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domingo, 13 de fevereiro de 2022

FOTO: Enfermeiras da FEB

Enfermeiras da FEB nos Estados Unidos, 19 de setembro de 1944.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 13 de fevereiro de 2022.

Enfermeiras do Exército Brasileiro, Unidade 2890-A (Primeiro Esquadrão de Caça Brasileiro com Destacamento Médico) no Píer 5 prestes a embarcar para serviço no exterior, 19 de setembro de 1944. Fotografia Oficial Corpo de Comunicações do Exército dos EUA, Porto de Embarque de Hampton Roads, Newport News Virginia.

Esse grupo de enfermeiras havia se formado no Rio de Janeiro e passado dois meses nos Estados Unidos antes de embarcar para o exterior. As enfermeiras serviram com o restante da Força Expedicionária Brasileira na campanha do Norte da Itália, que durou até maio de 1945.

ARTE MILITAR: Um Momento de Paz

Um Momento de Paz.
(Pintura de Saulo Pfeiffer)

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 13 de fevereiro de 2022.

A pintura Um Momento de Pazdo artista Saulo Pfeiffer, representa soldados da Força Expedicionária Brasileira em uma igreja destruída na Itália, observando a estátua dum anjo auxiliando uma pessoa durante um momento de calmaria na guerra. Os febianos apresentam os dois modelos de insígnia divisional, com a famosa cobra fumando no soldado em evidência, e o escudo verde com a inscrição "Brasil" no soldado à direita. O soldado no centro carrega nas costas uma submetralhadora M3 Grease Gun ("Engraxadeira").

Saulo Pfeiffer é um ponta-grossense admirador da militaria (e até mesmo amigo do 13º Batalhão de Infantaria Blindado) e possui um perfil artístico no website Artstation (Link), onde suas várias obras podem ser visualizadas.

Insígnias da FEB ao redor da insígnia do 5º Exército americano.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

LIVRO: Borboletas e Lobisomens


Por Euler de França Belém, Jornal Opção, 14 de julho de 2018.

Livro revela que 7 guerrilheiros do Araguaia negociaram com militares e sobreviveram. Edinho, Duda, Piauí, Rosinha, Josias e Tuca saíram vivos da Guerrilha do Araguaia. Goiano foi infiltrado no PC do B e guerrilheira teve caso com sargento do Exército.


O jornalista Hugo Studart, mestre e doutor em História pela UnB, reabre, com seu mais recente livro, a história da Guerrilha do Araguaia, sugerindo que nem mesmo o PC do B valorizou os camponeses que participaram da batalha, e exibe a cadeia de comando militar que devastou a organização comunista.

A Guerrilha do Araguaia passou por um processo de “reforma agrária” e não é mais propriedade privada exclusiva do Partido Comunista do Brasil. Durante anos, o PC do B se comportou como dono da história da batalha, enquanto os militares fingiam que nada tinham a ver com os fatos acontecidos no Sul do Pará e Norte de Goiás (Tocantins), entre 1972 e 1974. Aos poucos, pesquisadores acadêmicos e jornalistas não vinculados à organização de esquerda começaram a apresentar estudos rigorosos e objetivos — e não relatórios partidarizados — a respeito do confronto. Os melhores livros são de responsabilidade de jornalistas, como Eumano Silva, Taís Morais, Elio Gaspari, Luiz Maklouf de Carvalho, Leonencio Nossa e Hugo Studart, que, na prática, são historiadores. Studart defendeu dissertação de mestrado na Universidade de Brasília, que resultou no livro “A Lei da Selva — Estratégias, Imaginário e Discurso dos Militares Sobre a Guerrilha do Araguaia” (Geração Editorial, 383 páginas, de 2006). Agora, lança em livro sua tese de doutorado “Borboletas e Lobiso­mens — Vidas, Sonhos e Mortes dos Guerrilheiros do Araguaia” (Francisco Alves, 660 páginas).


No livro, que vai além da tese de doutorado, há o imbricamento do historiador rigoroso com a perspicácia do jornalista investigativo e a fluência do escritor que, sim, Studart é. Seus dois livros são cruciais àqueles que querem entender a Guerrilha do Araguaia de maneira mais ampla e matizada. Não há a preocupação de criar vilões e tampouco mocinhos, e sim a de apresentar um quadro nuançado do que aconteceu na região do Araguaia. O pesquisador contempla as visões dos contendores, guerrilheiros e militares, e apresenta sua interpretação — equilibrada e objetiva. De certa maneira, “reabre” a história da guerrilha. O capítulo 19, “Sonata para Carmen”, apresenta uma história que, por vezes, não agrada à esquerda — que tende a apresentar uma guerrilha que, de tão heroica, deixa a impressão de que saiu “vencedora” e defendia a democracia. O pesquisador descobriu, e relata os casos de maneira abrangente — sem julgamentos morais toscos ou ideologizados —, que ao menos sete guerrilheiros, dados como mortos, inclusive por suas famílias e militares, estão vivos. Fizeram acordos e ganharam novas identidades.

Pouco antes de entrar para o PC do B e para a guerrilha, o estudante de farmácia e bioquímica Hélio Luiz Navarro de Magalhães, da Univer­sidade Federal do Rio de Janeiro, compôs uma música e a tocou no piano para sua mãe, Carmen Navarro Rivas. Depois, desapareceu e sua mãe nunca mais o viu. Há alguns anos, um repórter do Jornal Opção publicou uma reportagem — entre as fontes estava um guerrilheiro do Araguaia, Micheas Gomes de Almeida, o Zezinho do Araguaia —, na qual se informava que Hélio Navarro, o Edinho, havia sido visto no Mato Grosso, onde teria chegado a trabalhar com garimpo. Dias após a publicação da matéria, uma mulher, S. L., ligou na redação e ameaçou: “A mãe do Hélio Navarro, a sra. Carmen Navarro, ficou chateada com o texto publicado e pode processar o jornal”. Curiosamente, a família não moveu ação judicial contra o jornal.

Hiato de poder

Luíza Augusta Garlipe, a Tuca; Hélio Luiz Navarro de Magalhães, o Edinho; Maria Célia Corrêa, a Rosinha; Luiz Renê Silveira, o Duda; Antônio de Pádua Costa, o Piauí, e Tobias Pereira Júnior, o Josias, foram capturados pelo Exército e poupados pelos oficiais do Exército.

No livro, Studart apresenta evidências, com fartura de informações, de que Hélio Navarro e pelo menos mais seis (mais quatro são mencionados) guerrilheiros sobreviveram depois de capturados — o que era raro, sobretudo no fim dos combates. Havia uma ordem do ministro do Exército do governo de Emílio Médici, Orlando Geisel — “Não sai ninguém da área” —, que, numa tradução realista, significa: “Matem todos”. O ministro, antes de conversar com o presidente da República, discutiu o assunto com Milton Tavares, chefe do Centro de Informações do Exército (CIE), e o tenente-coronel Carlos Sérgio Torres, do CIE. De fato, militares começaram a matar guerrilheiros capturados e que não representavam nenhum perigo para eles e para a sociedade. Entretanto, a partir de certo momento, na transição do governo de Médici para o governo do presidente Ernesto Geisel, um “ditobrando” que às vezes era “ditoduro”, houve uma mudança.

Hélio Navarro era filho de Hélio Gerson Menezes de Magalhães, capitão-de-mar-e-guerra da Marinha, e sobrinho do almirante Gualter Meneses de Magalhães, anticomunista visceral e chefe do estado-maior da Armada. Por isso, o Centro de Informações da Marinha (Cenimar) pedia informações ao Exército sobre o guerrilheiro, pois o queria vivo. O tenente-coronel Leo Frederico Cinelli, do CIE, havia sido amigo de Carmen Navarro na juventude e era a ponte entre o Exército e Marinha.

