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segunda-feira, 5 de julho de 2021

Duas Derrotas: o Vietnã e o Afeganistão


Pelo Capitão-de-Fragata Pierre Ortiz, ENDERI, 31 de maio de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 13 de junho de 2021.

O comandante Pierre Ortiz lembra os motivos pelos quais, após 10 anos de guerra, os americanos fracassaram no Vietnã há 50 anos. Numa altura em que estes parecem querer retirar do Afeganistão as suas forças que ali estão desdobradas há quase 19 anos, ele explica porque é que esta retirada deve ser vista como mais um fracasso para os Estados Unidos.

Afeganistão, uma guerra americana e ocidental

Soldados afegãos e um soldado americano da ISAF, 2012.

Em outubro de 2001, os Estados Unidos, apoiados por seus aliados, travaram a guerra mais longa de sua história (19 anos). Os objetivos da guerra são bem conhecidos: primeiro, derrubar os talibãs - cúmplices e protetores de Bin Laden - que reinavam em Cabul e que se recusavam a entregar seu constrangedor convidado.

A primeira fase é conhecida: em poucos dias de ataques relâmpagos, os talibãs fogem e se juntam a seus maquis montanhosos e suas áreas tribais na fronteira com o Paquistão. Cabul está sob controle, objetivo alcançado. O próximo passo é impedir o retorno dos talibãs e estabelecer um regime de "boa governança" pró-Ocidente; isto será um fracasso.

Um menino afegão segura sua arma de brinquedo com soldados belgas da patrulha ISAF durante uma missão conjunta com soldados alemães em Taloqan, a oeste de Kunduz, no Afeganistão, em 30 de setembro de 2008.

Como no Vietnã, os Estados Unidos estão muito longe de suas bases; os meios e os recursos empregados serão colossais, de 800 a 1000 bilhões de dólares. Com o dólar menos no controle do mundo financeiro do que em 1965, a guerra será, portanto, mais longa e custará mais em comparação.

Ao contrário do Vietnã, os adversários enfrentados serão principalmente guerrilheiros pashtuns, que nunca se arriscarão a enfrentar a coalizão de frente. Poucas perdas materiais, controle aéreo total, uso máximo de armas aéreas: aviões, helicópteros e drones, sendo estes últimos de uso pesado; a guerra da "alta tecnologia"...

Poucas pessoas no terreno. Perdas de pessoal relativamente baixas: 2.400 mortos em 19 anos. Uma guerra engajados profissionais pouco questionada no país. Com mídia muito mais controlada do que no Vietnã, a lição foi aprendida.

Outro ponto em comum com o conflito vietnamita são os aliados locais, que são muito exigentes, pouco confiáveis, ineficientes, corruptos e, além disso, perigosos; há inúmeros casos de soldados do Exército Nacional Afegão voltando suas armas contra aliados ocidentais.

A guerra dos insurgentes

Um combatente mujahideen afegão carrega um míssil FIM-92 Stinger americano colina acima perto de Jaji, leste do Afeganistão, fevereiro de 1988.
(Robert Nickelsberg / Time Magazine)

O que impressiona talvez sobretudo neste confronto de 19 anos e mesmo de 41 anos, se começarmos a contar desde a chegada dos soviéticos no final de 1979, é a certeza e a determinação de superação por parte dos insurgentes qualquer que seja o custo e qualquer que seja a duração diante das forças que os dominam mil vezes por seus meios.

Uma certeza alimentada por uma cultura de guerras tribais mesclando naturalmente o estado de guerra com o da vida, uma fé religiosa beirando o fanatismo que defende a aceitação da onipresença da morte que não devemos temer, ou mesmo que devemos chamar como bênção.

Como para o Vietnã, um ódio ao estrangeiro ateu e a outra raça, a um invasor instalando um regime corrupto e rejeitado pela população pashtun, a um invasor que multiplica as vítimas entre a população civil.

Fuzileiros navais americanos explodindo casamatas e túneis usados pelo Viet Cong em uma vila, 1966.

A questão surgiu já durante a presença soviética: aliás, quem estava lutando contra os insurgentes? Os soviéticos ou, em primeiro lugar, os não-muçulmanos que não têm lugar numa sociedade monocultural e que fará de tudo para permanecer assim? Os insurgentes talibãs, pelo menos nas áreas de maioria pashtun, são "como peixes na água"; basta olhar para os rostos consternados dos legisladores afegãos com a notícia da morte de Bin Laden.

Como os insurgentes vietnamitas, os talibãs não estão sozinhos; eles recebem o apoio de "brigadas internacionais" de muitos países muçulmanos e não-muçulmanos para travar a jihad.

Soldados do Exército Soviético na torre de um tanque em um posto avançado durante o pôr do sol no Afeganistão, setembro de 1984.
(Alexander Zemlianichenko / AP)

Eles são apoiados por um grande número de órgãos oficiais do Paquistão que consideram o Afeganistão como seu quintal. O papel desempenhado pelos paquistaneses é um andaime muito elaborado de astúcia; eles desempenharão admiravelmente a figura de aliados objetivos e prestativos dos americanos, enquanto secretamente apóiam os insurgentes, fato o qual os Estados Unidos estavam bem cientes. Quem poderia imaginar por um segundo que o governo de Karachi não sabia da presença de Bin Laden em seu território? Além disso, existem poucas fronteiras tão porosas como aquela que pretende separar o Afeganistão do Paquistão.

