domingo, 12 de setembro de 2021

A Artilharia da FEB na rendição da 148ª Divisão de Infantaria alemã

Soldado Francisco de Paula carregando um obus 105mm com os dizeres
"A cobra está fumando...".
(Colorização de Marina Amaral)

Valmiki Erichsen

Capitão de Artilharia

Ex-comandante da 2ª Bateria do 3º Grupo

Estamos quase no fim da Campanha da Primavera. Os alemães, descontrolados e atacados por todos os lados, procuram fugir para o norte. A Infantaria Brasileira, sem dar tréguas, persegue o inimigo na sua carreira desenfreada.

O III Grupo de Artilharia, com suas três Baterias de Tiro acantonadas em um prédio escolar, acha-se em Bibbiano à espera das suas viaturas que foram requisitadas para o transporte dos nossos infantes. É nessa situação que no dia 27 de abril de 1945, à 1h, o Comandante da 2ª Bateria (Capitão Valmiki) foi acordado pelo Capitão Piza (ST), que fazia-se acompanhar do Major Molina da AD/I, para receber a seguinte ordem: "De ordem do Senhor General Comandante da AD [Artilharia Divisionária], o Comandante do Grupo designou a 2ª Bateria para se deslocar imediatamente a fim de apoiar um ataque que iria ser feito em Fornovo di Taro, por um Batalhão do 6º RI; os canhões seriam tracionados pelos tratores do IV Grupo, que para isso seriam requisitados, enquanto a Bateria se preparava para partir."

Às 3h, tudo pronto, partimos tendo o jipe do Major Molina como guia. Este deslocamento foi feito com muita cautela, tendo o guia que bater muitas vezes nas casas para saber o caminho, até chegarmos à estrada principal. Nesta, mesmo no escuro, era fácil a caminhada porque estava toda balizada. Ao chegarmos à Cidade de Parma, encontramos algumas ambulâncias que vinham conduzindo cadáveres alemães. Desta cidade em diante a marcha foi mais vagarosa porque era necessário tomar mais precauções, pois nada se sabia da situação. Às 5h chegamos às proximidades de Collecchio e paramos, pois o inimigo havia se retirado desta localidade há 18 horas. Imediatamente depois de tomar todas as providências de segurança, segui com o Major Molina e o Capitão Piza para receber as ordens do Coronel Nelson de Mello, Comandante do Destacamento, que era o Comandante do Batalhão que ia efetuar o ataque. Como a chegada do Batalhão estava prevista só para às 9h e vendo que não havia perigo iminente, fui buscar a Bateria para dentro da cidade, onde, aproveitando a oportunidade, servi a primeira refeição aos pracinhas.

Às 9h chegou o Major Gross a quem me apresentei como Oficial de Ligação e Comandante da Bateria que veio apoiar o ataque. Quero aqui salientar que foi um prazer apoiar pela primeira nesta guerra o Batalhão do meu antigo companheiro de trabalho na EEFE [Escola de Educação Física do Exército]. Ficou então assentado que o ataque só seria desencadeado depois das 12h e que eu tomaria posição antes do início do movimento para estar em condições de atirar a qualquer momento e, mais ainda, que a Companhia de Obuses do 6º RI, comandada pelo Capitão Ventura, iria à retaguarda e só entraria em posição quando fosse necessário. Desta forma procurei logo, na redondeza, um bom lugar para ocupar posição e verifiquei pela carta que podia, se necessário fosse, bater sem mudar de posição até o objetivo final que era Fornovo.

Como toda a cidade estava situada em uma região plana, escolhi uma posição ao lado da estrada por ser de fácil acesso e por ficar abrigada pelas árvores. Abrindo um parêntesis, direi que, ao percorrer esta localidade para a escolha de posição, entrei no castelo que ali existe e fui encontrar, deitado numa cama de campanha, junto à lareira, o cadáver de um tedesco [alemão] com a cabeça enrolada em gaze e com a fisionomia perfeita, parecendo ter falecido àquela madrugada, evidenciando-se que os tedescos, na sua fuga precipitada, não tiveram nem tempo de levar todos os feridos. Ocupada a posição, como não tínhamos dados topográficos, foi a Bateria apontada pela Bússola, ficando os Tenentes Observadores Avançados encarregados de regular o tiro assim que estivessem em condições. A Bateria não havia trazido muitos tiros porque os tratores não comportavam mais do que 35 granadas.

Antes de começar o desenvolvimento do Batalhão, reuni os dois Observadores Avançados, Tenente Sá Earp, que atuaria com a 2ª Cia, e o Tenente Valença, com a 3ª Cia. Estudamos a carta, que aliás quase nada nos indicava pois era na escala de 1/100.000, e tiramos os alcances para os pontos mais fáceis de serem identificados. Tivemos que assim proceder porque era a única carta que tínhamos, tendo portanto os Observadores que seguirem para suas missões verdadeiramente no escuro. A única coisa que fiz foi dar a seguinte ordem: "Agarrem um italiano da região para identificar os pontos." Cada Observador levava a sua equipe e só nos entendíamos pelo rádio.

Às 13h começou a se movimentar pela estrada o Batalhão. Tive a impressão de estar em uma boa poltrona de um dos nossos cinemas, pois foi uma avançada cinematográfica ao encontro do inimigo. Os nossos pracinhas, alegres e cantarolando, apinharam-se em cima dos tanques americanos [M4 Shermans do 760º Batalhão de Tanques] que estavam à disposição do Batalhão. Talvez nenhum dos nossos pracinhas estivessem pensando que a morte poderia surpreendê-los a 2km à frente. Logo atrás vinham os jipes dos Comandantes Avançados. Dos lados das estradas desenvolvia-se a outra Companhia em coluna por um e a Companhia de Obuses ia após os jipes. Assim, ao lado do Comandante do Batalhão, assisti ao desenvolvimento de todos os elementos do Batalhão.