Cinelli “assumiu a missão de tentar” entregar Hélio Navarro aos pais. Em fevereiro de 1974, o militante do PC do B, depois de ferido de raspão, é preso. Ele estava com Luiz Renê Silveira, o Duda, e gritou: “Não quero morrer, chama meu pai, que é oficial da Marinha”. “Desde o início, Edinho e Duda mostraram-se dispostos a colaborar”, anota Studart. Antônio de Pádua Costa, o Piauí, resistiu, mas cedeu. Duda “guiou patrulhas militares na caça aos companheiros” e Piauí serviu de guia.

Correu entre os militares que o “filho do almirante” (na verdade, Gualter era tio do esquerdista) havia sido capturado e a informação foi levada à cúpula do Exército em Brasília. O guerrilheiro chegou a citar Cinelli, que, avisado pelo major Leônidas Soriano Caldas, o dr. Ribamar, contatou o Cenimar. “O almirante Fernando Rocha Paranhos, chefe do Cenimar, designou o comandante Lameira, à época capitão-de-corveta, para a missão de resgatar o filho do colega.” Como a esquerda tinha o hábito de justiçar “desertores” e “traidores” da causa, oficiais do Exército e da Marinha temiam pela vida de Hélio Navarro.

Uma Equipe Zebra com dois guerrilheiros capturados no Araguaia.
Os "zebras" eram militares e mateiros atuando descaracterizados em missões de contra-guerrilha.

Em fevereiro de 1974, militares prenderam a “esquelética” Maria Célia Corrêa, a Rosinha, que havia sido namorada dos guerrilheiros João Carlos Wis­nesky, o Paulo, e Divino Ferreira de Souza, o Nunes (goiano). Grávida de Nunes, submeteu-se a um aborto, sob pressão do comandante guerrilheiro Zé Carlos (André Grabois). Fa­min­ta, delirava. Oficiais concluíram que não oferecia qualquer “perigo” e decidiram deixá-la viva. O pesquisador repara que havia o precedente de Marcos José de Lima, o Ari Armeiro, que, preso em setembro de 1972, passou a servir aos militares, chegou a ser infiltrado na guerrilha e sobreviveu. Edinho pediu aos militares que poupassem a vida de Duda e Piauí. A enfermeira Luíza Augusta Garlipe, a Tuca, formada pela USP, foi presa com a famosa guerrilheira e geóloga Dina (Dinalva Conceição Oli­vei­ra Teixeira). Como não era “perigosa”, foi poupada. Tobias Pereira Júnior, o Josias, também escapou.

Studard afirma que, com o novo governo, o de Geisel, houve, num certo momento, um “hiato de poder”. O general Confúcio de Paula Avelino, novo chefe do CIE, “decidiu discutir a pertinência de uma operação para poupar a vida de alguns guerrilheiros”. O tenente-coronel Cinelli concordava com seu superior e o tenente-coronel Carlos Sérgio Torres era refratário à ideia.

Os mortos-vivos

Dinalva Conceição Oliveira, a Dina; Dinaelza Soares Santana Coqueiro, a Maria Diná; e Lúcia Maria de Souza, a Sônia, do PC do B, eram guerrilheiras de grande coragem. Elas combateram duramente as forças do Exército.


A ideia de trocar a identidade dos guerrilheiros “arrependidos” foi do tenente-coronel Flávio Demarco, o Tio Caco, coordenador-geral da Operação Marajoara. Os “arrependidos” seriam considerados, para os registros oficiais, como “mortos”. Eram os “mortos-vivos”.

A “operação mortos-vivos”, classificada como “secreta”, foi planejada e organizada em Brasília pelo major Ronaldo Lira, do CIE, sob coordenação do tenente-coronel Cyro Etchegoyen. Ele recebeu o apoio do comandante Lameira, do Cenimar. “No Araguaia, a execução ficou a cargo do major Leônidas Soriano Caldas.” O sargento José Reis, o Régis, era seu assistente direto. O capitão Sebastião Rodrigues de Moura, que passou à história como Major Curió, não foi avisado da operação. Porque defendia a execução dos prisioneiros.

Para disfarçar a operação, inclusive ludibriando militares de certa relevância hierárquica, o sargento Régis simulou que os guerrilheiros Edi­nho, Duda e Piauí haviam sido executados. Na verdade, foram transferidos para Brasília. O sargento Remo simulou a execução de Rosinha. Tobias Pereira Júnior foi retirado de automóvel do cenário da guerrilha.

Aos 24 anos, Hélio Navarro, o mais protegido, foi o primeiro a ser levado para Brasília. Seguiram-no Duda, de 22 anos, Piauí, de 30 anos, Rosinha, de 29 anos, Josias, de 24 anos, e Luiza Augusta Garlippe. Na capital, foram levados para a Polícia Federal — o general Antônio Bandeira era seu diretor — mas ficaram sob a responsabilidade do CIE.

Sob proteção do almirante Gualter, Hélio Navarro conseguiu emprego no hipermercado Carrefour, em São Paulo. Tobias Pereira “recomeçou a vida no Mato Grosso”. Sua família, sintomaticamente, não pediu indenização ao governo federal e não fala com historiadores e jornalistas.

Luiz Renê, Antônio de Pádua e Rosinha ganharam empregos em Brasília, arranjados pelo coronel Jarbas Passarinho, que era ministro da Educação. O objetivo era “lavar” a nova identidade, forjar currículos. Tanto que, depois, os três deixaram o Ministério da Educação. (Studart não conta, pois não é objeto de sua pesquisa, mas Passarinho conseguiu empregos para ex-esquerdistas goianos que se apresentaram como “arrependidos”. Dois moram em Brasília e um em Goiânia. Um deles se aposentou pela Universidade Federal de Goiás.)

Em 1980, Hélio Navarro foi visto por Elza Monerat, no Rio de Janeiro. Ele casou-se e tem dois filhos. “Com o falecimento de seu pai, em 1999, Hélio Luiz se apresentou à Receita Federal em 8 de agosto de 2001, com sua verdadeira identidade, a fim de regularizar o CPF e liberar inventário.” Em seguida, desapareceu. Não há registro de que tenha procurado a mãe e sua irmã, Aglaé. Certa vez, Carmen Navarro enviou uma carta, por intermédio de um militar, e o ex-guerrilheiro a leu e chorou muito. Mas não há registro de que tenha feito algum contato. Luiz Renê também não procurou sua família.

Paixão na guerrilha

O livro de Studart sugere que a Guerrilha do Araguaia, vista como movimento unicamente do PC do B — com a participação majoritária de pessoas que frequentaram universidades —, deve ser reavaliada. Trata-se de um movimento mais popular do que parece, que contou com ação de vários camponeses, que participaram direta, como guerrilheiros, e indiretamente, como base de apoio. Vários camponeses foram torturados e mortos. “34 camponeses restaram mortos ou desaparecidos durante os conflitos. Há outros 43 camponeses que deram apoio à guerrilha.” Setenta e sete camponeses participaram da luta ao lado dos militantes do PC do B — além de “outros 142 chefes de família apontados como simpatizantes”. O pesquisador “coloca-os” na história — uma história “ignorada” inclusive pelos comunistas —, apresentando seus nomes. Os militares que dirigiram o combate aos militantes da esquerda são mencionados por nomes completos, além dos codinomes. São arrolados, entre os outros, o coronel Gilberto Airton Zenkner, o tenente-coronel Carlos Sérgio Torres, o major Leônidas Soriano Caldas, o capitão Roberto Amorim Gonçalves, o major Lício Augusto Ribeiro Maciel (que aparece em vários livros), o major Roberto Sampaio Loureiro, o major Thauma­tur­go, o major Diprimio, o major Othon do Rêgo Monteiro Filho (Otto), o major Nilton de Albu­querque Cerqueira (o Faixa Branca), o major Celso Seixas Marques Ferreira (dr. Brito), o tenente-coronel Leo Frederico Cinelli, o tenente-coronel Wilson Brandi Romão (dr. Zico), o tenente-coronel Flávio Demarco, o tenente-coronel Hydino Sardenberg Filho e o major José Brant Teixeira. Desmitifica-se o Major Curió, que, apesar da fama (disseminada por jornais e pelo militar), não era um personagem central e cuja autonomia era menor do que se costuma pensar.