Finalmente, outro elemento fundamental, o custo da guerra; para combater os efeitos dos artefatos explosivos caseiros, fabricados com algumas dezenas de dólares, são usados materiais cujo custo gira em torno de dezenas de milhares de dólares.

Concluir ou observar?

Um soldado alemão do Bundeswehr com a ISAF monitora a área em uma montanha durante uma missão de varredura com uma equipe de Descarte de Material Explosivo (Explosive Ordnance Disposal, EOD) nos arredores de Fayzabad, ao norte de Cabul, Afeganistão, em 20 de setembro de 2008.

Observar primeiro que no Afeganistão, talvez mais do que no Vietnã, é uma questão de fracasso na ausência de uma derrota e, no caso do Afeganistão, de uma derrota do Ocidente diante de outra civilização completamente diferente.

No Vietnã, como no Afeganistão e na Somália, é a derrota de um Golias longe das suas bases perante uma população cada vez mais hostil que, apesar de todas as suas tentativas, nunca poderá seduzir, primeiro porque ela o vê como um estrangeiro". Tampouco será possível instituir um regime de "boa governança" capaz de conquistar o apoio da população; eles sempre serão regimes corruptos e ineficientes odiados pelo povo.

Nessas duas guerras, uma grande parte do país, essencialmente rural, sempre terá que ser deixada para os "insurgentes" que, como a FLN na Argélia, estão fazendo reinar o terror implacável entre a população civil.

Trailer do filme A Batalha de Argel


Quem poderia negar que este é um exemplo convincente do choque de civilizações segundo a visão de Samuel Huntington? Seja o comunismo ateísta dos "prussianos asiáticos" do Vietnã do Norte ou o islamismo fanático do talibãs afegãos, o inimigo do Ocidente nunca duvidará da vitória, não importa quão duros sejam os golpes; ele até mesmo rapidamente convencerá o vencedor no campo da inevitabilidade de sua derrota e, assim, infligirá uma ferida em seu moral da qual ele não se curará, mesmo depois que as hostilidades tiverem passado.

Um choque de civilizações é, claro, e antes de tudo, um choque de valores incompatíveis, uma visão do preço da vida, a sensação do tempo. André Malraux, visitando Mao Tsé-tung em 1965, perguntou-lhe se ele achava que o comunismo duraria na China; ouviu-se responder pelo seu interlocutor: "Oh não! Talvez 1.000 anos, não mais”.

A guerra é uma disciplina e uma arte em que a relação com a morte e o tempo é tão importante quanto o poder das armas e o valor puramente militar dos exércitos. Nem os americanos nem seus aliados no Vietnã ou no Afeganistão estavam preparados para lutar tanto quanto os "insurgentes"; tratava-se de bater forte e entrar rápido. Como disseram os presidentes Nixon e Trump, "bring the boys back home" ("traga os rapazes de volta para casa") especialmente porque as opiniões civis desses países não estavam prontas para pagar o pesado tributo do derramamento de sangue, como Charles de Gaulle em La France et son Armée (A França e seu Exército) falando de guerras distantes "Todos queriam voltar ao país para encontrar seu país".

Guerra bunkerizada: Um engenheiro de combate fuzileiro naval servindo na Companhia Bravo, 1º Batalhão de Engenharia de Combate, preenche uma barreira Hesco com terra que apoiará um portão de entrada para o Exército Nacional Afegão na Base Operacional Avançada Shir Ghazay, 19 de novembro de 2013.

Ainda são guerras que custaram somas colossais de dinheiro, bilhões de dólares para o Ocidente e primeiro para os Estados Unidos, menos para o inimigo. Os ocidentais colocaram toda a sua fé na deusa da alta tecnologia e no deus tecnicismo; eram guerras "bunkerizadas" com poucas pessoas no solo e muitas no ar, o oposto dos "insurgentes".

Nenhuma batalha clássica foi perdida no terreno, mas os custos continuaram a subir à medida que a perspectiva de vitória se tornava cada vez mais evasiva, apesar da perda desproporcional entre aliados e insurgentes.

Blindado norte-vietnamita, com a bandeira da FLN/Viet Cong, entrando pelo portão arrebentado do palácio presidencial de Saigon, 30 de abril de 1975.

Quando a guerra começa? Quando a guerra termina? Talvez, no final, uma guerra não precise começar para não parar, talvez também os ocidentais devam refletir sobre esse pensamento de um tenente-coronel do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos, depois do que seus compatriotas consideraram uma vitória, uma vez que Saddam Hussein foi derrubado, "War starts when it ends": a guerra começa quando acaba!

Pierre ORTIZ
  Capitã-de-Fragata (h)
  Correspondente da ASAF na Bélgica

Bibliografia recomendada:

O Choque de Civilizações e a Recomposição da Ordem Mundial.
Samuel P. Huntington.

Leitura recomendada:





A Arte da Guerra em Duna, 17 de setembro de 2020.






Armas vietnamitas para a Argélia14 de dezembro de 2020.

quarta-feira, 30 de junho de 2021

COMENTÁRIO: A Lição Curda


Por Larry Goodson, War Room, 7 de novembro de 2019.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 30 de junho de 2021.

