quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Níger: medo do terror - e dos militares

 

Por Silja Fröhlich, Deutsche Welle, 16 de setembro de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 16 de setembro de 2020.

A recente descoberta de 71 corpos em seis valas comuns no Níger não é um incidente isolado. Nos países da região do Sahel, os soldados violam repetidamente os direitos dos civis.

Os corpos dos 71 civis foram descobertos com as mãos algemadas nas costas e os crânios esmagados. Pesquisadores de direitos humanos dizem que unidades do exército nigeriano estão por trás das execuções em massa.

Em março, o governo do Níger ordenou uma investigação sobre o desaparecimento de 102 civis. A Comissão Nacional de Direitos Humanos do Níger (CNHD) disse que sua própria investigação descobriu que os corpos de 71 dos 102 civis foram encontrados nos túmulos. O CNHD culpou as unidades do exército nigeriano estacionadas na região de Tillaberi pelas mortes.

Sequestrados e executados

A situação de segurança em Burkina Faso está se deteriorando.

O massacre não é um caso isolado na região do Sahel, onde uma coalizão de forças armadas conhecida como Grupo G5 Sahel está lutando contra várias organizações terroristas, incluindo o Boko Haram, o chamado "Estado Islâmico" e a Al-Qaeda.

Um relatório contundente da missão de paz das Nações Unidas no Mali (Mission multidimensionnelle intégrée des Nations unies pour la stabilisation au Mali, MINUSMA)) acusou o exército malinense de ter executado 101 civis entre janeiro e março. No mesmo período, a missão documentou um total de 589 violações dos direitos humanos, incluindo 30 execuções extrajudiciais em massa separadas por soldados nigerinos estacionados no Mali como parte do G5.

Em junho, a Anistia Internacional disse que soldados do Mali, Níger e Burkina Faso estavam por trás do desaparecimento de pelo menos 199 pessoas entre Fevereiro e Abril. No Sahel, "os soldados invadem vilarejos matando pessoas sob o pretexto de operações anti-terror", disse a Anistia.

Exércitos destreinados e indisciplinados

Soldados do Mali que fazem parte de uma missão de treinamento da União Europeia.

Seidik Abba, jornalista e especialista em Sahel, diz que as mortes são a prova de que os exércitos estão sobrecarregados. "Nossos exércitos não foram treinados para combater o terrorismo, mas para a guerra convencional e clássica", disse Abba à DW. "Há um déficit de treinamento. Depois, há as pesadas perdas que sofreram. É lógico que haveria vingança."

Abdoulaye Sounaye, pesquisador sênior do Centro Leibniz para Estudos Orientais Modernos (ZMO), em Berlim, diz: "Eles [os soldados] não querem ser mortos, então não correm nenhum risco. Essa é a realidade nestes áreas. Houve casos em que foram atacados por pessoas em quem confiavam."

Soldados alemães da EUTM e da MINUSMA no Mali.

A União Europeia está envolvida na região do Sahel desde 2012, fornecendo apoio e treino militar. A Bundeswehr alemã faz parte da Missão Europeia de Treinamento (European Training Mission, EUTM) e da MINUSMA no Mali.

Conscientização insuficiente sobre os direitos humanos

Soldados do Sahel durante um exercício de treinamento conjunto em Burkina Faso em 2019.

De acordo com o Ministério das Relações Exteriores, as medidas de treinamento da EUTM-Mali também incluem treinamento em temas de direito internacional humanitário, proteção da população civil e direitos humanos.

Hama Assah, membro do Comitê de Defesa e Segurança da Assembleia Nacional do Níger, confirmou que os soldados estão sendo informados sobre os direitos humanos. “Eles sabem sobre os direitos humanos e como protegê-los”, disse Assah à DW. “Temos muitos presos agora. Se não respeitássemos os direitos humanos, não faríamos prisioneiros porque isso é um fardo para nós”.

O déficit em treinamento é óbvio, diz Lukas Granrath, um especialista em Níger e Burkina Faso na Anistia Internacional da Alemanha. "A UE diz que se dedica muito à educação em direitos humanos. Não sabemos como isso é feito ou se é levado a sério. Uma condição para trabalhar com os militares nigerinos deve ser que eles aceitem e protejam os direitos humanos."

Entre poder e demandas excessivas

Soldados nigerianos inspecionam um carro queimado pertencente a uma organização de ajuda que foi atacada.

O pesquisador Abdoulaye Sounaye, afirma que o exército no Níger tem “grande poder e influência” e, apesar das vozes críticas, é muito popular junto à sociedade civil. O Níger foi um regime militar durante 21 anos até 1999. "A constituição diz que sempre que ocorre um estado de emergência, as forças de segurança assumem o poder. Todos os tipos de crimes podem ser cometidos em tais situações", disse Sounaye.

Os assassinatos em massa "criam um clima de desconfiança no exército", de acordo com Moussa Tchangari, secretário-geral da organização de direitos humanos do Níger Alternative Espace Citoyen. Os civis agora sentem que podem ser mortos tanto por jihadistas quanto por soldados regulares. “Isso assusta as pessoas e, no final, elas não saberão a quem recorrer”, diz ele.

Os militares do Níger estão sob imensa pressão para ter sucesso, de acordo com Granrath. Até agora, o exército sempre negou envolvimento em execuções. “As investigações atuais são um novo passo para o Níger e resta saber como o governo vai agir sobre os resultados”, acrescenta Granrath.

Apesar da aprovação da investigação, Sounaye teme que a reputação do exército nigerino entre a população diminua se o relatório final encontrar provas dos crimes hediondos cometidos pelas tropas.

No entanto, a transparência ajuda contra isso: "É de se esperar que isso tenha um impacto positivo sobre como os soldados se comportarão no futuro", disse Sounaye.

Bibliografia recomendada:

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