Adepto da foquismo — focos guerrilheiros instalados notadamente no campo —, o PC do B acreditava que, a partir das matas, do campo, se poderia cercar as cidades e derrotar a ditadura. Paradoxal­mente, os militares usaram a cidade, com sua fartura de homens, armas e aviões, para cercar o campo e destruir a guerrilha. O maoísmo do partido era mais produto de uma fé, fanática, do que de uma análise criteriosa e realista da correlação de forças. Só com muita boa vontade é possível admitir que a maioria dos estudantes que foram lutar no Araguaia era de fato guerrilheira. Eles eram jovens criados em cidades, é provável que muitos nunca tinham visitado uma fazenda e tiveram dificuldade de se adaptar à vida na mata — a maior parte jamais se adaptou e, no geral, vivia doente. Alguns, quando puderam, escaparam.

Há um segredo de polichinelo: em 1974, um dos líderes da guerrilha, Ângelo Arroyo, escapou do Araguaia — tendo Micheas Gomes de Almeida como guia —, ao lado de um terceiro homem. Zezinho do Araguaia não revela o nome; garante que não se lembra. Há a suspeita de que tenha sido João Amazonas. Mas o “guia” afirma que era um homem mais alto.

Ao contrário de outros livros, que são sisudos, o de Studart aventura-se, por vezes, por assuntos da vida privada. Dina, a borboleta (era difícil pegá-la, diziam os camponeses), era casada com Antônio Carlos Mon­teiro Teixeira, mas era apaixonada por Pedro Gil. Para a camarada Lúcia, que sugeria que não era possível amar na floresta, ela disse: “Você tem de entender que a mata é nossa casa, nossa vida. Precisamos ser felizes aqui”. Alguns guerrilheiros, como Francisco Chaves e Áurea Eliza Pereira Valadão, tinham interesse nas artes dos terecozeiros. Áurea chegou “a se consultar com um espião-terecozeiro”. Era um agente disfarçado. Certa feita, ao ser traído por uma viúva, de quem era amante, Osvaldão Orlando Costa expropriou seu castanhal. O camponês Raimundo Severino, o Raimundinho da Pedrinha, não deixou por menos: “Osvaldo trocou o chifre pelo castanhal”.

No livro “Autópsia do Medo — Vida e Morte do Delegado Sérgio Paranhos Fleury” (Globo, 650 páginas), de Percival de Souza, há a revelação de que uma irmã do jornalista Raimundo Rodrigues, ex-editor da Veja e do jornal Movimento, havia sido amante do delegado que torturou dezenas de militantes da esquerda. Studart revela outra história parecida. Criméia Alice de Almeida, guerrilheira do Araguaia, teve um relacionamento afetivo com o sargento Joaquim Artur Lopes de Souza, o Ivan — o militar que matou Dina.

Há a terrível história de Maria Lúcia Petit, que, ferida gravemente, teria sido enterrada viva. Rosalindo Cruz Souza, o Mundico, foi justiçado pelos guerrilheiros — teria sido assassinado por Dina. A tese mais aceita é que mantinha relacionamento com Áurea Valadão, que era casada com Arildo Valadão, e o adultério, talvez sobretudo o feminino, não era aceito. Studart apresenta outra informação: ele queria sair da guerrilha — e isto era considerado um crime pelo qual se pagava com a vida.

As mulheres guerrilheiras, como Dinalva Conceição Oliveira Teixeira, a Dina, Dinaelza Soares Santana Coqueiro, a Maria Diná, Helenira Rezende de Souza Nazareth, a Fátima Preta, e Lúcia Maria de Souza, a Sônia (feriu o major Lício Augusto Ribeiro e o major Curió e disse: “Guerrilheiro não tem nome, tem causa”), demonstraram uma coragem impressionante — que chegou a assustar oficiais e soldados.

Um cabo do Exército infiltrado no PC do B, durante a guerrilha, continuou como militante até morrer. Joaquim Arthur, o Ivan, infiltrou-se no Destacamento B, o de Osvaldão Orlando Costa. Em 1972, revela Studart, o general Antônio Bandeira infiltrou no Araguaia um antigo militante da VAR-Palmares. “Ele era de Goiânia” e tinha “entre 35 e quarenta anos”, era “mulato, magro, trabalhador”. Atuou no destacamento de Osvaldão.

O livro de Studart abre, para quem quiser, as portas para novas pesquisas. É um manancial de ganchos para aqueles que planejam escrever dissertações de mestrado, teses de doutorado ou mesmo reportagens. O que se comentou aqui não representa 10% da obra, que, ao ampliar horizontes, é fundamental para a compreensão da Guerrilha do Araguaia. A obra é incontornável para pesquisadores e leitores comuns.

sábado, 8 de janeiro de 2022

FOTO: Caveira emergindo da fumaça

Um caveira do BOPE engolfado em fumígena laranja, 2019.
(Guto Ambar)

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 8 de janeiro de 2022.

Foto de um Caveira, um operador do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE), durante um exercício. A foto, tirada por Guto Ambar, foi parte de uma coleção para um livro fotográfico sobre o famoso batalho especial carioca em comemoração aos seus 42 anos. O livro foi lançado em janeiro de 2020.

 O livro foi apresentado no Centro Cultural Banco do Brasil no Rio de Janeiro. O livro tem a capa preta com o símbolo do BOPE - a famosa CAVEIRA - e a capa dura tem as letras e logotipo em alto relevo, ambos em boa qualidade.



Parabéns ao BOPE por seus 42 anos de serviço.

Si vis pacem, para bellum!

sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

ARTE MILITAR: Batismo de Fogo do Treze

"Batismo de Fogo do Treze".
Pintura sobre o 13º RI de Ponta Grossa na Revolução de 1924, óleo sobre tela de Saulo Pfeiffer.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 24 de dezembro de 2021.

O quadro imortaliza o batismo de fogo da unidade em 12 de agosto de 1924, ocorrido ás 12:15h, na ponte ferroviária sobre o Rio Pardo, na cidade de Salto Grande/SP, durante a Revolução Paulista de 1924. Essa batalha aconteceu apenas um ano após a criação do 13° Regimento de Infantaria (13º RI).

Atualmente, o antigo regimento chama-se 13º Batalhão de Infantaria Blindado (13º BIB), com o título Batalhão Tristão de Alencar Araripe, em homenagem ao oficial que foi prolífico escritor militar da Biblioteca do Exército e que comandou o regimento em 1941. Tristão de Alencar Araripe foi Presidente, por seis mandatos, do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil e atingiu o posto de marechal em 1964.

Saulo Pfeiffer (esquerda) e sua obra.

O quadro foi apresentado à unidade pelo artista plástico Saulo Pfeiffer, ponta-grossense e amigo do batalhão, no dia 12 de agosto de 2019. O talentoso artista possui um perfil no website Artstation (Link), onde suas várias obras podem ser visualizadas.

Após essa primeira batalha, o regimento jamais foi derrotado em combate, nisto gerando o lema Nunca Vencidos, que dá nome ao monumento e à medalha do batalhão. Durante a cerimônia foi colocada uma coroa de flores em frente ao monumento histórico Nunca Vencidos, em homenagem aos mortos e feridos em todas as batalhas em que a unidade participou. Também foi entregue a recém-criada Medalha Nunca Vencidos, que representa todas as batalhas em que o 13º BIB participou.

A cerimônia também foi agraciada com a presença de dois pracinhas da Força Expedicionária Brasileira (FEB) que lutaram na Itália durante a Segunda Guerra Mundial: os senhores Major Odorico Dias de Góes e Tenente Jair Miranda.