Abandonar um aliado ou proxy porque eles não atendem mais aos seus interesses pode ser uma boa estratégia, mas isso tem um custo.

O presidente dos EUA, Donald Trump, tem a intenção de retirar as tropas americanas da Síria pelo menos nos últimos 18 meses, com base em repetidos pronunciamentos públicos nesse sentido (por exemplo, em abril de 2018 e dezembro de 2018). Ele finalmente ordenou que as forças americanas se retirassem do nordeste da Síria em 6 de outubro de 2019, após uma conversa por telefone com o presidente turco Recep Tayyip Erdogan. Três dias após este último pronunciamento presidencial, que anunciou a retirada das forças americanas do nordeste da Síria, as tropas turcas e seus aliados da milícia síria cruzaram para a zona curda lá. O presidente Trump foi imediatamente condenado por “abandonar os curdos” de todos os cantos do globo e de todos os lados do sistema político americano. Esta não foi a primeira vez que os Estados Unidos abandonaram os curdos, e os curdos nunca esquecem.

No primeiro dia do ano acadêmico para a classe do US Army War College de 2013, eu separei uma parte dos pontos de ensino planejados e, em vez disso, substituí uma discussão do debate que girava sobre a política dos EUA em relação à Síria na esteira da rebelião que foi crescendo lá. Eu distribuí dois artigos de opinião representando os dois lados da discussão política que então grassava em Washington. Um deles foi “Os riscos da inação na Síria”, de três senadores - John McCain, Joseph I. Lieberman e Lindsey O. Graham - publicado no The Washington Post em 5 de agosto de 2012. 
A outra estava "Combinando realismo e idealismo na Síria e Oriente Médio", do ex-secretário de Estado Henry A. Kissinger, que apareceu no The Washington Post em 3 de agosto de 2012. A ideia era fornecer aos alunos uma amostra do debate sobre uma decisão importante de política externa, a qual seria lugar-comum nos futuros empregos para os quais seu ano no War College visa prepará-los.

Como costuma acontecer, o que aconteceu na sala do seminário não foi exatamente o que eu esperava, mas me deixou com uma lição para toda a vida. Um de meus bolsistas internacionais naquele ano foi um oficial (agora um general) Peshmerga (Forças Curdas Iraquianas). Quando a conversa chegou a ele, ele abanou o artigo de Kissinger e declarou vigorosamente que não iria ler nada do homem que vendeu os curdos em 1975.

Em 1972, Kissinger e o presidente Richard Nixon decidiram, em conjunto com o Irã e Israel, fornecer armas e munições soviéticas aos curdos iraquianos a fim de amarrar o governo iraquiano liderado por árabes com uma rebelião. No entanto, as aspirações curdas por um estado foram frustradas desde a Conferência de Paz de Paris de 1919, deixando os curdos divididos entre o sudeste da Turquia, noroeste do Irã, norte do Iraque e nordeste da Síria. Nenhum desses estados queria um Curdistão independente, então, quando o Acordo de Argel de 1975 resolveu a disputa de fronteira que estava no centro das tensões Irã-Iraque, Kissinger cortou a ajuda da CIA aos curdos, enquanto o Irã e a Turquia fecharam suas fronteiras aos refugiados curdos , que foram deixados para enfrentar os meninos valentões de Saddam Hussein. O jornalista Daniel Schorr relata o que aconteceu a seguir em “Telling It Like It Is: Kissinger and the Kurds” (Christian Science Monitor, 18 de outubro de 1996), dizendo, “[Mustafa] Barzani [o líder curdo] escreveu a Kissinger, 'Vossa Excelência, os Estados Unidos têm uma responsabilidade moral e política para com nosso povo’. Não houve resposta. Em 1975, Kissinger foi questionado perante o Comitê de Inteligência da Câmara como ele poderia justificar essa traição. Ele respondeu: ‘Ação encoberta não deve ser confundida com trabalho missionário’."

Curdos arremessam batatas e frutas podres em veículos americanos se retirando da Síria


A perspectiva ultra-realista de Kissinger (menos de dois anos depois de receber o Prêmio Nobel da Paz de 1973) é incrivelmente empolgante, mas não é a lição que aprendi na aula naquele dia. Em vez disso, é que o comportamento em relação a aliados e proxies (procuradores) é lembrado por muito tempo. Abandonar um aliado ou procurador porque eles não atendem mais aos seus interesses pode ser uma boa estratégia, mas tem um custo. O cálculo desse custo, sem dúvida, deve ocorrer antes de escolher o abandono, mas também deve ser calculado antes de iniciar o caminho em direção à aliança. Em minha experiência (e nos exemplos históricos de que tenho conhecimento), essas avaliações nunca acontecem.