Segui em seguida com o Major Gross para o seu Posto de Comando (PC) Recuado, situado a 1km à frente do ponto de partida, onde almoçamos rapidamente e seguimos logo após para o PC Avançado, a mais 1km. Este PC que era uma casa e serviu também como meu Observatório, pois dali vi o desenrolar dos acontecimentos. Quando os tanques chegaram um pouco além do PC Avançado, começaram a receber tiros dos tedescos, tendo que desbordar para a margem esquerda da estrada. Os Infantes da 2ª Cia começaram a dar combate e progredir em direção a Talignano. A 3ª Cia se deslocou mais para a esquerda, a fim de procurar envolver o inimigo. A Artilharia continuava silenciosa, pois ainda não havia para os Observadores campo de observação. A chuva que desabou repentinamente muito atrapalhou a progressão dos Observadores, porque, com o terreno escorregadio, o transporte do rádio é bastante difícil. Desta forma, só os tanques e a Companhia dos Morteiros auxiliavam os Infantes. Foram os mesmos progredindo até que se apossaram de Talignano e desta forma, pôde o Tenente Sá Earp pedir os primeiros tiros para regular a Bateria.

Eram já 5h e a chuva tinha passado. Ocupada esta localidade, o Tenente seguiu para Gayano juntamente com o Pelotão que para lá se dirigia, não sendo possível chegar tal a intensidade do fogo inimigo. O Tenente Sá Earp presenciou uma triste ocorrência quando o Tenente Monteiro, Comandante do Pelotão de Minas do 6º RI, que ia a seu lado, foi atingido por diversos estilhaços de uma granada que arrebentou em cima deles. Gravemente ferido, foi o Tenente Monteiro logo transportado para a retaguarda. Mais tarde, vim a saber que, ao voltar a si, mandou este recado para sua progenitora: "Diga à mamãe que nunca tive medo." Hoje, o Tenente Monteiro já é Capitão e acha-se completamente restabelecido.

Do meu Observatório, que era o forro da casa, apreciei os tedescos retirando-se de Segalara. Eles corriam para fora da casa, deitavam-se, e logo depois, levantando-se, atiravam com as bazucas [Panzerschreck] contra os nossos pracinhas. Os Generais Cordeiro e Zenóbio, que estiveram lá toda a tarde, observaram também estas cenas.

Certa ocasião, quando os dois Generais acima citados com mais alguns Oficiais se dirigiam para uma casa mais avançada, os tedescos deram uma rajada de metralhadora na direção do PC, que por pouco não os atingia. Em frente ao PC, atrás de uma casa, os nossos morteiros não paravam um instante de atirar.

O Tenente Valença, que estava com a 3ª Cia, continuava desbordando pela esquerda, até que conseguiu, cerca das 20h, chegar a Segalara. Já estava escurecendo e o Tenente Valença pediu tiro fumígeno a fim de poder chegar a Gayano, que era o local de onde partiam os tiros dos tedescos. O Tenente Valença, por ser achar debaixo do fogo inimigo, custou um pouco a regular e, como a insistência dos pedidos para que a Artilharia atirasse era tão contínua, eu, ao lado do Major Gross, sem nada estar vendo, comandei uma rajada para a linha de fogo a fim de mostrar aos tedescos que possuíamos artilharia e acalmar um pouco os nossos. Mais tarde vim a saber que estes tiros foram bastante eficientes, pois o número de soldados inimigos era tão grande que em qualquer lugar que os mesmos caíssem eram sempre eficazes.

Suportaram os nossos Infantes dois contra-ataques dos tedescos e o Tenente Valença, com sua calma peculiar, satisfez todos os pedidos de tiros solicitados. Assim, ajudamos muito a Infantaria a não recuar um palmo sequer.

Cessada um pouco a violência do combate, apareceram na estrada três Oficiais alemães que vinham em nome do General Picô [Otto Fretter-Pico] propor a rendição da já célebre 148ª.

Estava eu no PC Recuado depois de ter ido à Bateria para me alimentar quando estes Oficiais lá chegaram. Daí foram levados ao Coronel Nelson de Mello em Collecchio e começaram então os entendimentos para a rendição. A Bateria atirou até às 5h da manhã do dia 28, hora em que o Comandante do III Grupo deu ordem ao Tenente Rapozo, Comandante da Linha de Fogo, para suspender os tiros.

Tenente-General Otto Fretter-Pico (à esquerda, com binóculos) rendendo-se formalmente ao General Olímpio Falconière da Cunha em nome da divisão expedicionária, 29 de abril de 1945.

Colunas de prisioneiros alemães da 148ª e da 90ª.

Soldado brasileiro, com a cobra fumando no braço, balizando prisioneiros alemães.

Esta noite dormi no PC Avançado juntamente com o Comandante do Batalhão e, à meio-noite, quando conversávamos com o Tenente Americano, que comandava o Pelotão de Tanques, o Major comunicou que talvez não tivéssemos mais que lutar, ocasião em que o Tenente Americano exclamou: "Fine".