Veteranos da FEB com a cobra fumando no braço.

terça-feira, 30 de novembro de 2021

FOTO: Princesa Diana visita oficial fuzileiro naval brasileiro

A Princesa Diana visitando o Capitão-de-Corveta (FN) Rui Xavier da Silva em um hospital nos Estados Unidos.

O oficial da Marinha do Brasil Rui Xavier da Silva foi ferido durante as operações de desminagem da MARMINCA, na fronteira Costa Rica/Nicarágua.

A Missão de Assistência para a Remoção de Minas na América Central (MARMINCA) foi completada em 18 de junho de 2010, tornando a América Central livre de minas terrestres.

Leitura relacionada:

FOTO: Desminagem da ONU no Camboja, 5 de outubro de 2021.

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

O presidente Jair Bolsonaro foi recebido no Qatar

O presidente Jair Bolsonaro sendo recebido por uma guarda de honra em Doha, no Qatar, em 17 de novembro de 2021.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 17 de novembro de 2021.

Hoje, 17 de novembro, o presidente Jair Bolsonaro se encontrou com o xeique Tamim Bin Hamad, o Emir do Qatar. Vindo de uma turnê primeiro em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, e depois passando pela cidade de Manama, no Bahrein, o presidente brasileiro foi recebido em Doha por uma guarda de honra da polícia qatari com uniformes brancos em Doha, a capital do emirado.

O encontro foi comentado pelo emir na sua conta oficial no Twitter com os dizeres:

"Hoje, discuti com Sua Excelência o Presidente Jair Bolsonaro aspectos do fortalecimento das relações de cooperação bilateral entre Qatar e Brasil para alcançar as aspirações de nossos dois povos amigos nos campos da defesa, economia, cultura e esportes, e também discutimos os mais importantes temas de interesse comum. Desejo a Sua Excelência e à delegação que o acompanha uma boa estadia em Doha."

De acordo com o governo brasileiro, a ideia da viagem ao Oriente Médio é fortalecer as relações do Brasil com países da região do Golfo Pérsico, grandes produtores de petróleo que possuem fundos soberanos de investimentos.

Roteiro da viagem.
(Fonte: Globo-Política)

No sábado (13), Bolsonaro chegou a Dubai e visitou a Expo 2020, uma exposição mundial realizada periodicamente há mais de um século; cada edição ocorrendo numa cidade diferente. Bolsonaro visitou o pavilhão do Brasil na feira e se encontrou com o emir de Dubai e primeiro-ministro dos Emirados Árabes, Mohammed bin Rashid Al Maktoum. Nesta terça (16), ele inaugurou a embaixada do Brasil no Bahrein.

Encontro do presidente Bolsonaro com o xeique Mohammed bin Rashid em Dubai, 14 de novembro.

domingo, 31 de outubro de 2021

FOTO: Carga de baioneta dos bombeiros

O Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro simulando uma carga de baioneta para a câmera, nos anos de 1910. O Corpo atuava também como força auxiliar do Exército.

Por Filipe do A. MonteiroWarfare Blog, 31 de outubro de 2021.

Os paramilitares usam capacetes alemães de couro Pickelhaube sem espigão e estão armados com fuzis Mauser. Uma metralhadora francesa Hotchkiss 1914 é visível no lado direito da imagem - ao lado de um corneteiro!

sábado, 30 de outubro de 2021

VÍDEO: Os Fracassos do Socialismo na América Latina

"Failures of Socialism in Latin America".

Apresentação "Os Fracassos do Socialismo na América Latina" com a professora Mary Anastasia O'Grady, The Wall Street Journal.

Vídeo:


Os livros que ela menciona são:
  • Redeemers: Ideas and Power in Latin America (Redentores: Idéias e Poder na América Latina), de Enrique Krauze;
  • The Virtues of Capitalism: A Moral Case for Free Markets (As Virtudes do Capitalismo: Um Caso Moral para Mercados Livres), de Scott Rae e Austin Hill;
  • La Revolución Capitalista en el Perú (A Revolução Capitalista no Peru), de Jaime de Althaus Guarderas.

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Soldado da Guarda Nacional de NY é aprovado no CIGS

O 3º Sargento Thomas Carpenter, da Guarda Nacional do Exército de Nova York, segundo da direita, e outros soldados formados no Curso Internacional de Operações na Selva, realizado pelo Centro de Treinamento em Guerra na Selva do Exército Brasileiro, brandem seus facões.

Por Eric Durr, Guarda Nacional de Nova York, 10 de dezembro de 2019.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 16 de setembro de 2021.

Soldado da Guarda Nacional de NY é aprovado em difícil curso de guerra na selva brasileira.

LATHAM, N.Y. - O 3º Sargento Thomas Carpenter, da Guarda Nacional do Exército de Nova York, sabia que iria afundar ou nadar quando apareceu no Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) do Exército Brasileiro em outubro de 2019.

Ele foi inscrito no Curso Internacional de Operações na Selva de seis semanas que o Exército Brasileiro oferece para soldados estrangeiros. Mas o NCO em treinamento, de 38 anos, do 2º Batalhão, 108º Regimento de Infantaria, sabia que precisava passar no teste inicial de natação ou voltaria para casa.

"Foi uma grande luta conseguir nadar", lembrou o graduado da Escola de Rangers do Exército dos EUA. "Foi um pesadelo."

Por uma semana depois de chegar no quartel-general da escola em Manaus, no Brasil, ele ficou na piscina trabalhando com instrutores até que pudesse nadar de uniforme completo, com sua arma e rebocando uma mochila.

Seis semanas depois, o aspirante, residente de N.Y., não apenas conquistou o cobiçado Brevê de Onça do guerreiro de selva emitido pela escola, como também foi o terceiro graduado com honra no curso internacional.

"Eu era burro demais para desistir", disse Carpenter.

Insígnia do 2º Batalhão, 108º Regimento de Infantaria, Guarda Nacional de Nova York.

Passar pela escola é grande coisa, de acordo com o tenente-coronel do Exército Rob Santamaria, um militar de ligação na Embaixada dos Estados Unidos no Brasil. "A maioria dos especialistas militares na selva considera a Escola de Guerra na Selva do Exército Brasileiro a principal escola de selva do mundo", disse Santamaria.

“A graduação do 3º Sargento Carpenter no Curso Internacional da da Escola de Guerra na Selva do Exército Brasileiro deu credibilidade instantânea à Guarda Nacional do Exército de Nova York e conquistou muito respeito junto ao Exército Brasileiro”, acrescentou.

O desempenho de Carpenter não surpreendeu ninguém que o conheça, disse o Sargento-Mor David Piwowarski, principal suboficial da Guarda Nacional do Exército de Nova York.

"O 3º Sargento Carpenter incorpora o espírito do homem-minuto [minuteman, miliciano colonial]", disse Piwowarski. "Num prazo muito curto, sem nenhum treinamento específico, ele respondeu com dureza a este percurso exigente apenas com o treinamento que já tinha sob o cinto e com muita coragem."

A Guarda Nacional de Nova York foi convidada a enviar soldados para a escola de guerra na selva do Brasil como parte da nova parceria de treinamento e intercâmbio entre a Guarda Nacional de Nova York e as forças armadas do Brasil, rubricada em março de 2019.

Ser capaz de nadar bem é uma parte vital do curso de guerra na selva porque os rios substituem as estradas na floresta tropical, explicou Carpenter.

“Onde eles operam na selva amazônica existem apenas duas estradas”, disse Carpenter. "Quase tudo é feito através do sistema fluvial. Eles usam as redes fluviais para transportar suprimentos e pessoas."

A onça é o símbolo do CIGS.

Ao chegar à escola, todos os participantes devem passar por testes de habilidades básicas, incluindo os requisitos de natação, para indicar que eles podem enfrentar o curso. Em seguida, eles se vão para a selva.

A primeira fase do curso de seis semanas concentra-se em viver e sobreviver na selva, disse Carpenter. Os soldados aprenderam o que podiam ou não comer. "Nós não comemos cobras, mas eu tive que pegar uma", disse ele.