Três custos imediatos óbvios para os Estados Unidos existem neste caso curdo atual, todos os quais já começaram a aparecer. Primeiro, com a retirada dos americanos, as forças curdas sírias tiveram que fazer um acordo com outra pessoa ou enfrentariam a morte. Eles fizeram o movimento mais lógico e permitiram que seu outro inimigo, o governo sírio, entrasse e retomasse a Região Autônoma do Norte e Leste da Síria (Rojava) para evitar que os turcos e seus aliados da milícia sunita árabe (também inimigos dos curdos) engajassem-se em uma limpeza étnica em massa. Assim, o regime sírio finalmente recuperou a vantagem no lado oriental do rio Eufrates, no norte da Síria, depois de mais de sete anos perdendo lá. Esta nova realidade adia indefinidamente os sonhos curdos de autonomia e simultaneamente ilustra a relevância contínua do antigo provérbio do Arthashastra de Kautilya - "o inimigo do meu inimigo é meu amigo." Além disso, como os principais apoiadores internacionais da Síria são a Rússia e o Irã, este acordo coloca dois dos maiores adversários dos Estados Unidos no banco do motorista na Síria, já que a geopolítica - como a natureza - abomina o vácuo. A Rússia e o Irã estão aparentemente alinhados com a Turquia, mas no complexo “Game of Thrones” que é a Guerra da Síria nenhuma aliança é fundada em interesses convergentes, mas apenas representa um casamento de conveniência. Ainda assim, a Turquia não perde com o ganho da Rússia na Síria, já que a Turquia quer principalmente impedir Rojava de florescer ou, pelo menos, ter uma zona tampão povoada por refugiados árabes sírios repatriados da Turquia para separar a área curda da Síria dos curdos da Turquia .

O cálculo desse custo, sem dúvida, deve ocorrer antes de escolher o abandono, mas também deve ser calculado antes de iniciar o caminho em direção à aliança.

Tropas peshmerga nas cercanias de Kirkuk, 2016.

Em segundo lugar, como já foi relatado do campo Ain Issa IDP e provavelmente ocorreu em outros campos de detenção do ISIS dentro ou perto da zona de 30 km que a Turquia está tentando ocupar, os combatentes do ISIS detidos e suas famílias podem ficar em liberdade, revigorando assim as aspirações militares e possivelmente até políticas de um inimigo em grande parte derrotado. Esta é outra consequência negativa de se retirar muito apressadamente de um conflito; na verdade, esta é uma crítica freqüentemente citada à decisão do presidente Barack Obama de retirar as forças americanas do Iraque em 2011, o que contribuiu para o surgimento do ISIS na Síria. Antes da decisão de retirar as forças americanas do nordeste da Síria, o ISIS havia perdido praticamente todo o seu território e visto a maioria de seus combatentes e suas famílias capturados, em grande parte pelas Forças Democráticas Curdas da Síria (SDF). A violenta ideologia islâmica sunita adotada pelo ISIS ainda estava oscilando, no entanto. Agora ele tem uma chance de pegar vida novamente, apesar da morte do líder do ISIS, Abu Bakr Al-Baghdadi, por um ataque das forças de operações especiais americanas em 26 de outubro de 2019.

Combatentes do Peshmerga e do YPG em Kobane, 13 de fevereiro de 2015.

Terceiro, os curdos não são os únicos aliados/procuradores que podem julgar o compromisso americano com base neste evento, especialmente devido à divulgação generalizada da decisão do presidente Trump de suspender a ajuda militar à Ucrânia a fim de pressionar o governo ucraniano a fornecer informações negativas sobre o ex-vice-presidente e possível oponente da eleição presidencial Joe Biden. Esses dois eventos, tomados em conjunto, dão a impressão de que os Estados Unidos não são um aliado muito firme. Dois anos atrás, depois de uma palestra que dei no Royal Jordanian National Defense College no subúrbio de Amã, um dos oficiais-alunos perguntou: “Se os Estados Unidos não estão mais dispostos a liderar, o que devemos nós [significando “pequenos estados árabes”] fazer? A resposta é: se a América quer liderar, ela deve agir como um líder. As grandes potências que lideram alianças têm de ser capazes de absorverem alguma “carona”, como os aliados da OTAN que não pagam todo o seu comprometimento militar; tolerar alguma relutância de aliados instáveis; dar prioridade aos interesses dos aliados, às vezes sobre seus próprios interesses domésticos; e sempre honrar seus próprios compromissos o tempo todo. Uma grande potência que começa a colocar seus próprios interesses à frente de suas responsabilidades está demonstrando que não mais se vê como uma grande potência. Tanto as ideias de "liderar por trás" do presidente Obama e as ideias "América em primeiro lugar" do presidente Trump sugerem uma América que não se sente mais confortável liderando. Além disso, os aliados da América podem considerar outras opções, seja o fascínio sedutor de uma crescente Iniciativa do Cinturão e Rota da China ou a intimidação mais vigorosa da abordagem de guerra híbrida da Rússia em sua vizinhança exterior próxima.

Quatro meses atrás, em uma viagem de pesquisa à Turquia, ficou claro para mim quais eram os planos turcos se o presidente Erdogan pudesse convencer o presidente Trump a abandonar os parceiros curdos da América no norte da Síria. A execução desses planos está agora se desenrolando. A América teve a oportunidade de mostrar sua liderança ao conter a Turquia e fracassou. Ironicamente, de acordo com um comunicado à imprensa do Comando Central dos EUA de outubro de 2014 que anunciou a criação da Operação Inherent Resolve (Determinação Inerente), que estabeleceu a coalizão liderada pelos americanos contra o ISIS, “o nome INHERENT RESOLVE pretende refletir a determinação inabalável e profundo compromisso dos EUA e nações parceiras na região e em todo o mundo para eliminar o grupo terrorista ISIL [agora chamado ISIS] e a ameaça que eles representam para o Iraque, a região e a comunidade internacional em geral.” Tanto a Turquia quanto as forças curdas sírias fazem parte da coalizão, que talvez precise de um novo nome, já que a determinação e o compromisso dos Estados Unidos parecem tão firmes hoje quanto eram na época de Kissinger.