Para os artilheiros foi um prazer saber que um dos primeiros pedidos dos Oficiais tedescos era para que os tiros de artilharia cessassem. Na manhã do dia 28 chegaram ao local do PC Avançado o Comandante da Força Expedicionária Brasileira e o Generais Zenóbio Falconière, que vieram receber a rendição.

Às 17h começou o espetáculo que nunca sairá da memória dos que tiveram a felicidade de apreciá-lo:

ERA A RENDIÇÃO DA 148ª

O Coronel Otto von Kleiber em conversações com o Major Altair Franco Ferreira para a rendição da 148ª Divisão de Infantaria, 29 de abril de 1945.
(Colorizada)

- Capitão Valmiki ErichsenA Artilharia na Rendição da 148ª Divisão de Infantaria Alemã, Revista do Exército Brasileiro, Rio de Janeiro, 122 (3): pg. 56-59, julho-setembro de 1985.

A rendição de Fornovo

(Sala de Guerra)

Bibliografia recomendada:

FEB pelo seu Comandante.
Marechal J.B. Mascarenhas.

A FEB por um soldado.
Joaquim Xavier da Silveira.

Leitura recomendada:



A FEB e os jipes12 de março de 2020.



FOTO: Alemães capturados pela 10ª Divisão de Montanha13 de agosto de 2021.

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

FOTO: Guardando o Campo de Batalha

Nguyen Thi Hien, 19 anos, chefe do grupo de combate da milícia em Yen Vucno Vietnã do Norte, 1966.
(Colorizada)

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 8 de setembro de 2021.

Nguyen Thi Hien era chefe do grupo de combate da milícia em Yen Vuc, na província de Thanh Hoa, no Vietnã do Norte. Ela sobreviveu a mais de 800 ataques aéreos e foi enterrada viva quatro vezes em ataques de bombardeiros B-52 americanos.

Esta foto, chamada Di Truc Chien (Guardando o Campo de Batalha), foi uma das fotos mais famosas da Guerra do Vietnã, tirada pelo fotógrafo Mai Nam.

Foto original em preto e branco.

O fotógrafo Mai Nam, nascido como Nguyen Huu Thong, em 1931 na província de Bac Ninh, no Tonquim. Ele se juntou à revolução contra os franceses aos 14 anos de idade. Em 1949, trabalhou como membro do sindicato de jovens na Base Revolucionária do Viet Bac, onde escolheu pela primeira vez uma câmera. Em seguida, trabalhou como jornalista no jornal Tien Phong (Vanguarda). Durante a fase americana da guerra, Mai Nam trabalhou como jornalista de guerra para o jornal e capturou muitos confrontos ferozes no campo de batalha, incluindo na província central de Quang Tri. Suas fotos famosas, incluindo Di Truc Chien (Guardando o Campo de Batalha) e Du Kich (Guerrilhas) foram tiradas nessa época.

Durante a década de 1960, ele foi designado para tirar fotos do presidente Ho Chi Minh; criando uma coleção de quase 200 fotos do presidente.


Mai Nam recebeu o prêmio de Membro Honorário da Associação de Artista Fotográfico do Vietnã e Artista Especial da Associação de Artista Fotográfico do Vietnã. Sua coleção de três fotos com soldados vietnamitas durante a "Guerra Americana" (como é conhecida no Vietnã), a saber Canh Giac (Alerta Máximo), Chay Dau Cho Thoat (Sem Escapatória) e Di Truc Chien (Guardando o Campo de Batalha), recebeu o Prêmio Estadual de Literatura e Artes em 2007 .

O veterano fotógrafo e jornalista Mai Nam morreu aos 85 anos em janeiro de 2016.

Bibliografia recomendada:

Rolling Thunder in a Gentle Land.
The Vietnam War Revisited.
Andrew Wiest.

Leitura recomendada:


terça-feira, 7 de setembro de 2021

O sucesso de Belmondo em "Peur sur la ville" fez o GIGN ser conhecido do grande público

O ator Jean-Paul Belmondo içado de um helicóptero Alouette da Gendarmerie, no filme "Peur sur la ville", lançado em 1975.

Por Pierre-Marie Giraud, Lessor de la Gendarmerie Nationale, 7 de setembro de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 7 de setembro de 2021.

É um dos sucessos mais famosas de Jean-Paul Belmondo. Suspenso de um Alouette da Gendarmerie, o ator quebra a janela de sacada de um apartamento em uma torre para libertar reféns. Um espetacular sucesso, destaque do filme Peur sur la ville (Medo Sobre a Cidade, 1975), rodado com a ajuda do muito jovem GIGN. Christian Prouteau se lembra.

1974: O primeiro canal de televisão, que se tornará o TFI, dedica uma reportagem sem precedentes ao Grupo de Intervenção da Gendarmaria Nacional (Groupe d'intervention de la gendarmerie nationale, GIGN), criado alguns meses antes, em novembro de 1973, por Christian Prouteau. O diretor Henri Verneuil, que vai rodar Peur sur la ville com Belmondo no outono, viu esta reportagem e deseja a ajuda do GIGN para as cenas finais do filme. Christian Prouteau disse ao L'Essor que o tiroteio ocorreu acima da Tour Keller, a primeira torre construída na frente do rio Sena em Paris (30 andares e cem metros de altura). Suboficiais do grupo e seu comandante Christian Prouteau são filmados descendo de rapel no telhado do prédio com uma corda pendurada sob o Alouette da Gendarmerie pairando a 120 metros. “Uma descida em poucos segundos, manobra inventada pelo GIGN e desde então copiada por todas as unidades de intervenção”, sublinha Christian Prouteau.