Eles também aprenderam a evitar insetos mortais, animais e cobras. Lidar com a umidade constante foi outra habilidade que aprenderam, disse Carpenter. "A chuva não é como a chuva daqui", disse ele. "É como a chuva da monção. É uma batalha constante para manter a ferrugem longe e manter tudo em boas condições operacionais." Navegar na selva densa também é uma habilidade especial, disse Carpenter.

Dependendo da estação, os níveis de água nos riachos e rios podem ser drasticamente diferentes. Os brasileiros emitem mapas diferentes para diferentes épocas do ano refletindo essas mudanças, disse ele. E o dossel da selva torna difícil criar mapas com características de contorno precisas, disse ele.

Os soldados aprenderam a seguir a "linha seca" durante a navegação, explicou. Eles ficariam em terreno elevado e evitariam as ravinas, o que significava que demorariam mais para ir a qualquer lugar.

Essas habilidades de sobrevivência e navegação foram testadas em um exercício de quatro dias em que cada grupo de combate foi lançado na selva e recebeu uma distância, uma direção e tarefas para realizar ao longo do caminho. "Eles nos lançaram em um lugar onde sabiam que não havia frutas e vegetais para comer", disse ele. "Nós praticamente morremos de fome."

Brevê de Onça do guerreiro de selva.

As duas semanas seguintes foram passadas na água. Eles voaram de helicóptero - saltando de um helicóptero para a Amazônia - e aprenderam a fazer jangadas e a impermeabilizar equipamento. Por fim, Carpenter e sua equipe - que incluía soldados da China, Canadá, França e Paraguai - realizaram uma inserção de dois quilômetros no rio. “Ficamos na água por três horas naquela noite”, lembrou. "Estávamos molhados 24 horas por dia, 7 dias por semana", disse Carpenter. "Se não estivéssemos na água, chovia todos os dias. Se não estivesse chovendo, você estava suando através do uniforme."

A fase final do treinamento focou em táticas militares na floresta tropical. Esse treinamento foi semelhante ao da Escola de Rangers do Exército, disse Carpenter. Os homens planejaram e conduziram patrulhas e missões táticas. Eles desceram de rapel na selva de helicópteros pairando no ar. Esta fase foi culminada com uma patrulha de longo alcance.

A principal diferença entre a Escola de Rangers e o treinamento na selva brasileira é que a selva é várias vezes mais densa do que a floresta e os pântanos da Flórida onde os Rangers treinam, disse Carpenter. "Uma força inimiga pode estar no topo de uma patrulha antes deles perceberem", disse ele.

Cerimônia do facão de selva.

Ao final das seis semanas, Carpenter e os demais estudantes internacionais, inclusive um outro americano, foram presenteados com seu Brevê de Onça - o símbolo oficial de um guerreiro de selva brasileiro - e um facão.

"É um facão muito legal", disse Carpenter. "No final do curso, você tem uma cerimônia do facão."

“Alguém já qualificado te presenteia e então você o batiza agitando-o através da fumaça de uma fogueira”, acrescentou.

Desde que o Brasil fundou sua escola de guerra na selva em 1964, mais de 6.300 soldados conseguiram passar pelo curso, disse Santamaria. São 530 formandos do curso internacional do Exército brasileiro uma vez por ano.

A fogueira.

Carpenter é o 30º membro do Exército dos EUA a passar pelo curso, disse ele. Seu objetivo agora, disse Carpenter, é trazer as habilidades que aprendeu de volta para sua unidade e outras formações da Guarda Nacional do Exército de Nova York. "Não sou um bom sargento a menos que treine soldados e os torne melhores do que eu", disse ele.

O principal conselho que ele daria a outros soldados da guarda em direção ao curso de selva é se concentrarem na natação e, em seguida, nadar um pouco mais. "Todos que foram lá estavam preparados", disse Carpenter. "Eu era o único idiota que não fazia ideia das coisas."

O 3º Sargento Thomas Carpenter, da Guarda Nacional do Exército de Nova York, à direita, está ao lado de outros dois soldados homenageados pelo Curso Internacional de Operações na Selva realizado pelo CIGS, brandindo a estatueta do guerreiro da selva.

Bibliografia recomendada:

A History of Jungle Warfare:
From the earliest days to the battlefields of Vietnam.
Bryan Perrett.

Jungle Warriors:
Defenders of the Amazon.
Carlos Lorch.

Leitura recomendada:

Um soldado americano se forma na selva brasileira, 30 de setembro de 2018.

FOTO: Conferência de selva com o Exército Americano no Panamá, 23 de agosto de 2020.

Chineses buscam assistência brasileira com treinamento na selva9 de julho de 2020.

Alguns soldados estão agora autorizados a usar o novo brevê de selva do Exército Americano23 de maio de 2020.

Retorno à Selva: Um renascimento da guerra em terreno fechado17 de julho de 2019.

Bem vindo à selva11 de julho de 2020.

Membros do 3º Batalhão, Royal 22e Régiment se preparam para a guerra na selva30 de setembro de 2019.

Relatório Pós-Ação de participação na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército Brasileiro, 5 de janeiro de 2020.

quinta-feira, 10 de junho de 2021

ENTREVISTA: A formação do Exército Nacional, com Frank D. McCann


Por Rodrigo GalloRevista Leituras da História, 16 de julho de 2014.

Historiador norte-americano defende que o papel das Forças Armadas brasileiras foi fundamental para a queda da Monarquia e a ascensão da República.

Hoje, o Exército brasileiro é pequeno, mas muito profissionalizado e respeitado em todo o mundo. Porém, para chegar neste nível de desenvolvimento militar, foram gastos anos de trabalho e preparação, que tiveram início antes mesmo da Proclamação da República. Essa foi uma das conclusões do historiador norte-americano Frank McCann, autor do livro Soldados da Pátria: História do Exército Brasileiro 1889-1937 (Cia. das Letras), que detalha minuciosamente um período de quase 40 anos da história bélica do País.

Segundo McCann, professor da University of New Hampshire (Estados Unidos), as Forças Armadas brasileiras tiveram uma participação essencial durante a transição do período monárquico para o republicano, pois, afinal, nenhuma organização civil teria condições de exigir o fim da coroa no Brasil exceto o próprio Exército. O povo, por exemplo, não era suficientemente forte e organizado para causar uma grande mudança na estrutura social. Além disso, muitos presidentes e ministros da época foram encontrados na carreira militar e continuaram influenciando os rumos do País por muito tempo.

Contudo, essa transformação no sistema político nacional não ocorreu de forma rápida e tranqüila. Foi um processo longo e gradativo, durante o qual houve revoltas em algumas partes do Brasil.

Logo no início das reformas políticas brasileiras, houve atritos entre o Estado e o poder eclesiástico no que diz respeito aos registros civis. Mas as brigas não ocorreram apenas no campo civil. Houve conflitos até mesmo entre o Exército e a Marinha. Segundo McCann, eram disputas de interesses, cujo pano de fundo envolvia sempre a profissionalização técnica e militar das Forças Armadas.

As revoltas, contudo, não podem ser vistas apenas de forma negativa. A Guerra de Canudos, por exemplo, contribuiu muito para o desenvolvimento da estrutura militar brasileira. O historiador norte- americano explica que o conflito foi importante para determinar mudanças fundamentais na estrutura do Exército, pois serviu para mostrar ao governo a real necessidade de investir na qualificação e profissionalização dos oficiais.

"O combate em Canudos entre as tropas legaes e os fanaticos de Antonio Conselheiro. Morte gloriosa do bravo capitão Salomão defendendo uma peça de artilharia." Legenda original do desenho de Angelo Agostini na revista Don Quixote, nº 82, 1897.

