segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

A Arte da Guerra em Tropas Estelares - 4 Derrotar civilizações extraterrestres


Por Michel Goya, La Voie de l'Épée, 27 de junho de 2018.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 10 de julho de 2019.

Em Tropas Estelares, a Federação Terráquea está envolvida em uma guerra contra uma coalizão alienígena, sem realmente saber o que provocou esse conflito senão o simples encontro, considerado ameaçador, com a "expansão natural" terráquea. Esta guerra não é, portanto, muito diferente daquelas conduzidas pelos Estados Unidos contra as entidades políticas circunvizinhas, às vezes culturalmente próximas como os Espanhóis-Mexicanos (e os Esqueletos) ou muito distantes como os Índios (e os Aracnídeos).

Fazer guerra consiste em esforçar-se para impor sua vontade ao adversário e, por essa razão, reduzi-lo à impotência primeiro. Isso pressupõe primeiro conhecer os recursos dessa potência antes de agir contra elas.

Pressão sobre os Esqueletos

Os Esqueletos são fisicamente semelhantes aos humanos, e tudo que é descrito do mundo deles poderia estar na Terra. Assim, aplicamos contra eles uma dialética de força idêntica àquela que seria aplicada a um poder terrestre. A facilidade com que os terráqueos conseguem organizar o ataque descrito no primeiro capítulo, que parece sucedido por bombardeios maciços da Marinha, parece indicar que os terráqueos ganharam na batalha de espaços fluidos (espaço próximo, atmosfera). Assim e por comparação, nenhuma ação esqueletal contra os planetas da Federação é descrita.


A partir desta superioridade, senão da supremacia, os terráqueos têm a possibilidade de serem introduzidos com relativa facilidade no espaço sólido do inimigo. Existe uma defesa antiaérea, mas é descrita como neutralizada pela saturação dos radares graças à multiplicação de alvos (em grande parte devido ao estouro das cápsulas de salto). Nem o transporte Rodger Young, incluindo a fase de recuperação no solo, nem a infantaria móvel durante o salto, parecem seriamente ameaçados.

Assim, a situação operacional é largamente assimétrica a favor dos terráqueos que dispõe de uma grande liberdade de ação. Eles poderiam aproveitar essa liberdade para devastar completamente os mundos esqueléticos ou até mesmo destruí-los, mas isso poderia radicalizar uma defesa vacilante, tal não parece corresponder ao objetivo estratégico de fazê-los mudar de aliança (ou pelo menos se render).

Sob essas condições, o modo de operação escolhido contra eles é consistente com a doutrina que apareceu nos Estados Unidos no final dos anos 50 e que poderia ser chamada de "Doutrina do Pôquer". A ideia é evitar uma campanha terrestre de combate e de ocupação em favor de uma campanha de ataques (ou de incursões que são uma forma particular de ataques) conduzidos em doses crescentes em toda a profundidade do sistema inimigo até o surgimento de um comportamento desejado em sua casa, que naturalmente induz à existência de uma forma de diálogo e, pelo menos, de não destruir o interlocutor.

É então uma nova abordagem que combina as teorias do poder aéreo e a cautela imposta pela restrição nuclear. Se o inimigo não possui armas termonucleares, então é quase obrigatoriamente aliado à URSS, que dispõe delas em grande número. Cinco anos após o lançamento de Tropas Estelares, a operação aérea Rolling Thunder, é a primeira aplicação deste conceito com a esperança de garantir o fim da assistência do Vietnã do Norte ao Vietcongue. Depois de três anos e apesar do enorme desdobramento de poder e de destruições imensas, a Rolling Thunder é claramente um fracasso. Nesta ocasião, pode-se ver que, ao contrário de uma campanha de ocupação do território e de destruição de forças, cuja dinâmica é claramente visível, os efeitos estratégicos de uma campanha de pressão são muito vagos. O surgimento do comportamento político desejado pode nunca ocorrer se o inimigo demonstrar forte resiliência.

O ataque descrito no primeiro capítulo de Tropas Estelares faz parte de uma campanha desse tipo com essa primeira originalidade que faz uso de forças terrestres. Isso faz parte de uma lógica de dosagem, uma vez que é explicado que o ataque é sucedido por bombardeios maciços e procura mostrar ao inimigo que ele está à mercê dos terráqueos que, por um lado, não hesitam em fazer prova de coragem, mas acima de tudo podem fazer muito bem o que eles bem entendem em seu território.