Outra cena, a mais famosa, mostra Belmondo pendurado sob o Alouette. Com um movimento de pêndulo, ele atinge uma janela saliente para entrar no apartamento onde está ocorrendo uma tomada de reféns. Christian Prouteau pedirá então à produção que lhe pague pelas cordas utilizadas.

"Salut, Flic ou voyou…" (Oi, policial ou bandido...)

O Ás de Ases, o Magnífico (L’As des As, le Magnifiqueencontrará o Único (l’Unique): Tac Tac Boom Boom Vai balançar lá em cima!

O rapel de Jean-Paul Belmondo no filme Peur sur la ville, 1975.

O filme totalizará 4 milhões de bilheteria na França após seu lançamento em 1975. Ele também tornará o GIGN conhecido pelo público em geral. No ano seguinte, em fevereiro de 1976, o GIGN saiu na primeira página, desta vez por uma operação muito real, a da libertação dos reféns de Loyada, perto do Djibouti.

“Tive então a oportunidade de rever Jean-Paul Belmondo em várias ocasiões”, acrescenta Christian Prouteau. “Ele tinha uma admiração sem limites pelo GIGN”. "Encontrei-o há menos de dois anos, na Rotonde de Montparnasse, um dos seus refeitórios." Christian Prouteau foi então saudado pelo ator que disse à cantonada: "Eu filmei com ele e o GIGN, esses aqui são homens".


O Grupo também prestou homenagem em suas redes sociais ao ator, falecido na segunda-feira, 6 de setembro de 2021.


Bibliografia recomendada:

GIGN:
Nous étions les premiers.
Christian Prouteau e Jean-Luc Riva.

Leitura recomendada:



FOTO: Armadilha Punji na Indochina

Um soldado francês mostra o as estacas Punji, armadilha vietnamita feita de bambu partido, sobre as quais um de seus colegas soldados foi vítima durante uma patrulha em dezembro de 1953.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 7 de setembro de 2021.

Durante a Guerra da Indochina, o Viet-Minh lançou mão desde armadilhas arcaicas - como as estacas punji - até armadilhas mais sofisticadas, envolvendo explosivos. Os Viet-Minh até mesmo improvisaram armas de fogo em oficinas subterrâneas. Era comum que as estacas punji fossem revestidas com fezes humanas para infeccionarem os pés da vítima, que teria de ser evacuada por meio de marchas longas e árduas pela selva até atingir qualquer tipo de transporte (caminhão, navio ou avião) que o levasse para um hospital.

O General Giap descreveu o Exército Francês como um poderoso tigre que seria sangrado lentamente por incontáveis mosquitos sugando seu sangue, até que o grande tigre caísse de exaustão.

Pistola improvisada e capacete Viet-Minh no Museu da Legião Estrangeira em Aubagne, França.
(Foto do Autor)

Estacas punji preservadas no Museu da Legião Estrangeira em Aubagne, França.
(Foto do Autor)

Bibliografia recomendada:

Street Without Joy:
The French Debacle in Indochina.
Bernard B. Fall.

Leitura recomendada:

FOTO: Hotchkiss M1926 com reparo anti-aéreo

Soldados gregos praticando fogo anti-aéreo com um fuzil-metralhador Hotchkiss M1926.

Os soldados usam capacetes de cortiça Adrian franceses e a metralhadora Hotchkiss está no reparo anti-aéreo, o que dá grande ângulo ao tiro.

Bibliografia recomendada:

Hotchkiss Machine Guns:
From Verdun to Iwo Jima.
John Walter.

Leitura recomendada:

A submetralhadora MAS-38, 5 de julho de 2020.

O Chauchat na Iugoslávia26 de outubro de 2020.



A Liderança Nociva

Coronel George E. Reed, Exército dos EUA.

Military Review, março-abril de 2005.

Em 2003, o Secretário de Exército, Thomas E. White, determinou à Escola de Guerra do Exército dos EUA (US Army War College, AWCque fizesse um estudo sobre "como o Exército poderia eficazmente analisar os comandantes para detectar aqueles que poderiam ter um 'estilo de liderança destrutiva'".[1] O primeiro e mais importante passo na detecção e tratamento de liderança nociva é reconhecer os sintomas.

Os termos líder nocivo, gerente nocivo, cultura nociva e organização nociva aparecem, cada vez mais, nos livros de negócios, liderança e administração. O analista Gillian Flynn oferece uma definição bem descritiva de um gerente nocivo:

"É aquele tipo que intimida, ameaça e grita. Aquele cujo estado de espírito determina, no dia-a-dia, o clima no ambiente de trabalho. Aquele que força os empregados a cochicharem em solidariedade nos seus cubículos de trabalho ou nos corredores. Aquele chefe dos infernos que menospreza e calunia. Chame-o como quiser - de péssimas maneiras interpessoais, de maneiras desagradáveis no trabalho - mas algumas pessoas, simplesmente devido à sua intolerável personalidade, tornam o convívio diário um inferno." [2]

Na revista eletrônica de Kathy Simmon, Executive Update Online, Rob Rosner descreve seu conceito de atmosfera nociva: "É tudo uma questão de objetivo final, sem importar os meios para atingi-lo. É quando os chefes somente sabem exigir sem dar nada em troca. E, finalmente, é a dor retratada na face de todos os que trabalham naquele lugar."[3] A escritora Márcia Whicker descreve o comandante nocivo como sendo "desajustado, descontente, com freqüência de má índole e até mesmo malicioso. O seu sucesso é baseado na derrota dos seus subordinados. Comprazem-se protegendo seus territórios, lutando e controlando em vez de auxiliar os seus subordinados."[4]