Mesmo hoje, tanto tempo depois da queda da Monarquia no Brasil, o Exército ainda segue parte das tradições daquela época, como canções de guerra e até mesmo a estrutura física de escolas e quartéis utilizados: prova de que certas características militares estão inseridas com bastante intensidade dentro da organização a ponto de resistiram por tanto tempo.

McCann ainda faz questão de ressaltar à Leituras da História que há uma diferença básica e crucial entre o Exército pós-republicano e o atual: agora, o projeto idealizado originalmente pelos chamados ‘jovens turcos’, de desvincular a organização da política e estruturá-la de forma adequada, foi definitivamente colocada em funcionamento. Esses oficiais, aliás, introduziram no País novos conceitos de estratégia militar, que haviam sido aprendidos durante o período de treinamento no exterior. De volta ao Brasil, eles fundaram a importante revista A Defesa Nacional, em que publicavam traduções de artigos bélicos alemães* para difundir detalhes técnicos, de treinamento e relativos à indústria bélica.

*Nota do Warfare: Os artigos não eram especificamente alemães, eram de todas as procedências disponíveis. Inclusive, artigos com visões totalmente opostas eram publicadas livremente e nos mesmos fascículos.

A seguir, confira a entrevista concedida com exclusividade pelo historiador norte-americano à Leituras da História.


Leituras da História - Na transição da Monarquia para a República, qual foi o papel das Forças Armadas brasileiras? E, no mesmo período, quais eram as diferenças ideológicas entre Exército e Marinha?

Frank McCann - Uma resposta simples é que o papel das Forças Armadas foi fundamental na transição do período monárquico para o republicano. Na época, nenhum grupo civil tinha poder suficiente para abolir a coroa. É incerto até hoje se os golpistas estavam somente contra o ministério ou contra todo o sistema monárquico. Eu acho que, no princípio, o marechal Deodoro da Fonseca estava apenas procurando justiça para os oficiais punidos, mas durante as tensões do dia 15 de novembro ele mudou de objetivo e optou pela troca de todo o sistema. Até agora, acho que as explicações que temos não são satisfatórias. Porém, até alguém descobrir um documento dando justificativas mais claras, a história que temos é esta. É difícil analisar as diferenças entre o Exército e a Marinha. Ambos eram atrasados em termos de equipamento militar e treinamento. Acho que as duas instituições estavam frustradas porque não poderiam defender o Brasil no caso de ataque. Não sei se os marujos tinham os mesmos ideais sobre a Pátria, como entidade superior ao tipo de governo ou não, mas seria lógico pensar assim.

"Impossível governar com este Congresso. É mister que ele DESAPAREÇA PARA A FELICIDADE DO BRASIL."
Discurso do Marechal Deodoro durante a tentativa de fechar o Congresso Nacional.

"Proclamação da República", 1893, óleo sobre tela de Benedito Calixto (1853 - 1927). Acervo da Pinacoteca Municipal de São Paulo.

Nota da redação: A Proclamação da República ocorreu em 15 de novembro de 1889, liderada pelo marechal Deodoro da Fonseca, que assumiu provisoriamente o cargo de presidente. A primeira constituição brasileira, no entanto, só foi promulgada apenas em 1891.

LH - Quando e em que condições deu-se o desenvolvimento e a profissionalização do Exército brasileiro? E no que essa profissionalização acarretou para o desenvolvimento do País?

McCann - Essa é uma pergunta chave para o assunto. Vários capítulos do meu livro tratam desses problemas. Em parte, toda a crise com o Império estava ligada à profissionalização do Exército, mas isso foi diretamente ligado à grande falta de desenvolvimento nacional. Países pobres não tinham Exércitos fortes e altamente desenvolvidos. É bem possível que muitos militares não compreendiam o quanto o Brasil era pobre. O dinheiro do Império tinha valor forte nos mercados internacionais e as exportações eram altas. Então, eles poderiam ter pensado que o problema foi a atitude dos líderes civis que não gostavam de gastar a moeda em assuntos militares. Os oficiais sabiam muito claramente que o Exército deles era atrasado em relação aos da Europa. Eles sabiam que seria necessário aumentar o treinamento, mas de quem e com o quê?

A criação da revista A Defesa Nacional, pintura de Álvaro Martins.

LH - E o que faltava para conseguir realizar este treinamento?

McCann - Faltavam equipamentos modernos e faltavam recrutas com educação básica. Além disso, faltava apoio governamental. O desinteresse da elite pela educação produziu uma crise permanente em torno da missão do Exército de defender o País. A chamada crise militar do Império foi quase a mesma crise dos chamados ‘jovens turcos’, entre 1913 e 1918. Basicamente, pode-se não ter um grau alto de desenvolvimento profissional das Forças Armadas em uma sociedade desenvolvida. É preciso de educação, indústria, além de manter desenvolvimento científico. Para a profissionalização, era necessário desenvolvimento econômico e social.

Toda crise do Império estava ligada à profissionalização do Exército.

LH - Como ocorreu a transição do serviço militar opcional para o obrigatório no Brasil? No que isso implicou para o Exército?

McCann - Essa é uma parte importante da história militar do Brasil. Em 1874, o governo imperial criou a lei do serviço militar obrigatório, mas nunca foi possível colocá-la em prática. Ficou claro que, para ter um Exército moderno, era preciso ter soldados treinados e prontos para o combate, se fosse preciso. Gostaram dos modelos alemão e francês de ‘soldado-cidadão’, mas a idéia não combinava com a realidade brasileira daquela época. No século novo, com o quente desejo de modernizar o Brasil, a idéia ganhou mais forças. A Argentina implementou o serviço obrigatório e demonstrava condições de mobilizar-se rapidamente. Depois da crise do Acre, alguma coisa precisava ser feita. Em 1906, a primeiro turma de oficiais brasileiros foi mandada para servir com o Exército imperial alemão. Então, para ter um Exército moderno e funcional, era preciso de soldados de um tipo novo: não mais recrutados à força (o Exército era, na verdade, uma parte chave do sistema penal), mas de cidadãos vindo aos quartéis para cumprir um dever cívico.

Oficiais e soldados do Exército (esquerda) e dos Voluntários da Pátria (direita), 1865-68.

LH - Essa lei do serviço militar obrigatório entrou em vigor logo?

McCann - Em 1908, o Congresso aprovou a nova lei, mas a oposição cortou tão drasticamente o orçamento do Exército que o pequeno efetivo autorizado era preenchido por voluntários. Os oficiais que serviram com o Exército alemão estavam voltando com novas experiências (as três turmas tiveram um total de 32 oficiais que fundaram, em 1913, a importante revista militar A Defesa Nacional). Com as duas crises do Contestado e a Primeira Guerra Mundial (chamada na época simplesmente ‘A Grande Guerra’), os dirigentes políticos que pensavam que guerra era coisa do passado mudaram o ponto da vista. Houve muito debate público e, em 1916, a lei que havia sido criada em 1908 finalmente entrou em operação. Mas o que foi criado não era exatamente um serviço universal, mas um sorteio dos alistados. Alguns dos sorteados apresentaram objeções processuais, constitucionais e religiosas, e pediram dispensa. A coisa não produziu o Exército dos sonhos dos reformadores, mas foi uma etapa importante.

Para ter um exército moderno, era preciso ter soldados treinados e prontos para o combate.

LH - E houve mais mudanças depois do início da vigência da lei?

