 reuniões durante o segundo semestre de 2019. O relatório visa contribuir para a revisão da “estratégia nacional de defesa” atualmente em andamento.

"O texto de 45 páginas contém considerações geopolíticas realistas e suposições um tanto ilusórias", comenta o jornal brasileiro. Em que categoria isso faz da França a principal - senão a única - ameaça militar ao Brasil? Porque essa hipótese é muito seriamente considerada em um dos quatro principais cenários mencionados neste documento. Assim, este último imagina que Paris poderia "formalizar em 2035 um pedido de intervenção das Nações Unidas" nos territórios da tribo Yanomami", localizada na fronteira com a Venezuela, a fim de apoiar "sem restrição um movimento pela emancipação desse povo indígena." E para acrescentar: "dois anos depois, a França mobilizou suas forças armadas posicionando-as na Guiana", um departamento ultramarino* que compartilha uma fronteira de 730km com o Brasil.

*Nota do Tradutor: Départements d'outre-mer et territoires d'outre-mer (DOM-TOM) são as possessões francesas fora da metrópole (o hexágono europeu). Os DOM-TOM dão à França 11 milhões de km² de águas territoriais, sendo a segunda maior zona econômica exclusiva do mundo.

As relações franco-brasileiras experimentaram algumas tensões no passado. Como em 1961, com o conflito da "lagosta". Na época, o Brasil autorizou os pescadores de lagosta francesa a pescarem em suas águas territoriais.

O escorteurs d’escadre Tartu fotografado pela FAB.

Mas, após uma disputa comercial entre uma empresa americana [ou uma empresa britânica, de acordo com certas fontes] com pescadores franceses, Brasília mudou radicalmente de atitude e a marinha brasileira prendeu cinco barcos de lagosta franceses além dos limites do mar territorial do Brasil. Daí a reação da França, que enviou o escorteurs d’escadre Tartu no local, enquanto um grupo de ataque de porta-aviões formado ao redor do porta-aviões Clemenceau tomou posição na África Ocidental, apenas dias de navegação do litoral brasileiro.

Cruzador C-11 Barroso durante a chamada "Guerra da Lagosta".

A marinha e a força aérea brasileiras foram então colocadas em alerta máximo e se prontificaram para um confronto, enquanto alguns jornais brasileiros sopraram as brasas, transmitindo o que agora é chamado de "infox"*. Finalmente, o assunto foi resolvido por meio de canais diplomáticos... E o general de Gaulle foi até convidado ao Brasil, onde recebeu calorosamente as boas-vindas em outubro de 1964.

*Nota do Tradutor: Neologismo francês para reportagens de informação falsa, deliberadamente projetadas para enganar e serem disseminadas nos meios de comunicação de massa. Tanto para vender jornais quanto para gerar determinados comportamentos de uso político. O atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, designou tais reportagens como "Fake News". Foram os jornalistas brasileiros que cunharam o chavão "Guerra da Lagosta".

Mais recentemente, outro caso poderia ter prejudicado as relações franco-brasileiras, após a explosão, no centro de lançamento de Alcântara, de um lançador VLS-1 V03 que deveria colocar em órbita, em agosto de 2003, dois satélites em nome da Agência Espacial Brasileira.

De fato, o jornal a Folha de S. Paulo [novamente ele!] publicou notas do serviço de inteligência brasileiro [ABIN], segundo as quais a Direção Geral de Segurança Externa [DGSE] era suspeita de ter estado na origem do explosão do VLS-1 V03, que matou 21 pessoas. A França, explicou-se, tinha um motivo: o local de Alcântara poderia sombrear o centro espacial da Guiana em Kourou. Finalmente, a investigação mostrou que o acidente foi causado por "acumulações perigosas de gases voláteis, deterioração dos sensores e interferência eletromagnética."

Legionários da 2ª companhia do 3e REI com o míssil AAe Mistral durante o lançamento do foguete Ariane 5 em Kourou, na Guiana Francesa, em 17 de novembro de 2016.

Seja como for, e depois de vender o porta-aviões Foch e os Mirage 2000C, a França e o Brasil ficaram vinculados a um acordo de parceria estratégica [assinado em 2006], o qual resultou, em nível militar, na entrega de 50 helicópteros de manobra Caracal e pela construção de cinco submarinos do tipo Scorpène. Além disso, Paris concordou com transferências significativas de tecnologia para permitir à marinha brasileira adquirir um submarino de ataque nuclear [programa PROSUB].


Além disso, foi o que a Embaixada da França no Brasil recordou. "O fato é que o Brasil é nosso principal parceiro estratégico na América Latina e que a França mantém relações de cooperação diárias, próximas e amigáveis com as forças armadas brasileiras há décadas", comentou ela no Twitter.

"Se a França é de fato a maior ameaça futura à sua segurança nacional, o Brasil deve revisar o projeto para construir submarinos movidos a energia nuclear. Caso contrário, o estudo serve apenas como exercício de ficção psicodélica ", disse Hussein Kalout, secretário de assuntos estratégicos do governo do ex-presidente Michel Temer, o antecessor de Jair Bolsonaro.

Quanto aos outros cenários, o relatório menciona notadamente as tensões com a Bolívia [com uma possível intervenção militar do Brasil em Santa Cruz de la Sierra para proteger os agricultores brasileiros lá] e a Venezuela. Para este último, a Folha de S. Paulo escreve que “em uma simulação realista, este país aproveita os mísseis balísticos que recebeu da Rússia e da China e invade a vizinha República da Guiana, que acabaria forçando Brasília a considerar uma operação militar. No entanto, no passado, Caracas já ameaçou seu vizinho por suas reservas de petróleo, afirmando suas reivindicações sobre o território de Essequibo.

Por fim, o documento também se preocupa com a crescente influência da China na América Latina, em meio à crescente rivalidade com os Estados Unidos, com o qual Jair Bolsonaro alinhou sua política externa.

Bibliografia recomendada:

Brasil França:
Ao Longo de 5 Séculos.
General A. de Lyra Tavares.

Um comentário:

  1. A Rússia assegurando a sua presença militar na Venezuela não deve ser nada preocupante para os generais brasileiros.

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