Em 2003, vinte alunos da Escola de Guerra do Exército fizeram um trabalho sobre este tema - o papel do comandante no ambiente em que comanda. Os alunos produziram uma bem ponderada descrição do comandante nocivo:

"Os comandantes nocivos concentram-se apenas nas missões visíveis e a curto prazo. Fazem excelentes e bem articuladas apresentações para os comandantes superiores e respondem entusiasticamente às tarefas. Contudo, não se preocupam ou se esquecem dos seus subordinados, do moral da tropa ou do clima no ambiente de trabalho. São considerados pela maioria dos seus subordinados como arrogantes, egoístas, inflexíveis e mesquinhos." [5]

Um comandante decisivo, exigente, que fala em voz muito alta não é necessariamente nocivo. Um comandante com fala mansa e fisionomia sincera também pode ser nocivo. Afinal de contas, não é apenas um comportamento específico que o caracteriza, ou não, como um comandante nocivo; será, com o passar do tempo, que o efeito cumulativo do seu comportamento desestimulador no moral da unidade e no ambiente profissional o qualificará. Em uma visão distorcida, os comandantes nocivos podem ser elementos altamente competentes e eficazes, porém contribuem para um péssimo ambiente de trabalho com conseqüências muito além do seu período de permanência no cargo. Os três elementos-chave da síndrome do líder nocivo são:

  • uma evidente despreocupação pelo bem-estar dos subordinados;
  • uma personalidade ou técnica interpessoal que afeta negativamente o ambiente organizacional;
  • os subordinados estarem convictos de que a principal motivação do comandante é o auto-interesse.

Capitão Herbet M. Sobel.
Interpretado por David Schwimmer na mini-série Band of Brothers.

Stephen E. Ambrose, no seu best-seller, Band of Brothers, oferece um exemplo de um comandante nocivo - o detestado comandante da Easy Company [Capitão Herbert Maxwell Sobel], 506º Regimento de Infantaria Pára-Quedista.[6] Ambrose diz: "Qualquer um que já esteve no Exército conhece esse tipo. Era o clássico criador de caso. Conseguia gerar o máximo de ansiedade por um problema de mínima significância". Não tinha bom senso, e seu estilo criava um ressentimento geral. Ele "não via a agitação e o desprezo que proliferavam na tropa. Pode-se liderar pelo medo ou pelo exemplo. Nós éramos liderados pelo medo".[7] Nenhum dos oficiais dos escalões superiores tomou uma decisão e, como sempre, ninguém reclamou oficialmente, mas os soldados já estavam considerando resolver o problema por eles mesmos e já haviam falado em "matá-lo" quando a companhia entrasse em combate.[8] A situação não chegou a esse ponto, porque o comandante deixou a unidade Easy Company antes dela se engajar nas operações.

Infelizmente, líderes nocivos ainda nas Forças Armadas. Praticamente todos os alunos da Escola Superior de Guerra do Exército que participaram do projeto poderiam dizer alguma coisa sobre o que significa servir sob o comando desse tipo de líder. Esses relatos são, com freqüência, acompanhados de um sentimento de incredulidade, quando comandantes nocivos são promovidos a posições com responsabilidade ainda maior. O comentário de um oficial foi: "Temos o imperativo moral de fazer algo para identificar esses oficiais e impedi-los de avançarem na carreira. Quanto mais alto chegam profissionalmente, mais danos causam."[9] Um participante desse mesmo estudo explicou a reação de outros companheiros quando o nome de um líder nocivo apareceu na muito esperada lista de promoção: "Todos sabemos os 'comentários' feitos quando da publicação da lista. 'Deus! Como puderam fazer isso com o meu Exército? O que está acontecendo com essa gente? O que estão pensando?'"[10]

Para os subordinados, os líderes nocivos representam um desafio diário, provocando um estresse desnecessário, valores negativos e um sentimento de desesperação. Comandantes nocivos são uma maldição para a saúde das unidades. Podem ser muito responsáveis com o cumprimento das missões recebidas do comando superior e atentos com seus colegas e, especialmente, com seus superiores, mas suas deficiências são evidentes no trato com os subordinados. Comandantes nocivos alcançam a sua posição na carreira, pisando nas cabeças daqueles que trabalham para eles. Desgastam suas unidades e deixam um óbvio rastro de destruição para os seus sucessores. Soldados que servem sob o comando de líderes nocivos podem ficar desiludidos com o Exército ou, pior ainda, podem resolver imitar o comportamento do comandante nocivo bem-sucedido.

Os líderes nocivos não acrescentam valor para as organizações que comandam, até mesmo quando a unidade é bem-sucedida. Não produzem um alto nível de confiança que leva à coesão da unidade e ao espírito de corpo.