As incursões terrestres de espaços fluidos, ar ou mar, obviamente não são uma novidade. Unidades especializadas desenvolvidas durante a Segunda Guerra Mundial, desde as equipes do Long Range Desert Group (LRDG, Grupo de Longo Alcance do Deserto) até os Chindits na Birmânia, os batalhões do Special Air Service (SAS, Serviço Aéreo Especial) e os Marine Raiders (Incursores Fuzileiros Navais). A incursão da 11ª Divisão Paraquedista americana para libertar o campo de prisioneiros de Los Baños, em fevereiro de 1945, nas Filipinas, talvez seja o modelo mais sofisticado do que esse tipo de unidade é capaz de fazer.

Os exércitos ocidentais do pós-guerra estão cheios dessas unidades de comandos que são encontradas em todos os escalões. Guerras completas, como a da Indochina ou da Argélia, são feitas de múltiplas incursões. Com suas 250 OAPs (operações aerotransportadas), a guerra dos "corsários", segundo a expressão do general Navarre, na Indochina é o que mais se aproxima do que a Infantaria Móvel pratica em Tropas Estelares, nesse detalhe de que a única OAP de nível de seção descrito contra os Esqueletos é mais destrutivo do que os mais importantes bombardeios aéreos da Segunda Guerra Mundial.

Desde 1940, o número de surtidas aéreas necessárias para destruir um alvo de 200 metros por 300 é dividido por 100 a cada vinte anos. Em 1959, esse número ainda supera a centena, com cerca de 200 toneladas de bombas. As munições guiadas ainda não existem e Heinlein as substitui pelo sistema então (e sempre) o mais preciso: o infante. O soldado da infantaria móvel é preciso, mas ele também é muito poderoso. Com suas munições atômicas pessoais, Rico carrega em si o equivalente à tonelagem de bombas de 6.000 bombardeiros B-17. Com a ação de 52 homens como ele atuando em várias centenas de quilômetros quadrados, obtemos assim o equivalente a um bombardeio atômico várias vezes maior que o de Hiroshima. Apesar das precauções e da precisão da infantaria, as baixas civis seriam consideráveis.

A incursão é, portanto, uma "super-incursão" e parece mais um bombardeio aéreo maciço do que uma ação de comandos. Com a conjunção da proliferação de munição atômica miniaturizada e da mobilidade de forças terrestres no final dos anos 50, uma invasão desse tipo não é então inconcebível. A principal limitação das unidades aerotransportadas é que, uma vez no solo, os soldados se encontram a pé, lentos e vulneráveis. O emprego de armas nucleares seria então suicida. Com o desenvolvimento de unidades aero-mecanizadas, equipadas com veículos blindados leves como o BMD soviético em 1969, o conceito torna-se possível porque a infantaria desembarcada ou lançada agora tem plataformas de combate móveis e protegidas. Mas é também a época em que se percebem as enormes dificuldades, em particular as políticas, que se opõe ao "campo de batalha atômico" e as armas nucleares são retiradas do campo tático.

Ao mesmo tempo, com o desenvolvimento de munições guiadas a laser, como o Paveway testado no Vietnã em 1968, aparecem também os bombardeios aéreos precisos, mesmo sendo necessário esperar por décadas para se ver campanhas completas realizadas com esse tipo de armas. Enquanto a superioridade aérea ocidental, e particularmente americana, se torna supremacia após a Guerra Fria, tornou-se fora de questão a realização de incursões de destruição de infra-estrutura que não sejam pelo ar, aeronaves ou mísseis. É provável, no entanto, que com o desenvolvimento e difusão de sistemas anti-acesso, esta transição de espaços fluidos para espaços sólidos se torne mais delicada. Talvez seja necessário considerar novamente, assim como as organizações que não têm acesso ao céu, outras formas de intrusão pelo solo.

Enquanto isso, em 1959, a estratégia de pressão funciona nos Esqueletos, uma vez que os leva a mudar sua aliança. A guerra contra os Aracnídeos é obviamente mais difícil.

Como derrotar os Aracnídeos gigantes?

A guerra contra os Insetos começa com confrontos antes de degenerar em guerra aberta com o bombardeio de Buenos Aires. O ataque surpresa (que não poderia ocorrer em outro lugar, a trajetória do meteoro atacante tendo sido normalmente observado e corrigido) é o tema de uma ofensiva terrestre imediata que é decisiva: a operação DDT (inseticida). Neste caso, nenhuma pressão ou seqüência de batalhas como na campanha do Pacífico, mas um único golpe que é decisivo com todos os meios concentrados, como se as forças americanas tivessem tentado invadir o Japão logo após o ataque a Pearl Harbor.

