segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

O fim da visão de longo prazo da China


Por Robet N. Hein, The Strategy Bridge, 21 de janeiro de 2016.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 4 de outubro de 2019.

Muitas vezes é creditado à China a visão de longo prazo para atingir seus objetivos estratégicos; no entanto, esse luxo pode estar chegando ao fim. Há uma história frequentemente citada sobre o ex-primeiro-ministro chinês Zhou Enlai, que, quando questionado sobre os efeitos da Revolução Francesa na China, demonstrou a longa visão chinesa ao responder: "É muito cedo para dizer". Os estrategistas dos EUA, por outro lado, costumam ter uma capacidade limitada de planejar além da administração atual. Eles observaram a China crescer lentamente em poder, tanto militarmente quanto economicamente, nas últimas décadas, com um objetivo discutível a longo prazo de substituir os EUA como a potência global dominante, concentrando o tempo todo seus esforços em guerras no Oriente Médio. A China permaneceu nas sombras da segurança global, raramente se aventurando a enfrentar mesmo desafios regionais, esperando que sua ascensão gradual, a longo prazo e hegemônica, se tornasse um fait accompli [fato consumado]. Essa esperança agora pode estar em risco.

Zhou Enlai e Henry Kissinger. Henry Kissinger é geralmente creditado por perguntar a Zhou Enlai sobre os efeitos da Revolução Francesa na China.
(Bettmann/Corbis)

Demografia


Um pôster chinês de 1986 defendendo a Política de Filho-Único.
(Projetado por Zhou Yuwei)

Uma população em expansão com escassos recursos agrícolas levou os líderes chineses a adotarem uma Política de Filho-Único em 1979. Embora essa política atenuasse o crescimento exponencial da população e impedisse uma catástrofe malthusiana, o efeito é um envelhecimento demográfico que pesará muitíssimo sobre o poder/controle chinês nas próximas décadas. Em resumo, uma multidão relativamente pequena com menos de 30 anos precisará apoiar uma multidão muito maior com mais de 70 anos. As ramificações já estão sendo sentidas. Em 2012, a força de trabalho da China diminuiu em 3,5 milhões e está prevista a continuação de seu declínio. Algumas estimativas indicam que em 2020, Xangai, uma cidade com quase 15 milhões de pessoas, terá uma população na qual um terço terá mais de 60 anos. Além disso, o Wall Street Journal estima que em meados do século a população da China será composta de 186 homens solteiros para cada 100 mulheres solteiras, uma receita para o aumento do crime e da dissensão (e também uma taxa de natalidade em declínio contínua). A capacidade da China de manter uma força de trabalho auto-sustentável está diminuindo rapidamente.

Uma economia em desaceleração

A China experimentou um crescimento meteórico na sua economia, alcançando anos de crescimento contínuo superiores a 10%. Esses dias acabaram. O crescimento trimestral mais recente da China ficou abaixo de 7%, com as projeções continuando em declínio na próxima década e além. Por que isso importa? Se a China quiser se tornar uma potência global, precisará de fundos para isso. Esse dinheiro deve ser usado para investimento externo, compras militares e desenvolvimento contínuo da infraestrutura. Manter o crescimento do poder militar e econômico da China se tornará mais difícil e em breve começará um declínio lento e potencialmente irrecuperável.

A armadilha da classe média

Chineses tirando uma foto em frente a uma loja da Gucci.

Um terceiro fator que contribui para a desaceleração da China é um fenômeno chamado armadilha da classe média, em que um país transita de uma economia pobre para uma classe média através de manufatura e têxteis básicos. A dificuldade está em desenvolver essas habilidades para levar a industrialização para o próximo nível, como fornecer educação e treinamento para as novas indústrias. A China não conseguiu desenvolver sua infraestrutura educacional para atender a seus requisitos. Os ricos são capazes de enviar seus filhos para o exterior, e a China envia mais de um quarto de milhão de seus estudantes para faculdades e universidades dos EUA. No entanto, sua incapacidade de atender à demanda educacional internamente limitará sua capacidade de atender às exigências domésticas profissionais, limitando assim sua capacidade de fazer a transição para uma economia avançada. Basicamente, a China é ótima em fazer “coisas”, mas quanto a China realmente desenvolveu? É claro que, à medida que a classe média aumenta e os salários melhoram, as indústrias em busca de mão-de-obra barata migram para outros lugares, como Indonésia, Malásia ou Vietnã, deixando a China em busca de funcionários e incapaz de desenvolvimento contínuo. Embora não seja inevitável, muitos países latino-americanos como o Brasil caíram nessa armadilha. Eles não podem competir com países com maiores capacidades em bens e serviços com uso intensivo de tecnologia. Porque, como a China, eles nunca desenvolveram as políticas e o ambiente institucional para dar o salto para o desenvolvimento econômico industrial ou de alta tecnologia - o que geralmente é chamado de política industrial.