Por que, nos perguntamos, uma organização cujo trabalho é obviamente norteado para as pessoas e que dá tanta ênfase à liderança, tolera essas essas pessoas? O Manual de Campanha dos EUA, o FM 3-0: Operations (Operações), apresenta um exemplo da ênfase doutrinária do Exército sobre a liderança:

"O papel do líder é fundamental para todas as operações do Exército e a confiança é o atributo principal na dimensão humana da liderança em combate. Os soldados devem confiar e se sentir seguros com seus comandantes. Uma vez perdida a confiança, um líder passa a ser ineficaz." [11]

Talvez exista alguma coisa a respeito da cultura militar combinada com várias políticas de pessoal que contribuem para agüentar em silêncio esse tipo de comandantes. Acima de tudo, os soldados querem ter orgulho de suas unidades, e o sentimento de lealdade existente no Exército dificulte a exposição de problemas. Os subordinados talvez não denunciem um líder nocivo, porque ninguém gosta de pessoas que se queixam. Espera-se dos profissionais o melhor comportamento possível, apesar do estilo de liderança do chefe. O Exército desenvolve uma atitude de respeito pelo grau hierárquico, mesmo que a pessoa que o ocupe não o mereça. A cultura militar aprecia a competência técnica e esse fator poderá levar certos superiores a fazerem vistas grossas aos defeitos do comandante nocivo.

As atuais políticas de pessoal transferem, com freqüência, os oficiais, fato que pode também incentivar alguns a esperar que o comandante nocivo seja designado para outro unidade ou função. Em um sistema de substituições individuais, comandantes e soldados trocam de funções tão freqüentemente que sempre há luz no final do túnel. É somente uma questão de tempo até que o soldado insatisfeito ou o comandante nocivo seja transferido. Entretanto, livrar-se do comandante nocivo da forma tempo. O Exército dos EUA está estudando planos para o rodízio de unidades, o que não proporcionaria o meio de escapar oferecido pela substituição individual.

Desmascarando Comandantes Nocivos

A maioria dos participantes desse estudo aceitou o fato de que os avaliadores podem ser enganados por comandantes nocivos. Um dos participantes comentou: "O supervisor é o centro do nosso sistema em termos de incentivos, recompensas e punições. A única opinião que conta é a da pessoa que escreve a avaliação do oficial (Officer Evaluation ReportOER/Relatório de Avaliação do Oficial)".[12] Outro disse: "O que não sabemos é o que os subordinados e os colegas pensam. Posso dizer, e a maioria concordaria, que o fato de algumas pessoas para quem trabalhamos serem comandantes nocivos é conhecido dos subordinados e não dos superiores. O desafio é receber esta informação".[13] Uma forte mensagem apresentada pelo grupo de estudo foi a de se estabelecer, sem perda de tempo, um processo de avaliação mais amplo, que considere a opinião dos colegas e subordinados bem como a dos superiores.

O General Walter F. Ulmer Jr., antigo diretor executivo do Centro de Liderança Criativa, faz uma importante distinção entre a avaliação dos supervisores e o processo pelo qual os subordinados são solicitados a descreverem seu chefe.[14] Nem todos os subordinados são competentes para avaliar o chefe, mas podem relatar se têm sido atormentados por comandantes inflexíveis, desrespeitosos, que procuram benefícios pessoais acima dos compartilhados pela unidade, agem de forma antiética ou empregam medo e intimidação. Subordinados talvez não tenham a perspectiva necessária para avaliar a pessoa como um todo, mas certamente têm condições de comentar sobre certos comportamentos de liderança importantes e se confiam e respeitam os seus respectivos comandantes.

Muitos dos participantes do grupo de estudo estavam preocupados sobre como um multi-avaliador ou um esquema de avaliação de 360º seria implementado.[15] Alguns estavam preocupados com comandantes que fazem certas concessões para seus subordinados ou não são enérgicos nem exigentes para fazê-los cumprir suas obrigações. Outros achavam que os soldados eram totalmente capazes de distingüirem entre o comandante que determina e impõe altos padrões daquele que abusa da autoridade e é nocivo:

"Os soldados querem comandantes competentes. Alguém que assuma o comando e execute o trabalho, mesmo sendo, às vezes, bastante exigente. A preferência será por esse líder no lugar de outro que te pegue pela mão e te dê tapinhas nas costas o tempo todo. Os comandados sabem a diferença." [16]

Os participantes do estudo concordaram que qualquer mudança deveria ser implementada de cima para baixo, porque os oficiais de maior hierarquia são um forte exemplo e também porque mudar o sistema de avaliação é dispendioso. As avaliações feitas por multi-avaliadores deveriam começar pelos oficiais-generais e prosseguir até o escalão companhia. Um dos representantes comentou que "os oficiais de mais alto escalão não podem experimentar esse método imediatamente nos escalões mais baixos para ver se funciona; deve ser experimentado de cima para baixo. se os oficiais-generais perceberem como o processo funciona, procurarão adaptar e acomodar os pequenos pontos de desacordo - e a avaliação será então instituída".[17] Aceitar o conceito como uma ferramenta de avaliação do multi-avaliador é uma expressiva mudança cultural, por isso recomenda-se seu uso como uma ferramenta experimental, durante alguns anos, antes de empregá-la no processo de avaliação do desempenho.