Larry P. Goodson atua como Professor de Estudos do Oriente Médio no US Army War College, onde voltou recentemente após um ano na Universidade de Oxford trabalhando em seu novo livro, “First Great War of the 21st Century:  From Syria to the South China Sea” (Primeira Grande Guerra do Século XXI: Da Síria ao Mar da China Meridional).

Bibliografia recomendada:

Estado Islâmico: Desvendando o exército do terro.
Michael Weiss e Hassan Hassan.

Leitura recomendada:





sábado, 19 de junho de 2021

A China acabou de soar a sentença de morte para a indústria petrolífera da Venezuela?


Por Felicity Brastock, Oil Price.com, 23 de maio de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 19 de junho de 2021.

A China anunciou que vai impor impostos sobre o petróleo bruto pesado, uma medida que pode atingir a Venezuela duramente, já que ela continua a lutar com as sanções dos EUA e uma indústria de petróleo dilapidada. Reportagens da mídia sugerem que até 400.000 bpd (barrels per day, barris por dia) de petróleo venezuelano podem ficar órfãos, já que as novas leis tributárias chinesas tornam impossível para o país exportar seu petróleo para a Ásia. As novas regulamentações previstas para entrar em vigor em 12 de junho tornariam as margens de lucro do petróleo venezuelano muito baixas para garantir sua rota de exportação atual.

A Venezuela não exporta petróleo diretamente para a China desde 2019, em grande parte devido às sanções dos EUA que continuam a restringir a exportação de petróleo do país. No entanto, a China tem importado petróleo venezuelano por meio de refinarias da Malásia, onde é misturado com óleo combustível ou betume antes de seguir para a China. As novas regras da China podem adicionar cerca de US$ 30 por barril a esse "betume diluído", tornando-o economicamente inviável. Óleo de ciclo leve (Light cycle oilLCO) e aromáticos mistos também serão tributados sob o novo regime.


Os dados da alfândega chinesa sugerem que cerca de 380.000 bpd de betume diluído entraram no país via Malásia entre janeiro e março, grande parte do qual se originou na Venezuela.

Embora as empresas não americanas não sejam explicitamente impedidas pelas sanções de comprarem petróleo venezuelano, elas foram altamente desencorajadas. No entanto, devido à crescente demanda de petróleo da China, muitas dessas rotas alternativas de acesso foram amplamente negligenciadas pelos EUA.

O Ministério das Finanças chinês declarou sobre os antecedentes para a introdução do novo imposto: "Um pequeno número de empresas importou quantidades recordes desses combustíveis e os processou em combustíveis de baixa qualidade que foram canalizados para canais de distribuição ilícitos, ameaçando o jogo justo de mercado e também causando poluição".

Novos impostos devem abrir caminho para oportunidades para os refinadores domésticos da China aumentarem a oferta, bem como impulsionar os preços, uma vez que a demanda de combustível do país continua a aumentar. Isso ocorreu no momento em que as refinarias de petróleo chinesas atingiram níveis de produção mais elevados em abril, sinalizando uma recuperação sustentada no processamento de petróleo.

Embora a Venezuela esteja enfrentando grandes mudanças em suas perspectivas de exportação devido aos impostos chineses, parece que os EUA continuarão a renunciar às sanções para várias empresas internacionais sediadas na Venezuela, permitindo que várias empresas continuem existindo no país dentro de limites.


Espera-se que as isenções permitidas anteriormente continuem para as principais empresas de petróleo Chevron e empresas de serviços Schlumberger, Halliburton, Baker Hughes e Weatherford. Isso permitirá que as empresas preservem seus ativos, desde que não realizem atividades de manutenção ou paguem funcionários locais.

Espera-se que as isenções sejam renovadas por pelo menos seis meses em junho, após o que será possível para a Chevron retirar o petróleo venezuelano, conforme declarado em uma isenção antecipada. No entanto, por enquanto, a Venezuela não parece ser um foco chave da política externa para Biden, tornando isso possível, mas improvável.

Parece que a Venezuela está presa em um impasse, incapaz de progredir com os aliados dos EUA devido a pesadas sanções ao seu setor de petróleo e incapaz de exportar ao maior importador China devido a pesados impostos. Embora haja potencial para espaço de manobra no próximo ano, à medida que Biden cria uma estratégia de política externa mais clara, o futuro ainda é desconhecido para o potencial inexplorado do gigante do petróleo latino-americano.


Bibliografia recomendada:

Introdução à Logística: Fundamentos, práticas e integração,
Marco Aurélio Dias.

Leitura recomendada:





FOTO: Sniper com baioneta calada, 9 de dezembro de 2020.

sexta-feira, 18 de junho de 2021

Sucessor de Merkel pede 2% do PIB para gastos de defesa

Por Jakub Wozniak, Overt Defense, 18 de junho de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 18 de junho de 2021.