Pluralismo crescente

A Revolução do Guarda-Chuva de Hong Kong na praça do Almirantado em 10 de dezembro de 2014.
(Pasu Au Yeung)

Os protestos estão em ascensão na China, especialmente os de pequena escala, com dezenas ou algumas centenas de pessoas presentes, ocorrem com freqüência. Em 1º de janeiro, por exemplo, houve manifestações em Pequim, Nanchang, Nanquim, Hangzhou, Wuhan, Changde e Dalian. Embora nem sempre sejam politicamente motivados, eles estão crescendo em número. E em 2015, milhares de manifestantes tomaram as ruas de Hong Kong com guarda-chuvas para reduzir os efeitos previstos do gás lacrimogêneo. Embora Hong Kong seja um caso um tanto especial, essas “manifestações-de-guarda-chuva” mostram uma desconexão entre o governo e as pessoas não vista desde os protestos de 1989 na Praça Tienanmen. O governo da China está mais preocupado com seus próprios cidadãos do que com ameaças externas. Isso é evidente por um orçamento de segurança interna de 769,1 bilhões de yuans, que excede o muito divulgado orçamento de defesa chinês de 740,6 bilhões de yuans. O Partido Comunista está descobrindo o preço de uma economia mais forte: uma classe média que exige direitos básicos. Em 2014, a liderança chinesa estava tão preocupada com sua situação doméstica que o Partido Comunista instruiu as autoridades do partido a cortarem: promoção da democracia constitucional; promoção de valores universais; promoção de direitos individuais; neoliberalismo; imprensa aberta; niilismo histórico (questionando a interpretação da história do partido); e questionar reformas. Este não é um sinal de uma administração saudável, mas de uma que se vê em perigo. O Partido Comunista está lutando para limitar as sementes da democracia.

Conclusão

Com uma população em envelhecimento, uma economia em desaceleração, e uma classe média crescente desejosa de liberdades individuais, a China não tem mais o luxo de buscar uma hegemonia global gradual. A percepção de que o crescimento contínuo e irrestrito está terminando ajuda a explicar o senso de urgência que a China está exibindo através do rápido crescimento militar e do alcance econômico global dos últimos anos. A China não encontra mais conforto em um horizonte infinito de eventos; ao contrário, estão chegando ao reconhecimento de que o declínio é iminente. O poder da China ainda está subindo, mas a inclinação dessa linha está se achatando rapidamente, e a China sabe que, se não atingir seus objetivos em breve, a oportunidade poderá ser perdida. Isso sugere que a China provavelmente se tornará mais agressiva na consecução de seus objetivos na próxima década. A melhor resposta que o Ocidente tem para impedir as ambições chinesas no curto prazo é garantir um nível de dissuasão forte o suficiente para demonstrar que os custos adicionais para a China simplesmente não valem a pena.

Sobre o autor:

Capitão* Robert N. Hein é um Oficial de Guerra de Superfície de carreira, e membro da Guilda dos Escritores Militares. Ele já comandou o USS Gettysburg (CG-64) e o USS Nitze (DDG-94). As visões e opiniões expressas são suas e não refletem as do Departamento da Marinha, do Departamento de Defesa ou do governo dos EUA.

*Capitão-de-Mar-e-Guerra na Marinha do Brasil, ou Coronel no Exército Brasileiro ou Força Aérea Brasileira.

Bibliografia recomendada:

Bully of Asia:
Why China's dream is the new threat to World Order,
Steven W. Mosher.

Poder Naval da China.
Mar da China Meridional: Palco de um futuro conflito naval?

Leitura recomendada:



Um comentário:

  1. A tal classe média não quer democracia, que se livrar do estado e em especial um estado cruel como o chinês. Imposto é roubo e o estado é uma organização criminosa.

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