Os participantes do estudo também notaram que ferramentas para avaliar o ambiente da unidade, como as pesquisas de opinião conduzidas pelo Instituto de Defesa de Gerenciamento de Igualdade de Oportunidades (Defense Equal Opportunity Management Institute, DEOMI), são úteis e poderiam ser de grande auxílio na identificação dos líderes nocivos. No artigo "The Hidden Driver of Great Performance", publicado no Harvard Business Review, Daniel Goleman, Richard Boyatzis e Annie McKee concordam que:

"Um número alarmante de comandantes não sabe realmente se o que dizem causa algum impacto nas suas organizações. Ainda mais, eles sofrem da doença do chefe executivo, cujo sintoma indesejável é a total ignorância de como a organização reage aos seus sentimentos, apelos e ações. Não estamos querendo dizer com isso que os comandantes não se importam como são percebidos; a maioria se importa. Mas, incorretamente assumem que podem decifrar essa informação. Pior ainda, pensam que se estiverem causando algum efeito negativo, alguém os notificará. Eles estão errados." [18]

Os participantes do estudo da Escola Superior de Guerra do Exército sugeriram que as pesquisas existentes de avaliação do ambiente poderiam ser melhoradas em termos do conteúdo, administração e interpretação do mesmo. Um participante disse: "Tenho certo cepticismo sobre as muitas pesquisas baseadas em quando, como e quais perguntas foram feitas."[19]

Alguns participantes pediam dados sobre o ambiente, planejados especificamente para identificar um problema de líder nocivo: "As pessoas com que trabalhei não tinham condições de planejar uma pesquisa com as perguntas que eu gostaria de ver respondidas. Eram os representantes da Igualdade de Oportunidades, mas isto vai além do escopo dessa organização. Embora esse seja um aspecto importante, há ainda outros que precisam ser abordados. As perguntas devem ser planejadas com o alvo, isto é, o comandante, em mente. Pode-se discernir entre incompatibilidade de meios versus o tipo 'imbecil' descrito por Myers-Briggs (MBTI - Myers-Briggs Type Indicator é um instrumento de identificação de caraterísticas pessoais desenvolvido por Katharine Cook Briggs e Isabel Briggs)".[20] O participante, astutamente, mostrou que, embora a liderança seja uma variável importante na determinação do ambiente de comado, outras variáveis, como falta de meios para missões designadas, também fazem parte do conjunto.

Pesquisas para a avaliação do ambiente de trabalho são ferramentas empregadas pelos comandantes para avaliar suas próprias unidades. Há um considerável cepticismo de que os líderes nocivos talvez não adotassem as ações disciplinares apropriadas a não ser que os resultados fossem fornecidos aos avaliadores. Um outro exemplo apresentado por um participante foi sobre o fracasso de um líder nocivo de mudar seu comportamento em resposta a uma pesquisa de opinião:

"Esse homem era louco. Todas essas formas foram empregadas ao máximo. Todos os esquadrões tinham provas e mais provas sobre o compartimento desse comandante e absolutamente nada foi feito a respeito. Essas pesquisas não são devolvidas ao Exército, mas sim ao comandante. O sistema deve ser mudado." [21]

Os participantes desse estudo duvidam que o Exército queira identificar e tratar do problema do líder nocivo se eles forem eficazes, pelo menos a curto prazo. Outro participante afirmou que "essas pessoas permanecem no cargo, não porque são líderes nocivos, mas porque obtêm resultados".[22] Outro falou: "A liderança do Exército tem visto alguns comandantes nocivos - e o que fizeram à respeito? Eu ficaria muito surpreso se alguma coisa fosse feita."[23] Um comentário feito abordou diretamente o assunto: "Algumas organizações fazem alguma coisa quando se deparam com um comandante nocivo, outras não. Tipicamente, os que nada fazem é porque gostam dos resultados."[24] Os comentários feitos, em geral, expressavam um sentido de remorso e resignação.

Imaginar o nefasto e possivelmente intangível efeito de líderes nocivos não é difícil. Num sentido quantitativo, não se conhece o efeito preciso nas Forças Armadas. Em seu estudo sobre um comando e ambiente de trabalho fracassados que resultou na queda fatal de um B-52 na Base Aérea Fairchild, em Washington em 1994, o Major Anthony Kem prudentemente afirmou: "Quando a liderança falha e o ambiente de trabalho colapsa, podem acontecer coisas trágicas".[25]

Os recentes relatórios recebidos do Iraque e do Afeganistão comprovam que não há falta de grandes líderes nas Forças Armadas. A doutrina de liderança do Exército é judiciosa e, se obedecida, ajudará a eliminar líderes nocivos. Homens e mulheres conscienciosos são promovidos pelo mesmo sistema que permite aos líderes nocivos continuarem suas carreiras sem serem apanhados. O que devemos perguntar é até que ponto as variáveis, como sistemas de promoção e seleção para comando, educação militar, valorização do mérito, tipo de personalidade e cultura organizacional, permitem a existência de líderes nocivos que parecem prosperar e o que nos dispomos a fazer para solucionar o problema?

Hipoteticamente, pode-se dizer que existe uma relação entre a liderança nociva e um desinteresse na prorrogação do tempo de serviço militar. Entrevistas realizadas com soldados que estão saindo do Exército talvez ajudem a responder algumas perguntas como: Você já pensou em deixar o Exército por causa do estilo de liderança do seu supervisor?

Talvez o efeito de liderança nociva seja insignificante e uma resposta institucional em grande escala não seja apropriada. Talvez o processo de simplesmente identificar o fenômeno com um nome e sugerir que ele é indesejável seja suficiente para reduzir essa prática. Por outro lado, a liderança nociva talvez seja um problema grande o bastante e as mudanças no sistema de pessoal, especificamente planejadas para identificar e eliminar comandantes nocivos, poderão trazer uma grande vantagem aos esforços de estimular as prorrogações de tempo de serviço militar e manter a eficácia da unidade. Redefinir uma liderança bem-sucedida no planejamento, avaliação e processo de seleção seria conveniente. Nunca saberemos a verdade a não ser que façamos as perguntas e pesquisemos as respostas. Tal agenda de pesquisa poderia ser facilmente justificada numa força totalmente recrutada com planos de mudar para um sistema de rodízio baseado na unidade.