McCann - Desde então, o Exército precisou mudar quase tudo. Nas palavras do próprio ministro José de Caetano Faria, num discurso escrito por Estevão Leitão de Carvalho: ‘Precisamos concentrar todas as nossas energias nos trabalhos profissionais. Abandonemos de vez as ambições políticas e as ocupações colaterais e consagremos nossa atividade com decisão e patriotismo, a obra do Exército.’ Com isso, podemos entender que o Exército estava baseado num plano de 1915, reestruturado. Novos quartéis foram necessários, que começaram a surgir com Hermes da Fonseca na década de 1920. Para tratar com o novo tipo de soldado, não poderiam mais abusar deles. A disciplina mudou. Os quartéis mudaram e os uniformes também. O Exército, como tudo, passou a prestar mais atenção na educação, saúde, etc. Para o sistema funcionar, os oficiais teriam de tornar-se instrutores e educadores. Alguns oficiais receavam atrair as classes inferiores para um papel nacional ativo: o serviço militar obrigatório universal poderia enfraquecer o poder da oligarquia sobre as massas, e o alistamento não se aplicava aos trabalhadores rurais. No fim da década de 1910, a tarefa que os reformistas do Exército impuseram-se era nada menos que ‘a obra sublime de constituição de um povo digno deste maravilhoso Brasil’. Queriam ver uma mudança fundamental no comportamento social, particularmente das elites.

A Defesa Nacional, nº 322, 10 de março de 1941.

LH - Sabemos que houve uma ruptura entre o Estado civil e a sociedade clerical logo no início da República, por conta da briga pelos direitos de registros civis. Como o Exército comportou-se durante essa disputa?

McCann - Esse detalhe me escapou. Logicamente, dentro da liderança deveria ter existido um forte sentimento negativo contra a Igreja, porque imediatamente o corpo de capelães (mais ou menos 50) foi abolido. Eu tenho dúvidas sobre a ligação dessa ação e o positivismo. Mas note bem que a situação não durou muito tempo.

LH - Por que, em sua opinião, houve uma presença tão forte do Exército no cenário político brasileiro? A prova disso é que os primeiros presidentes eram militares, assim como os políticos de alto-escalão. Qual o motivo para essa atuação tão marcante do Exército no Estado brasileiro?

McCann - Na época, o Brasil tinha quatro tipos de homens cultos: padres, advogados, médicos e oficiais militares. Os militares pensaram que somente eles estavam apoiando totalmente a Pátria. Eles perderam a fé nos políticos convencionais. Deve-se lembrar que nos anos de 1890 não houve eleições com um eleitorado amplo. Também existia o problema de disciplina militar. Se o presidente fosse militar, ele poderia controlar melhor o que acontecia nas unidades. Logicamente, foi uma maneira ruim de cultivar a democracia. Mas esse não era o jogo da época.

Os militares pensavam que somente eles estavam apoiando totalmente a pátria.

Soldados do Exército brasileiro nos destroços do quartel do Batalhão Naval, dezembro de 1910.

LH - Em certos momentos, como no início da República (no governo de Hermes da Fonseca), houve atritos entre Exército e Marinha, por conta da revolta dos marinheiros. Por que esse conflito ocorreu e em que circunstâncias? O que justifica essa diferença ideológica entre Marinha e Exército no País?

McCann - Precisamos de mais estudos sobre a história da Marinha brasileira. Acho que a revolta da Armada em 1893 teve algum fator importante no conflito entre Exército e Marinha. Era mais uma questão de ciúme pessoal, mas em 1910 a causa teve mais relação com a disciplina severa e a frustração dos marujos. Acho que não houve questões ideológicas envolvidas nesse conflito além das atitudes dos homens, das elites brancas, talvez cheias de medo, controlando marujos pobres, mal-educados e negros. Imagine uma revolta no vapor de guerra mais moderna do mundo na época!

"Nós, marinheiros(...) NÃO PODENDO MAIS SUPORTAR A ESCRAVIDÃO NA MARINHA BRASILEIRA, a falta de proteção que a Pátria nos dá, e até então não nos chegou, rompemos o negro véu, que nos cobria aos olhos do patriótico e enganado povo."
Trecho inicial do ultimato dado pelos rebeldes da Revolta da Chibata ao Presidente Hermes da Fonseca.

LH - Durante a República Velha houve algumas insurgências na sociedade brasileira, como o tenentismo e a Guerra de Canudos. Quais eram as características das tropas que atuaram nestes conflitos? Fala-se que eram formadas por moradores locais, pois não havia um corpo fixo do Exército nestas regiões. Isso é correto? E o mais importante: por que esses conflitos ocorreram?

McCann - Canudos foi uma guerra completamente desnecessária. Os fatores para justificar isso são muitos, como a política estadual: Canudos era a segunda cidade da Bahia, em termos de população. Estava atraindo tanta gente que os senhores de terra sentiram-se ameaçados pela falta de trabalhadores. Os militares ficaram zangados após perderem as primeiras batalhas. O medo de uma possível restauração monárquica tomou conta da imprensa brasileira da época, que converteu Canudos num ninho monarquista. Havia muita bobagem de todos os lados. Outra vez, repito que o nível nacional de educação era muito baixo. Um pouco de paciência e muito conversa poderiam ter resolvido o caso sem conflitos armados. Mas vale lembrar que, na mesma época, nos Estados Unidos, índios e trabalhadores em greve foram mortos por causa da ignorância e do medo irracional. Claro que os guerreiros de Canudos eram simples sertanejos.

7º Batalhão de Infantaria nas trincheiras na Guerra de Canudos, 1897.

LH - As unidades vieram de um único local ou de vários Estados?

McCann - As unidades do Exército vinham de todo Brasil: da polícia militar de Manaus e Belém e de regimentos do Rio Grande do Sul. Mas a verdade é que a maioria das tropas foi formada por gente simples, algumas pessoas forçadas a entrar nas fileiras. O tenentismo é uma coisa completamente diferente, ligado mais ao desejo de profissionalização. O objetivo deles era convencer a geração acima deles de mudar a maneira de pensar, de ver o papel do Exército na sociedade. Mas vale lembrar que nessa parte da década de 1920, o Ministro de Guerra, Fernando Setembrino de Carvalho, fechou a Biblioteca do Exército porque ele preferia soldados com mentes vazias.

Nota da redação: A Guerra de Canudos é considerada um movimento sócio-religioso, que ocorreu entre 1893 e 1897, na região de Canudos, na Bahia. A insurreição foi liderada por Antônio Vicente Mendes Maciel, o Antônio Conselheiro. O movimento, na época, foi taxado como monarquista e, por isso, houve repressão militar na região. No total, quatro expedições foram enviadas ao território baiano para combater os insurgentes, que culminou na morte de Conselheiro. Os conflitos foram testemunhados pelo escritor Euclides da Cunha, que na ocasião era repórter do jornal O Estado de São Paulo e, posteriormente, escreveu a obra ‘Os Sertões’, no qual narra a guerra.

"Em verdade vos digo, quando as nações brigam com as nações, o Brasil com o Brasil, a Inglaterra com a Inglaterra, a Prússia com a Prússia, das ondas do mar D. SEBASTIÃO SAIRÁ COM TODO O SEU EXÉRCITO."
Antônio Conselheiro.

Uniformes dos oficiais e soldados de infantaria do Exército em Canudos, 1897.
(José Washt Rodrigues / Uniformes do Exército Brasileiro)

O Ministro da Guerra fechou a Biblioteca do Exército porque ele preferia soldados com mentes vazias.

LH - No capítulo 2 de Soldados da Pátria, o senhor cita que, após Canudos, o Exército ficou em ruínas. Por que isso ocorreu e como o Exército se reergueu?

McCann - O Exército mandou a Canudos cerca de 12 mil homens, quase a metade da força efetiva total. Houve registros de uns cinco mil mortos e feridos. Vários oficiais bem preparados morreram. Acho que, no fim, todo mundo entendeu que foi um desastre desnecessário. Ninguém fez pesquisas tratando dos efeitos psicológicos nos veteranos, mas sabemos que é bem provável que muitos dos sobreviventes sofreram por diversos anos depois. Na época, o Exército estava só no início da criação de um Estado-Maior baseado no sistema alemão. Por causa de Canudos, esse projeto levou muito mais tempo para ser implementado. Somente no governo de Hermes foi possível retomar ao caminho perdido. O momento chave foi quando Rio Branco convenceu Hermes a mandar para a Alemanha, em três grupos, os 36 oficiais mais tarde chamados os ‘jovens turcos’. Quase tudo que aconteceu depois foi ligado à experiência desses militares.

