domingo, 13 de setembro de 2020

Golpe no Mali: Barkhane à prova?

 

Entrevista do Tenente-Coronel Michel Goya ao Institut Montaigne, 2 de setembro de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 13 de setembro de 2020.

Em 18 de agosto, um golpe de Estado foi perpetrado pelas Forças Armadas do Malinenses e resultou na derrubada do presidente Ibrahim Boubacar Keita, no poder desde 2013. Se as consequências desse golpe, aparentemente apoiado pela população, sobre o estabilidade política do país será revelada a longo prazo, qual poderia ser o impacto sobre a operação francesa Barkhane? Lançada em 2014 em parceria com os países do G5 Sahel (Burkina Faso, Mauritânia, Níger, Chade, Mali), a operação teve como objetivo lutar contra grupos jihadistas armados no Sahel. Michel Goya, historiador e ex-oficial das Troupes de Marine (Tropas Navais do Exército), nos decifra a nova situação do quadro de operação das forças francesas.

Qual foi o impacto dos eventos das últimas semanas no Mali na Operação Barkhane? Em novembro de 2019, você descreveu essa operação como "bloqueada, mas essencial". Que tal hoje?

O golpe de estado de 18 de agosto de 2020 em Bamako dá a sensação de um "retorno ao futuro". O Mali está de fato na mesma situação em que se encontrava durante o golpe de estado de março de 2012, que resultou na saída do Presidente Touré. Do ponto de vista da segurança, a diferença é que, entretanto, várias operações militares internacionais foram acumuladas: a missão de treinamento da União Europeia no Mali (EUTM), a missão de estabilização integrada multidimensional das Nações Unidas no Mali (MINUSMA), então a força conjunta dos cinco estados do G5 do Sahel. Esperávamos mais ou menos abertamente em Paris que cada uma dessas operações nos permitisse sair do Mali depois do sucesso da Operação Sérval no primeiro semestre de 2013. Na verdade, aconteceu o contrário, cada uma dentre elas, em última análise, necessitou de forças francesas, de longe as mais eficazes no Mali. A Barkhane, que também tem seus limites e restrições, permite conter os grupos armados jihadistas, sem poder reduzi-los completamente, porque as fontes de sua força se encontram nas insuficiências do Estado malinense.

A saída repentina da Barkhane colocaria todos os outros atores da segurança, em particular as Forças Armadas Malinenses (Forces Armées Maliennes, FAMa), em dificuldades. A dificuldade pode ser um forte incentivo à evolução e poderíamos considerar a retirada francesa ou a ameaça de retirada como uma forma de pressionar as autoridades malinenses a fazerem as mudanças necessárias. Ainda precisa haver autoridades e um Estado.

Tudo o que se pode esperar do desenvolvimento da situação em Bamako é que isso permitirá uma renovação da classe política malinense e, em última instância, o estabelecimento de uma verdadeira autoridade reformadora. Nesse ínterim, a retirada repentina das forças francesas apenas aumentaria a dificuldade. Não é mencionado em lugar nenhum e, na verdade, não muda muito para a situação militar.

Soldado chadiano e operador das forças especiais franceses em um posto de controle no Mali. As forças especiais francesas estabeleceram 7 destacamentos de ligação e apoio (détachements de liaison et d’appui, DLA) no seio de batalhões africanos da MINUSMA.

O golpe de estado no Mali terá impacto na cooperação com o G5 Sahel? Ele também poderia colocar em questão o apoio europeu por meio da força-tarefa Takuba?

Os governos do G5 Sahel dificilmente podem endossar um golpe de Estado em seu seio, especialmente porque todos temem que sejam também vítimas dele. Neste caso, a organização regional considerada a mais legítima para intervir nos assuntos internos e ajudar no retorno da estabilidade política do Mali no quadro das instituições democráticas é a Comunidade Econômica dos Estados Africanos de Oeste (Communauté économique des États de l’Afrique de l’Ouest, CEDEAO). Já foi a CEDEAO que acompanhou a transição após o golpe de 2012, apoiada por outras organizações internacionais e pela França.

No futuro imediato, a gestão internacional desta crise é delicada, entre a necessidade de exercer pressão sobre a junta que tomou o poder por meio de várias sanções ao país e a necessidade de ainda não enfraquecer o mesmo país. De acordo com uma lei federal que teoricamente proíbe qualquer assistência a um governo não eleito democraticamente, os Estados Unidos suspenderam a ajuda militar ao Mali e a União Europeia fez o mesmo suspendendo a missão de treinamento EUTM. Pelo contrário, a França está pressionando para não modificar a cooperação militar e a força-tarefa Takuba está integrada à Operação Barkhane. Portanto, não deve ser afetado em princípio, mas talvez pela possível relutância de algumas nações europeias em aderir a ele, tendo em vista a nova situação.

Os golpistas têm mais chances de conseguir pacificar o norte do país do que o governo anterior de Ibrahim Boubacar Keita ou, ao contrário, a instabilidade política causada pelo golpe tornará o país ainda mais vulnerável aos grupos terroristas?

No imediato, o golpe de estado terá sem dúvida o efeito de coibir a ação das FAMa, enquanto se aguarda a estabilização política, ao invés de estimulá-la. Estimulá-la provavelmente não produziria grandes resultados operacionais. Por enquanto, as unidades das FAMa são fortes e éticas apenas quando acompanhadas por conselheiros, solução que poderia ter sido adotada há muito tempo se não houvesse a barreira da suscetibilidade nacionalista. No entanto, como o ciclo de formação da EUTM se encontra paralisado e este apoio, pelo menos europeu, está comprometido, não devemos esperar grandes mudanças no terreno.

Estimular a mudança seria, por outro lado, interessante se conduzisse a uma profunda reforma das FAMa, de forma a melhorar o seu recrutamento, financiamento, adaptação ao terreno, mas sobretudo o comando e o comportamento. Quando o Estado malinense tiver batalhões fortes o suficiente para não temer ninguém em combate, legítimos o suficiente para serem aceitos pela população e grandes o suficiente para garantirem a segurança real, a situação local e até regional mudará dramaticamente. Ainda estamos longe disso.

Recorde-se que foi durante este período de transição e negociações políticas que se seguiu ao golpe de estado de 2012 que o Movimento Nacional para a Libertação de Azawad (Mouvement national de libération de l’Azawad, MNLA) proclamou a independência do norte do país antes de ser expulso por grupos jihadistas. Então, como agora, foi a impotência do Estado que provocou o golpe, que por si só agravou ainda mais a paralisia.

Tudo isso implica uma redefinição da visão da França e da sua estratégia na região, que não deve impedir os esforços locais de estabilização, foco na Al-Qaeda no Magrebe Islâmico (Al-Qaïda au Maghreb islamique, AQIM), seu verdadeiro inimigo na região, e quanto ao resto, seja o protetor de último recurso.

Bibliografia recomendada:

Leitura recomendada:


França: A longa sombra dos ataques terroristas de Saint-Michel2 de setembro de 2020.

Dez milhões de dólares por miliciano: A crise do modelo ocidental de guerra limitada de alta tecnologia23 de julho de 2020.

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