Em uma entrevista com o Welt am Sonntag, Armin Laschet, o CDU/CSU (aliança política democrática-cristã de centro-direita da Alemanha) o escolhido sucessor de Angela Merkel, pediu que a Alemanha cumprisse a diretriz de 2% do PIB estabelecida pela OTAN. As despesas militares da Alemanha como proporção do PIB aumentaram recentemente, mas estão muito aquém de 2%. De acordo com os relatórios oficiais da OTAN, em 2021 estão em 1,53% do PIB, ante apenas 1,36% em 2019. “Se concordamos em algo internacional, devemos cumpri-lo”, disse Laschet à imprensa. Ele continuou:

“O novo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, abriu uma janela de oportunidade para a revitalização das relações transatlânticas - precisamos usá-la para fortalecer as democracias em todo o mundo.”

O político também pediu um exército alemão mais ativo no exterior. Laschet afirmou que a Alemanha deve procurar expandir seu papel militar na África e no Mediterrâneo. Apontando para as forças alemãs operando no Mali ao lado da França, Laschet argumentou que a Alemanha deve suportar sua parte no fardo compartilhado entre os aliados.

Soldados alemães no Mali. (BMVg)

Os telefonemas de Laschet ocorrem durante uma época de novas revelações do despreparo militar alemão. O think tank alemão GIDS concluiu recentemente que a Alemanha não teria sido capaz de vencer o Azerbaijão se fosse colocada na posição da Armênia durante o recente conflito na região do Nagorno-Karabakh devido à falta de equipamento capaz de derrubar drones. Não é particularmente surpreendente, dada a avaliação americana do programa de aquisições da Alemanha como "falho", bem como a controvérsia parlamentar alemã sobre drones militarizados. O GIDS, no entanto, provavelmente coloca muita ênfase na capacidade dos drones, incluindo o TB-2, usado pelo Azerbaijão.

Soldado alemão demonstra um drone leve, por volta de 2015. (Bundeswehr)

Enquanto a Alemanha continua a dar mais prioridade à defesa, incluindo esforços para recrutar rabinos e “voluntários de segurança interna”, o Partido Verde alemão continua a se opor inflexivelmente a essa aparente militarização. O principal candidato a chanceler dos Verdes, principal partido da oposição nas pesquisas, descreveu a diretriz de gastos de 2% do PIB como absurda. No entanto, os Verdes recentemente perderam espaço nas pesquisas contra a CDU/CSU; a última pesquisa do INSA coloca o apoio à CSU/CDU em 27,5% contra 19,5% para os Verdes. Há apenas um mês, o INSA achou a corrida muito mais próxima: 25% contra 24%.

Bibliografia recomendada:

The Wehrmacht's Last Stand: The German Campaigns of 1944-1945,
Robert M. Citino.

Leitura recomendada:



sábado, 5 de junho de 2021

A estratégia da Polônia


Por George Friedman, Stratfor, 28 de agosto de 2012.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 5 de junho de 2021.

A estratégia nacional polonesa gira em torno de uma única questão existencial: como preservar sua identidade nacional e independência. Localizada na frequentemente invadida Planície do Norte da Europa, a existência da Polônia é altamente suscetível aos movimentos das principais potências da Eurásia. Portanto, a história polonesa tem sido errática, com a Polônia saindo da independência - até mesmo do domínio regional - para simplesmente desaparecer do mapa, sobrevivendo apenas na linguagem e na memória antes de emergir novamente.

A Polônia na Planície do Norte da Europa.

Para alguns países, a geopolítica é uma questão marginal. Ganhando ou perdendo, a vida continua. Mas para a Polônia, a geopolítica é uma questão existencial; perder gera uma catástrofe nacional. Portanto, a estratégia nacional da Polônia é inevitavelmente desenhada com um sentimento subjacente de medo e desespero. Nada na história polonesa indicaria que o desastre é impossível.

Para começar a pensar na estratégia da Polônia, devemos considerar que no século XVII, a Polônia, alinhada com a Lituânia, era uma das grandes potências europeias. Estendeu-se do Mar Báltico quase até o Mar Negro, do oeste da Ucrânia às regiões germânicas. Em 1795, deixou de existir como um país independente, dividido entre três potências emergentes: Prússia, Rússia e Áustria.

Extensão máxima da Comunidade polonesa-lituana do século XVII.

A Polônia só recuperou a independência depois da Primeira Guerra Mundial - foi criada pelo Tratado de Versalhes (1919) - após o que teve de lutar contra os soviéticos para sobreviver. A Polônia foi novamente colocada sob o poder de uma nação estrangeira quando a Alemanha invadiu em 1939. Sua condição de Estado foi formalizada em 1945, mas foi dominada pelos soviéticos até 1989.

Informada por sua história, a Polônia entende que deve manter sua independência e evitar a ocupação estrangeira - uma questão que transcende todas as outras psicológica e praticamente. Questões econômicas, institucionais e culturais são importantes, mas a análise de sua posição deve sempre retornar a esta questão raiz.

A Polônia particionada 1795.

A segurança evasiva da Polônia

Hussardos Alados poloneses.

A Polônia tem dois problemas estratégicos. O primeiro problema é sua geografia. As montanhas dos Cárpatos e as montanhas Tatra fornecem alguma segurança ao sul da Polônia. Mas as terras a leste, oeste e sudoeste são planícies com apenas rios que fornecem proteção limitada. Essa planície foi a linha natural de ataque de grandes potências, incluindo a França napoleônica e a Alemanha nazista.