Esta operação é um desastre. Mais de 50 naves são lançadas na atmosfera de Klendathu e várias divisões de infantaria móvel são lançadas para estabelecer uma cabeça-de-ponte para unidades mais pesadas. A coordenação entre as naves projetadas no planeta é deplorável desde o começo, várias colisões acontecem e especialmente as defesas do inimigo são muito mais poderosas do que se imaginava. Os Insetos vivem em profundidade e os soldados que saem equipados com armas laser individuais também são incontáveis (“um homem morto por 1000 insetos é uma vitória dos insetos” [1]) e hiper-agressivos. Depois de apenas dezoito horas, o que resta da força da cabeça-de-ponte é retirada.

[1] Robert A. Heinlein, Étoiles, garde-à-vous! Lido, 1974, p. 185.

As batalhas são reveladoras dos pontos fortes e fracos mais ou menos conhecidos pelos dois oponentes. Os primeiros confrontos são sempre cheios de surpresas, especialmente com inimigos muito diferentes e, pelo menos para os terráqueos, que obviamente não realizaram operações de grande magnitude por muito tempo.

As primeiras batalhas americanas, opondo um exército americano de emergência à tropas inimigas aguerridas, são tradicionalmente decepcionantes. Foi assim em 1812 contra o exército britânico, em Bull Run em 1861 contra os confederados, em Argonne em 1918 e especialmente em Kasserine em 1943 contra os alemães. O episódio da Força-Tarefa Smith, em julho de 1950, na Coréia, sem dúvida marca o fim desse despreparo perpétuo, uma conseqüência recorrente da desmobilização das forças armadas americanas após cada guerra. Como as forças armadas americanas da década de 1950, o Exército da Federação Terráquea é permanente, o que obviamente não o impede de ser visivelmente surpreendido.

Taticamente, a operação se assemelha aos primeiros dias da Batalha de Tarawa em novembro de 1943, um campo de testes mortal para operações anfíbias em grande escala. No nível operacional, Heinlein se inspira bastante e claramente no primeiro grande encontro entre as forças das Nações Unidas e as do exército chinês em novembro de 1950. Em 24 de novembro, o General MacArthur lançou a operação "Em casa no Natal", destinada a esmagar as últimas resistências comunistas na Coréia do Norte. No dia seguinte, todas as suas forças foram submersas pela infantaria chinesa, aparentemente tão numerosas e fanáticas quanto os Aracnídeos de Heinlein. O general MacArthur, que se parece com o general Diennes de Tropas Estelares, é forçado a ordenar uma retirada catastrófica até o sul do paralelo 38. É a maior retirada da história militar americana. No romance, Diennes é morto em combate (a ofensiva chinesa é um dos casos muito raros em que um general americano morre em combate) enquanto MacArthur será destituído depois de criticar o governo e exigir uma escalada nas operações.

Após a operação DDT, inicia-se uma fase experimental onde se trata de descobrir métodos táticos efetivos contra esse formidável inimigo e de compreender o seu processo de tomada de decisão, a fim de determinar o caminho que permitirá impor sua vontade. O espaço de guerra (os territórios e espaços fluidos acessíveis) se estende por dezenas de dezenas de anos-luz e contém tantos teatros de operações quanto planetas ou sistemas habitados. Isso obviamente evoca as campanhas paralelas de Nimitz e MacArthur no Pacífico até as Filipinas e os arredores do Japão. Como a conquista das ilhas do Pacífico, onde as forças japonesas estavam cada vez mais entrincheiradas, ou a nova ascensão ao norte da Coréia, na primavera de 1951, os combates foram muito mais lentos, mais metódicos e mortais.

Em um contexto como aquele contra os Esqueletos, os terráqueos têm pelo menos uma superioridade relativa no espaço (“nave contra nave: nossa frota era superior” [2]), a batalha decisiva dá lugar a uma série de combates de desgaste (como as operações Matador e Estripador na Coréia em 1951) projetados para infligir o máximo de perdas ao inimigo através do uso máximo do poder de fogo. A análise de prisioneiros aracnídeos permite desenvolver armas químicas letais para os insetos e inofensivo para os seres humanos. Os líquidos são lançados nos buracos das cidades subterrâneas dos insetos, onde eles se espalham em forma gasosa, enquanto os soldados de infantaria e os sapadores fecham todas as saídas. A população aracnídea do planeta Sheol é assim completamente massacrada. Nenhuma pergunta ética é feita sobre o que equivale a um massacre em massa, não mais do que quando Tóquio, entre muitas outras cidades, foi devastada pelas chamas em março de 1945. A desumanização pode acontecer muito rapidamente quando existem quaisquer diferenças e é uma questão de massacre sem escrúpulos.