LH - O senhor comentou sobre os ‘jovens turcos’. Com que objetivo eles foram enviados à Alemanha?

McCann - Depois do desastre de Canudos, o Exército começou a tentar várias possibilidades de reforma. O Estado- Maior foi criado em 1899. A revolta da Escola Militar da Praia Vermelho, em 1904, causou seu fechamento e uma nova escola teve de ser aberta em Porto Alegre, a Escola de Guerra. Para preparar instrutores para os novos cursos projetados, o Ministério mandou seis oficiais de baixa patente servirem nos regimentos do Exército imperial alemão, por dois anos. Eles foram, mas não houve reforma porque faltou dinheiro. Em 1908, Rio Branco conseguiu um convite do governo alemão para os generais Hermes e Luís Mendes de Morais assistirem a manobras do Exército alemão. Hermes negociou com Berlim o envio de uma missão militar para supervisionar a reorganização do Exército. Então, a razão para a viagem dos oficiais brasileiros à Alemanha mudou um pouco. Agora, a idéia era ter um grupo de oficiais que poderiam assistir a missão. Em 1909, um segundo grupo de seis oficiais embarcou.


Neste intervalo, a Krupp (empresa bélica alemã) consolidou sua posição como fornecedora de artilharia, cedendo armas para os Fortes Copacabana e Leme. Em 1910, o terceiro grupo de 24 oficiais embarcou pra Alemanha. A missão alemã seria composta por um grupo de vinte a trinta oficiais sob comando do general Friedrich Colmar von der Goltz, conhecido escritor militar e reorganizador do Exército turco. A missão não deu certo principalmente porque os franceses, que já estavam treinando as forças estaduais de São Paulo desde 1906, montaram uma grande campanha de propaganda negativa. Os esforços dos militares franceses para influenciar a elite brasileira em favor de sua causa podem ser vistos nos relatórios do Estado-Maior francês. Era política francesa convencer a elite brasileira, como fora feito com o marechal Hermes, sobre a profunda convicção de que o Exército francês ainda era o Exército modelo.

LH - E essa idéia dos franceses foi aceita no Brasil?

McCann - Vários jornais brasileiros apoiariam os franceses. Os franceses e seus aliados brasileiros, como o senador mato-grossense Antonio Azeredo, impediram a missão alemã, mas não tiveram forças para impor uma missão francesa. Hermes prometera ao imperador alemão a assinatura de contratos com o Exército e a Marinha. Além dos franceses e paulistas, também os americanos e ingleses mostraram-se contrariados. A questão dividiu a oficialidade e o governo. Alguns altos oficiais opunham-se a qualquer missão estrangeira. Tamanha era a pressão sobre Hermes que lhe custava menos se opor à posição pró-alemã de seu ministro do exterior, Rio Branco, e recusar-se a honrar o compromisso assumido com Berlim do que mandar mais oficiais para juntarem-se aos que estavam completando seu treinamento na Alemanha. O governo teria pagado à Alemanha uma vultosa indenização para desfazer os acordos. A questão da missão militar estrangeira ficaria engavetada até o fim da Primeira Grande Guerra. Mas os oficiais com a experiência na Alemanha foram os que deram ao Exército um impulso reformista.

Era política francesa convencer a elite brasileira de que o Exército francês ainda era o modelo.

LH - Por que esses militares passaram a ser chamados de ‘jovens turcos’?

McCann - Foram chamados ‘jovens turcos’ porque, depois da revolução reformadora na Turquia, esta frase tornou-se comum no mundo inteiro e aplicada aos que queriam reformas.

Generalfeldmarschall Wilhelm Leopold Colmar Freiherr von der Goltz, 1917.

Nota da redação: após retornarem para o Brasil em 1913, os ‘jovens turcos’ fundaram a revista A Defesa Nacional, onde publicaram inúmeras traduções de textos militares alemães, difundindo detalhes técnicos, de treinamento e informações sobre a indústria bélica da Alemanha. Essas idéias de reforma tinham como base os pedidos de Benjamin Constant, que sofria influências claras do movimento positivista.

LH - Fala-se muito que havia castigos físicos como punição no Exército. Como essa cultura de punição começou?

McCann: A punição com castigos físicos fez parte de Exércitos de todo o mundo no século XIX. Aqui, não foi diferente, mas teve um agravante forte. Havia também o fator da escravidão e os efeitos que aquele sistema produzia na sociedade. Durante a República Velha, a maioria dos soldados eram negros e mestiços. Punição física era um método muito mais fácil do que educação.

"GETÚLIO [VARGAS] foi um sargento na fronteira do Mato Grosso, então ele SABIA DE PRIMEIRA MÃO SOBRE A VIDA DOS SOLDADOS."
Frank McCann.

LH - A hierarquia do Exército estava fragmentada na Revolução de 30. Por que o senhor acha que havia tanta diferença de pensamento entre o alto escalão e o restante dos militares?

McCann: Não foi todo o alto escalão, mas alguns, como Tasso Fragoso, foram campeões de reforma. Mas os outros foram acostumados com a vida militar; eles não viam razão de aprender novas táticas, usar novas armas, enfim tornar-se mais profissionais.

Uniformes dos regimentos de cavalaria e da Companhia de Carros de Assalto, 1922.
(Gustavo Barroso / Uniformes do Exército Brasileiro)

LH - Quais são as diferenças mais perceptíveis entre o Exército brasileiro no início da República e o do período de Getúlio Vargas?

McCann: É difícil ver os dois como o mesmo Exército. No primeiro caso, os governos não queriam ouvir problemas e sim deixá-los nos quartéis. No período Vargas, ele estava envolvido com tudo e tudo mundo. Ele prestava atenção às listas dos capitães que estavam prontos para serem promovidos ou não. Toda semana ele se reunia com o ministro da guerra, e correspondeu-se com muitos militares colhendo data, pontos de vista e sugestões. As reformas militares da década de 1930 tinham muita relação com a ação dele. Interessante que a experiência militar de Getúlio foi de um sargento na fronteira de Mato Grosso, então ele sabia em primeira mão sobre a vida dos soldados, mas sua vida ensinou-lhe como lidar com coronéis e generais.

LH - Nos quase 40 anos compreendidos em seu livro, é possível verificar elementos comuns ao Exército em todo este período?

Frank McCann: Sim, de uma forma geral, os Exércitos são entidades muito tradicionais. Ainda as unidades de hoje cantam canções da arma, do regimento, etc... Em muitas escolas e unidades pelo Brasil afora são usados edifícios construídos na época de Hermes. Para um soldado, isso dá a sensação de viver no passado. Até durante os chamados anos ‘militares’ eles sempre insistiram que eles foram trabalhando para um Brasil melhor. Eu não concordo com a maneira que eles fizeram isso, mas acho que eles foram sinceros na crença deles. Outra coisa; acho que os ‘jovens turcos’ ficariam felizes se eles pudessem ver os oficiais de hoje. O sonho que eles celebraram com a revista A Defesa Nacional é hoje uma realidade. O Exército de hoje ainda é pequeno, mas é muito profissional, solidamente fora da política e respeitado pelos outros exércitos do mundo.

Os “jovens turcos”, que lutaram pela profissionalização do exército, veriam seu sonho realizado na força de hoje.

Frank D. McCann, autor dos livros Soldados da Pátria e Aliança Brasil-Estados Unidos 1937-1945 e brasilianista militar famoso. Ele foi condecorado com o título de Comendador da Ordem do Rio Branco (1987) e com a Medalha do Pacificador (1995). McCann faleceu no dia 2 de abril de 2021. Ele foi chamado de "um grande americano e um grande amigo do Brasil".

Bibliografia recomendada:

Soldados da Pátria: História do Exército Brasileiro 1889-1937.

Leitura recomendada:





COMENTÁRIO: Pseudopotência, 1º de julho de 2020.