Durante o século XVII, os alemães foram fragmentados no Sacro Império Romano, enquanto a Rússia ainda emergia como uma potência coerente. A planície do Norte da Europa foi uma oportunidade para a Polônia. A Polônia poderia se estabelecer na planície. Ela poderia se proteger contra um desafio de qualquer direção. Mas a Polônia se torna extremamente difícil de defender quando vários poderes convergem de diferentes direções. Se a Polônia está enfrentando três adversários, como fez no final do século XVIII com a Prússia, a Rússia e a Áustria, está em uma posição impossível.

Para a Polônia, a existência de uma Alemanha e uma Rússia poderosas representa um problema existencial, a solução ideal para o qual é se tornar-se um tampão que Berlim e Moscou respeitem. Uma solução secundária é uma aliança com um deles para proteção. A última solução é extremamente difícil porque a dependência da Rússia ou da Alemanha convida à possibilidade de absorção ou ocupação. A terceira solução da Polônia é encontrar uma potência externa para garantir seus interesses.

A polícia nacional (Landespolizei) de Gdańsk e tropas de fronteira alemãs recriando a demolição da barreira polonesa na fronteira com a Cidade Livre de Gdańsk, perto de Sopot, em 1º de setembro de 1939. Um soldado segura a águia polonesa.

Foi isso que a Polônia fez na década de 1930 com a Grã-Bretanha e a França. As deficiências dessa estratégia são óbvias. Em primeiro lugar, pode não ser do interesse do fiador vir em auxílio da Polônia. Em segundo lugar, pode não ser possível na hora do perigo para eles ajudarem a Polônia. O valor de uma garantia de terceiros está apenas em dissuadir o ataque e, falhando isso, na vontade e capacidade de honrar o compromisso.

Desde 1991, a Polônia tem procurado uma solução única que não estava disponível anteriormente: a adesão a organizações multilaterais como a União Europeia e a OTAN. Essas associações têm o objetivo de fornecer proteção fora do sistema bilateral. Mais importante, essas associações trazem a Alemanha e a Polônia para a mesma entidade política. Ostensivamente, eles garantem a segurança polonesa e removem a ameaça potencial da Alemanha.

Esta solução foi bastante eficaz enquanto a Rússia era fraca e focada internamente. Mas a história polonesa ensina que a dinâmica russa muda periodicamente e que a Polônia não pode presumir que a Rússia permanecerá fraca ou benigna para sempre. Como todas as nações, a Polônia deve basear sua estratégia no pior cenário possível.

Carro de combate Leopard 2 com as bandeiras da OTAN e da Polônia.

A solução também é problemática porque pressupõe que a OTAN e a União Europeia são instituições fiáveis. Caso a Rússia se torne agressiva, a capacidade da OTAN de colocar uma força para resistir à Rússia dependeria menos dos europeus do que dos americanos. O coração da Guerra Fria foi uma luta de influência em toda a Planície do Norte da Europa, e envolveu 40 anos de riscos e despesas. Se os americanos estão preparados para fazer isso de novo, não é algo com que a Polônia possa contar, pelo menos no contexto da OTAN.

Além disso, a União Europeia não é uma organização militar; é uma zona de livre comércio econômica. Como tal, tem algum valor real para a Polônia na área de desenvolvimento econômico. Isso não é trivial. Mas a extensão em que ele contém a Alemanha agora é questionável. A União Europeia está extremamente estressada e o seu futuro é incerto. Há cenários em que a Alemanha, não querendo arcar com os custos de manutenção da União Europeia, pode afrouxar seus laços com o bloco e se aproximar dos russos. O surgimento de uma Alemanha não intimamente ligada a uma entidade europeia multinacional, mas com crescentes laços econômicos com a Rússia, é o pior cenário da Polônia.

Marechal Jozef Pilsudski.

Obviamente, laços estreitos com a OTAN e a União Europeia são a primeira solução estratégica da Polônia, mas a viabilidade da OTAN como força militar é menos do que clara e o futuro da União Europeia está confuso. Este é o cerne do problema estratégico da Polônia. Quando era independente no século XX, a Polônia buscou alianças multilaterais para se proteger da Rússia e da Alemanha. Entre essas alianças estava o Intermarium, um conceito do Entre-Guerras promovido pelo general polonês Jozef Pilsudski que exigia um alinhamento entre os países da Europa Central, do Mar Báltico ao Mar Negro, que juntos poderiam resistir à Alemanha e à Rússia. O conceito da Intermarium nunca se consolidou e nenhuma dessas alianças multilaterais se mostrou suficiente para atender às preocupações polonesas.

Uma questão de tempo

Oficial polonês saúda a estátua do Marechal Príncipe Józef Poniatowski, que serviu à Napoleão em prol da independência do então Ducado da Polônia.

A Polônia tem três estratégias disponíveis. A primeira é fazer tudo o que estiver ao seu alcance para manter a OTAN e a União Europeia viáveis e a Alemanha contida nelas. A Polônia não tem poder para garantir isso. A segunda é criar uma relação com a Alemanha ou a Rússia que garanta seus interesses. Obviamente, a capacidade de manter esses relacionamentos é limitada. A terceira estratégia é encontrar uma potência externa preparada para garantir seus interesses.