[2] Robert A. Heinlein, Étoiles, garde-à-vous! Lido, 1974, p. 124.

Os Terráqueos aproveitam sua superioridade espacial para lançar uma nova operação, no planeta P. Em P há uma base possível para um novo "salto de pulga" em direção a Klendathu. Não está claro por que isso é útil, já que é possível invadir este planeta diretamente. A menos que se trate de cortar o planeta-capital de suas colônias e sufocá-lo economicamente, caso isso seja possível. Esta é principalmente uma operação de inteligência, taticamente primeiro aprendendo a lutar nos buracos, estrategicamente em seguida capturando cérebros ou rainhas para novamente os estudar e possivelmente trocá-los por prisioneiros.

Esta questão dos prisioneiros retorna regularmente no romance, a expressão de um novo problema apareceu também durante a Guerra da Coréia. A questão dos prisioneiros e sua libertação foi então objeto de longas e difíceis negociações, em particular porque, fato inédito, muitos prisioneiros comunistas, especialmente os norte-coreanos, não queriam voltar para casa. Além do excesso de mortalidade dos campos no norte, os americanos também descobriram nesta ocasião e com espanto que alguns de seus soldados prisioneiros poderiam cooperar com o inimigo, participar de sua propaganda e até se recusar a voltar para os Estados Unidos. Especialmente a Coréia do Norte era fortemente suspeita de não ter libertado todos os prisioneiros. O tema dos "desaparecidos" preservados nos campos comunistas aparece nesta ocasião antes de experimentar uma nova extensão com a Guerra do Vietnã.

Os meios utilizados para a operação em P são consideráveis. A Marinha cerca a zona a ser controlada isolando seus arredores para formar uma crosta radioativa e organiza um apoio permanente em órbita contra as concentrações das forças inimigas mais importantes. A Infantaria Móvel tem então a missão de forçar os Insetos a saírem, massacrá-los e depois penetrar profundamente nos "tomadores de decisão". As seções são desdobradas ao longo de várias centenas de quilômetros quadrados, cada uma em vigilância de um setor com a ajuda de Talentos especiais que atuam como radares subterrâneos. O combate é longe e depois do desgaste das forças inimigas após o o que se assemelha às "cargas banzai" japonesas, a infantaria móvel entra nos subterrâneos (uma forma de combate iniciada no Pacífico, em seguida na Coréia e destinada a conhecer um grande desenvolvimento no Vietnã). O sargento Zim, ex-instrutor de recrutas, é então o "rato de túnel" que captura um dos seis cérebros capturados pelos terráqueos. O resultado final é incerto, já que nenhuma rainha é capturada e que os cérebros morrem rapidamente, mas isso torna possível avançar o conhecimento sobre o inimigo e assim os meios para (con)vencê-lo.

Ao mesmo tempo, se os terráqueos se adaptam, os aracnídeos parecem evoluir pouco, supondo-se que eles não têm meios suficientes para fazê-lo, supondo-se que o seu processo de adaptação é tão rígido quanto o da máquina de guerra japonesa. Se o processo for tão flexível quanto o dos chineses na Coréia, capazes de empregar em poucas semanas a partir de 1951 uma doutrina de hiper-mobilidade para uma defesa muito eficaz em profundidade, será muito mais difícil. Entre a capitulação ou um cessar-fogo negociado, o fim desta guerra depende em grande parte deste parâmetro. No final do romance, nada está decidido ainda e a seção do Rico está prestes a saltar novamente.


Michel Goya, tenente-coronel e editor do Centro de Doutrina de Emprego de Forças (Exército), é responsável por fornecer feedback das operações francesas e estrangeiras na região da Ásia/Oriente Médio. Ele é o autor de La Chair et l'Acier (Paris, Tallandier, 2004), que se concentra no processo de evolução tática do exército francês durante a Primeira Guerra Mundial. Este livro foi traduzido como A Invenção da Guerra Moderna pela Bibliex. Goya também foi o autor do livro Sous le Feu: La mort comme hypothèse de travail (traduzido no Brasil como Sob Fogo: A morte como hipótese de trabalho).

Bibliografia recomendada:


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