segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Mísseis TOW americanos foram cruciais para destruir blindados russos na Síria

Carro de combate T-72AV do Exército Árabe Sírio sendo explodido em Darayya, subúrbio de Damasco, pela Brigada dos Mártires do Islã, início de 2016.

Por Sébastien Roblin, The National Interest, 6 de janeiro de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 21 de setembro de 2020.

Ponto-chave: embora esses tanques pudessem ter se beneficiado de atualizações defensivas específicas em alguns casos, a verdadeira lição a ser tirada era menos sobre deficiências técnicas e mais sobre treinamento da tripulação, moral competente e matéria de emprego tático sólido mais até do que blindagem "invulnerável".

Os conflitos interconectados que assolam o Oriente Médio hoje equivalem a uma terrível catástrofe humana com consequências globais em espiral. Um de seus efeitos menores foi esvaziar a reputação dos tanques de batalha principais ocidentais, considerados erroneamente como quase invulneráveis na imaginação popular.

Torre de um Leopard 2A4 turco decapitado na Batalha de al-Bab, ocorrida de 6 de novembro de 2016 a 23 de fevereiro de 2017.

Outro ângulo do mesmo Leopard 2A4 turco.

Os tanques iraquianos M1 Abrams não apenas não conseguiram evitar a captura de Mosul em 2014, mas foram capturados e se voltaram contra seus proprietários. No Iêmen, vários M1 sauditas foram nocauteados por rebeldes houthi. A Turquia, que havia perdido um número de tanques M60 Patton e M60T Sabra atualizados para combatentes curdos e do ISIS, eventualmente desdobrou seus temíveis tanques Leopard 2A4 de fabricação alemã. O ISIS destruiu de oito a dez em questão de dias.

Embora esses tanques pudessem ter se beneficiado de atualizações defensivas específicas em alguns casos, a verdadeira lição a ser tirada era menos sobre deficiências técnicas e mais sobre o treinamento da tripulação, moral competente e matéria de emprego tático sólido mais até do que blindagem "invulnerável". Afinal, mesmo os tanques de batalha principais mais fortemente blindados são significativamente menos protegidos de impactos nas blindagens laterais, traseiras ou superiores - e rebeldes com anos de experiência em combate aprenderam a emboscar tanques de batalha principais imprudentemente posicionados, especialmente usando mísseis anti-tanque de longo alcance a quilômetros de distância.

Combatentes do Exército Sírio Livre utilizando TOWs americanos.

Uma exceção à mancha geral de reputações foi o tanque T-90A da Rússia, 550 dos quais servem como o tanque de batalha principal da Rússia até que os T-14 Armata entrem em serviço totalmente. O T-90 foi concebido na década de 1990 como uma mistura modernizada do chassis do T-72 otimizado para produção em massa anterior e a torre do T-80 de qualidade mais alta (mas operacionalmente mal-sucedido). Mantendo um perfil baixo e uma tripulação de três homens (o canhão de carregamento automático 2A46M do tanque toma o lugar de um carregador humano), o T-90A de cinquenta toneladas é significativamente mais leve do que o M1A2 e o Leopard 2 de setenta toneladas.

Quando Moscou interveio na Síria em 2015 em nome do regime sitiado de Bashar al-Assad, também transferiu cerca de trinta T-90A para o Exército Árabe Sírio (SAA), bem como carros T-62M e T-72 atualizados. Os militares sírios precisavam desesperadamente essa infusão blindada, já que perderam mais de dois mil veículos blindados nos anos anteriores - especialmente depois que os rebeldes sírios começaram a receber mísseis TOW-2A americanos em 2014. Os T-90 foram espalhados entre a 4ª Divisão Blindada, a Brigada Águias do Deserto (composta por veteranos aposentados do SAA liderados por senhores da guerra pró-Assad) e a Força Tigre, uma unidade de elite do SAA do tamanho de um batalhão, especializada em operações ofensivas.

T-54/55 com telêmetro laser usado pelo ISIS é quase atingido por um ATGM na Síria, 2014.

Em fevereiro de 2016, os rebeldes sírios filmaram um vídeo de um míssil TOW indo em direção a um tanque T-90 no nordeste de Aleppo. Em um clarão ofuscante, o míssil detona. No entanto, quando a fumaça se dissipou, tornou-se evidente que a blindagem reativa-explosiva Kontakt-5 do tanque havia descarregado a ogiva de carga oca do míssil TOW antes do impacto, minimizando os danos. (Este fato talvez não tenha sido apreciado pelo artilheiro do tanque, que na versão completa do vídeo saiu de uma escotilha já aberta e fugiu a pé.)

Mesmo assim, o vídeo se tornou viral.

Embora o T-90A ainda seja superado pelos tanques de batalha principais ocidentais, ele apresenta vários sistemas defensivos particularmente eficazes contra mísseis anti-tanque que (exceto alguns) os tanques Abrams e Leopard 2 não têm - e os mísseis anti-tanque destruíram muito mais veículos blindados nas últimas décadas do que os canhões dos tanques.