Esse poder atualmente são os Estados Unidos. Mas os Estados Unidos, após as experiências no mundo islâmico, estão se movendo em direção a uma abordagem mais distante e de equilíbrio de poder para o mundo. Isso não significa que os Estados Unidos sejam indiferentes ao que acontece no norte da Europa. O crescimento do poder russo e o expansionismo potencial russo que perturbaria o equilíbrio de poder europeu obviamente não seriam do interesse de Washington. Mas, à medida que os Estados Unidos amadurecem como potência global, isso permitirá que o equilíbrio de poder regional se estabilize naturalmente, em vez de intervir caso a ameaça pareça administrável.

Na década de 1930, a estratégia da Polônia era encontrar um fiador como primeiro recurso. Ela presumiu corretamente que sua própria capacidade militar era insuficiente para se proteger dos alemães ou dos soviéticos, e certamente insuficiente para se proteger de ambos. Portanto, presumiu que sucumbiria a esses poderes sem um fiador. Nessas circunstâncias, por mais que aumentasse seu poderio militar, a Polônia não sobreviveria sozinha.

Soldados franceses em Lauterbach durante a Ofensiva do Sarre na Alemanha, 7-16 de setembro de 1939.

A análise polonesa da situação não estava incorreta, mas deixou escapar um componente essencial da intervenção: o tempo. Quer uma intervenção em nome da Polônia consistisse em um ataque no oeste ou uma intervenção direta na Polônia, o ato de montar tal intervenção levaria mais tempo do que o exército polonês foi capaz de garantir em 1939.

Isso aponta para dois aspectos de qualquer relacionamento polonês com os Estados Unidos. Por um lado, o colapso da Polônia com o ressurgimento da Rússia privaria os Estados Unidos de um baluarte crítico contra Moscou na planície do Norte da Europa. Por outro lado, a intervenção é inconcebível sem tempo. A capacidade das forças armadas polonesas de deterem ou atrasarem um ataque russo o suficiente para dar aos Estados Unidos - e quaisquer aliados europeus que possam ter os recursos e a intenção de se juntarem à coalizão - tempo para avaliar a situação, planejar uma resposta e então responder deve ser o elemento-chave da estratégia polonesa.

Oficiais alemão e soviético apertando mãos na cidade polonesa de Brest-Litovsk, 22 de setembro de 1939.

A Polônia pode não ser capaz de se defender para sempre. Necessita de fiadores cujos interesses coincidam com os seus. Mas, mesmo que tenha tais fiadores, a experiência histórica da Polônia é que deve, por si só, realizar uma operação de adiamento de pelo menos vários meses para ganhar tempo para a intervenção. Um ataque russo-alemão conjunto, é claro, simplesmente não pode ser sobrevivido, e esses ataques multifrontais não são excepcionais na história polonesa. Isso não pode ser resolvido. Um ataque de frente única pode ser, mas caberá à Polônia montá-lo.

É uma questão de economia e de vontade nacional. A situação econômica na Polônia melhorou dramaticamente nos últimos anos, mas construir uma força efetiva leva tempo e dinheiro. Os poloneses têm tempo, já que a ameaça russa neste momento é mais teórica do que real, e sua economia é suficientemente robusta para suportar uma capacidade significativa.

50.000 reservistas foram re-convocados para treinamento em março de 2020.

A questão principal é a vontade nacional. No século 18, a queda do poder polonês teve tanto a ver com a desunião interna entre a nobreza polonesa quanto com uma ameaça multifrontal. No período entre guerras, havia vontade de resistir, mas nem sempre incluía a vontade de arcar com os custos da defesa, preferindo acreditar que a situação não era tão terrível quanto estava se tornando. Hoje, a vontade de acreditar na União Europeia e na OTAN, em vez de reconhecer que as nações, em última análise, devem garantir sua própria segurança nacional, é uma questão para a Polônia resolver.

Alguns movimentos diplomáticos são possíveis. O envolvimento da Polônia na Ucrânia e na Bielo-Rússia é estrategicamente sólido - os dois países fornecem um tampão que protege a fronteira oriental da Polônia. A Polônia provavelmente não venceria um duelo com os russos nesses países, mas é uma manobra sensata no contexto de uma estratégia mais ampla.

Soldados poloneses em treinamento.

A Polônia pode adotar prontamente uma estratégia que pressupõe alinhamento permanente com a Alemanha e fraqueza e falta de agressividade permanentes da Rússia. Eles podem estar certos, mas é uma aposta. Como os poloneses sabem, a Alemanha e a Rússia podem mudar regimes e estratégias com velocidade surpreendente. Uma estratégia conservadora requer uma relação bilateral com os Estados Unidos, baseada no entendimento de que os Estados Unidos contam com o equilíbrio de poder e não com a intervenção direta de suas próprias forças, exceto como último recurso. Isso significa que a Polônia deve estar em posição de manter um equilíbrio de poder e resistir à agressão, ganhando tempo suficiente para que os Estados Unidos tomem decisões e se posicionem. Os Estados Unidos podem proteger a Planície do Norte da Europa bem a oeste da Polônia e se alinhar com potências mais fortes a oeste. Uma defesa a leste requer o poder polonês, o que custa muito dinheiro. Esse dinheiro é difícil de gastar quando a ameaça pode nunca se materializar.

Bibliografia recomendada:

Introdução à Estratégia.

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