Ofuscadores infra-vermelhos Shtora-1.

Se você olhar de frente para um T-90A, poderá notar os “olhos” assustadores na torre - um método confiável de distingui-lo dos T-72 modernizados de aparência semelhante. Na verdade, eles são ofuscadores infravermelhos projetados para bloquear sistemas de mira à laser em mísseis e brilhar em uma cor vermelha assustadora quando ativos. Os ofuscadores são apenas um componente do sistema de proteção ativa Shtora-1 do T-90, que também pode descarregar granadas de fumaça que liberam uma nuvem de aerossol que obscurece o infravermelho. O Shtora está integrado a um receptor de alerta a laser de 360 graus que dispara automaticamente as contra-medidas se o tanque for pintado por um laser inimigo - e pode até apontar a arma do tanque para a origem do ataque. A segunda linha de defesa do T-90A vem na forma de placas de blindagem reativa explosiva Kontakt-5, que foi projetada para detonar antes do impacto de um míssil a fim de interromper o jato derretido de sua ogiva de carga oca e alimentar metal adicional em seu caminho.

Então, a blindagem reativa do T-90 e o sistema de proteção ativa Shtora provaram ser uma contra-medida infalível contra mísseis guiados anti-tanque de longo alcance (anti-tank guided missiles, ATGM)?

Em uma palavra, não - mas você só saberia disso caso seguisse os muitos vídeos menos divulgados que descrevem a destruição ou captura dos T-90 por rebeldes e forças governamentais.

Jakub Janovský se dedicou a documentar e preservar as perdas de blindados registradas na Guerra Civil Síria por vários anos e recentemente divulgou um vasto arquivo de mais de 143 gigabytes de imagens de combate do conflito, que vão desde atrocidades perpetradas por vários grupos a centenas de ataques com ATGM.

ATGM Konkurs na Síria.

De acordo com Janovský, dos trinta carros transferidos para o Exército Árabe Sírio, ele tem conhecimento de cinco ou seis T-90A sendo nocauteados em 2016 e 2017, principalmente por mísseis TOW-2A guiados filo-guiados. (Alguns dos tanques destruídos, para esclarecer, podem ser recuperados com reparos pesados.) Outros quatro podem ter sido atingidos, mas seu status após o ataque não é possível determinar. Claro, pode haver perdas adicionais que não foram documentadas e há casos em que o tipo de tanque envolvido não pôde ser confirmado visualmente.

Além disso, os rebeldes HTS capturaram dois T-90 e os usaram em ação, enquanto um terceiro foi capturado pelo ISIS em novembro de 2017. Em junho de 2016, os rebeldes da Frente Levantina nocautearam um T-90 com um TOW-2. Imagens de drones feitas depois mostram fumaça saindo da escotilha da torre e revelando os ofuscadores Shtora do T-90. Outro vídeo gravado em 14 de junho de 2016, em Aleppo, mostra um T-90 fazendo uma curva fechada e correndo para se proteger atrás de um prédio - possivelmente ciente de um míssil TOW se aproximando. No entanto, o T-90 é atingido em sua blindagem lateral ou traseira. O tanque explode, espalhando detritos no ar, mas ainda continua dirigindo atrás da cobertura.

Outro T-90A foi atingido por um Konkurs de fabricação russa (semelhante ao TOW) ou pelo mais poderoso míssil AT-14 Kornet guiado a laser perto de Khanassar, na Síria, ferindo o artilheiro. A tripulação acabou abandonando o veículo quando um fogo se espalhou da montagem da metralhadora para dentro do veículo, onde começou a queimar os projéteis de 125mm no auto-carregador em estilo carrossel. A colocação de munição no meio do tanque ao lado da tripulação, em vez de um compartimento de estocagem separado como no M1, há muito é uma vulnerabilidade dos projetos de tanques russos.

T-72M1 do SAA destruído em Darayya, na Síria.

A torre de um T-72 destruído (pichado em árabe com os dizeres "liberdade") na cidade de Ariha, nos arredores de Idlib, na Síria, em 10 de junho de 2012.

Enquanto isso, os rebeldes mantinham dois T-90 em uma fábrica de tijolos abandonada na província de Idlib. Em abril de 2017, o T-90A rebelde, reforçado com sacos de areia em sua blindagem, aparentemente entrou em uma "rampage" ajudando as forças rebeldes a recapturar a cidade de Maarden, segundo a mídia russa. Mais tarde, um dos T-90A foi recapturado pelo governo e o outro foi nocauteado - supostamente, por um tanque T-72 usando um tiro sabot cinético na blindagem lateral.

Em outubro, o ISIS capturou um T-90A da 4ª Divisão Blindada perto de al-Mayadeen, no leste da Síria, quando se aventurou sozinho em uma tempestade de areia. Então, em 16 de novembro de 2017, o ISIS emboscou uma coluna blindada da Força Tigre e aparentemente explodiu a torre de um T-90A para fora de seu chassis e a abandonou de cabeça para baixo no deserto. A tripulação teria sido morta. No entanto, a mídia pró-Assad afirma que este foi o T-90 capturado anteriormente pelo ISIS, considerado inoperável e depois destruído para fins de propaganda.

Isso não quer dizer que os sistemas defensivos do T-90 nunca funcionaram. Em um incidente notável registrado em 28 de julho de 2016, um tanque T-90 perto das fazendas Mallah de Aleppo foi atingido por um míssil TOW, mas saiu aparentemente ileso da nuvem de poeira graças à sua blindagem reativa. Enquanto o veículo se afastava freneticamente, a equipe do TOW o acertou com um segundo míssil - contra o qual ele aparentemente também sobreviveu apesar de sofrer danos.

Janovský diz que não tem conhecimento da perda dos T-90 para armas de menor alcance, "já que o regime raramente usava os T-90 em combate aproximado, especialmente depois que dois deles foram capturados". O T-90 foi de fato "relativamente bem-sucedido" na opinião de Janovský, apesar das perdas devido ao "excesso de confiança e má coordenação com a infantaria, que tem sido um problema de longo prazo do SAA".

Termovisores Catherine FC da Thales em tanques russos desfilando.

De acordo com Janovský, o recurso mais útil do T-90 provou ser sua ótica superior e computador de controle de fogo em comparação com os tanques russos anteriores. “Os T-90 tiveram um bom desempenho quando tiveram a oportunidade de atirar em rebeldes à longa distância ou à noite, quando a ótica moderna e o computador de controle de fogo provaram ser uma grande vantagem”. Na verdade, o modelo T-90A começou a receber termovisores Catherine FC de fabricação francesa em meados dos anos 2000.

É claro que um pequeno número de carros T-90 não teria um grande impacto em uma guerra civil que já durava anos. No entanto, Janovský ainda vê lições a tirar desta situação. “O regime também teve sorte dos rebeldes nunca terem recebido nenhum ATGM moderno com o modo de ataque por cima - o qual mataria de forma confiável o T-90”. Exemplos de armas de ataque superior incluem o míssil Javelin e o TOW-2B.

Soldado sírio posando com um T-90 do SAA.

“Na minha opinião, o principal problema com o T-90 (e a maioria dos outros tanques modernos) é a completa falta de um Sistema de Proteção Ativa de hard-kill* [um que atira mísseis], idealmente com 360 graus de cobertura, mas 270 graus devem ser o mínimo. Isso não significa apenas que ele é vulnerável a ser nocauteado por rojões baratos em combate urbano, mas também por mísseis guiados anti-tanque disparados de um ângulo inesperado. Quando você considera o alcance dos ATGMs atuais [normalmente de dois a cinco milhas], será uma ocorrência bastante regular que você tenha uma oportunidade de tiro lateral contra o ataque de tanques inimigos de posições em frente ao local atacado”.

*Nota do Tradutor: Algo como abate-duro e abate-brando. O hard-kill geralmente se refere às medidas tomadas no último momento, pouco antes de uma ogiva/míssil atingir seu alvo; em geral afeta fisicamente a ogiva/míssil por meio de ações de explosão e/ou fragmentação. As medidas de soft-kill são aplicadas quando se espera que um sistema de armas baseado em sensor possa ser interferido com sucesso. O sensor de ameaça pode ser artificial, por exemplo, um detector de infravermelho de estado sólido ou o sistema sensorial humano (olho e/ou ouvido).

Na verdade, a Rússia está planejando atualizar seus T-90A - que atualmente são menos avançados do que os T-90MS em serviço com o Exército indiano - para uma variante do T-90M com novos sistemas de proteção ativa de hard-kill, blindagem reativa atualizada e um canhão principal 2A82 mais poderoso. No final das contas, as perdas na Síria mostram que qualquer tanque - seja T-90, M-1 ou Leopard 2 - é vulnerável em um campo de batalha no qual ATGMs de longo alcance proliferaram. Os sistemas de proteção ativa e os sistemas de alerta de mísseis são vitais para mitigar esse perigo, mas também o são o emprego tático cuidadoso, tripulações treinadas com competência e cooperação aprimorada com a infantaria para minimizar a exposição a ataques de longo alcance, repelir emboscadas e fornecer atenção extra a possíveis ameaças.

Sébastien Roblin possui mestrado em Resolução de Conflitos pela Universidade de Georgetown e serviu como instrutor universitário para o Corpo da Paz na China. Ele também trabalhou com educação, edição e reassentamento de refugiados na França e nos Estados Unidos. Atualmente ele escreve sobre segurança e história militar para o blog War Is Boring.

Bibliografia recomendada:

TANKS:
100 Years of Evolution.
Richard Ogorkiewicz.

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