Se determinarmos que a liderança nociva existe em um nível mais alto do que estamos dispostos a tolerar e que tais líderes podem ser identificados por meio de ferramentas como o emprego de multi-avaliadores ou a avaliação do ambiente de trabalho, a próxima pergunta seria: O que podemos fazer para melhorar esta situação? Simmons sugere que a solução comece por cima, com uma equipe executiva orientada para uma cultura saudável, pronta para agir e conseguir resultados.[26] Quando explicando por que tal ação não acontece com mais freqüência, Lynne F. McClure, autora do livro Risky Business: Managing Violence in the Workplace, diz: "A única e maior razão é porque o compartamento é tolerado".[27] McClure, uma perita no gerenciamento de comportamentos de grande risco, acredita que, se a companhia tem gerentes nocivos, é porque a cultura permite - voluntariamente ou não - por nada fazer a respeito.

Respeito

Um dos valores do Exército é o respeito. Por definição, o comandante nocivo demonstra uma falta de respeito para com os subordinados. Uma fraca avaliação na liderança nociva pode surgir como uma forte afirmação cultural distorcida. A ampla faixa de tolerância histórica para os estilos de lideranças deveria ser reduzida para excluir os comandantes nocivos. Isso exigiria a expansão da definição de sucesso além da avaliação imediata para incluir o bem das organizações e o entendimento de que o ambiente da unidade é importante porque os soldados e os civis são mais do que meios para se chegar a um fim. Neste tipo de cultura, os que não cultivam um ambiente de trabalho positivo não serão bem-sucedidos.

Identificar e afastar comandantes nocivos é apenas parte da solução. Todos os supervisores deveriam estar alertas para detectar qualquer comportamento nocivo em seus subordinados e treiná-los e orientá-los, para evitar a perpetuação do problemas:

"A única coisa que um tirano respeita é a autoridade superior. E a única maneira de conseguir ajuda para tratar com um administrador difícil é apelar para que alguém, numa posição superior, intervenha." [28]

Comandantes nocivos irão racionalizar o seu comportamento como sendo necessário para a execução da tarefa, ou como parte da glorificada técnica de comando de chegar na unidade com uma atitude severa, por ser mais fácil afrouxar as rédeas do que apertar mais tarde. Flynn recomenda que os supervisores empreguem a confrontação: "Seja tão específico quanto possível. Não expresse o assunto em termos vagos, como dizendo que o administrador tem 'problemas interpessoais'. Se o administrador é percebido como um tirano, diga bem claro. Se ele tende a explodir com os empregados, diga isso a ele. Após, explique que este comportamento tem que ser mudado e por quê'".[29] Se o comportamento não mudar, existem muitos remédios administrativos disponíveis.

Liderança nociva, assim como liderança em geral, é mais fácil de ser descrita do que definida, mas termos como auto-exaltação, mesquinhez, abuso de autoridade, indiferença ao ambiente da unidade e maldade nas relações interpessoais parecem definir o conceito. Um comandante nocivo é um veneno para a unidade - um veneno insidioso, de reação lenta, que complica o diagnóstico e a aplicação do antídoto. Grandes e complexas organizações como as Forças Armadas devem procurar pelo fenômeno, uma vez que políticas culturais e organizacionais podem inadvertidamente combinar e perpetuar esse problema.

Comandantes superiores, em particular, se encontram em importantes posições de autoridade para lidar e contra-atacar o comportamento nocivo. Contudo, eles podem ser os últimos a observarem o comportamento se não forem alertados. Subordinados, em geral, não se encontram em posição para abordar o problema, já que uma das características dos comandantes nocivos é não se preocupar com os subordinados. Mesmo assim, não há necessidade de se tolerar comandantes nocivos. As Forças Armadas contam com suficientes líderes trabalhadores, realizadores, comprometidos com a Instituição e compassivos, que entendem a importância de um bom ambiente de trabalho para desmistificar a crença de que é necessário administrar por meio da força e da intimidação.

Sobre o autor:

O Coronel George E. Reed, do Exército dos EUA, foi o Diretor de Estudos de Comando e Liderança do U.S. Army War College (AWC). Ele recebeu um B.S. da Central Missouri State University, um M.S. da George Washington University, um Ph.D. da Saint Louis University, e ele é formado pelo Comando do Exército dos EUA e Escola de Estado-Maior e AWC. Ele completou bolsas no Instituto de Patologia das Forças Armadas e no Centro de Educação e Liderança.

Mentindo para nós mesmos: a desonestidade na profissão militar

Notas

  1. Craig Bullis e George Reed, “Assessing Leaders to Establish and Maintain Positive Command Climate”, Relatório apresentado ao Secretário do Exército (Fevereiro de 2003): 1.
  2. Gillian Flynn, “Stop Toxic Managers Before They Stop You”, Publicado na revista Workforce  de agosto de 1999: 44-46. Acessado em 26 de dezembro de 2003.
  3. Rob Rosner em Kathy Simmons, “Sticks and Stones”, Executive Update Online, acessado em 4 de dezembro de 2003.
  4. Marcia Lynn Whicker, Toxic Leaders: When Organizations Go Bad (New York: Doubleday, 1996), 11.
  5. Bullis e Reed, 2.
  6. Stephen E. Ambrose, Band of Brothers: E Company 506th Regiment, 101st Airborne from Normandy to Hitler’s Eagle Nest (New York: Simon & Schuster, 1992), 15.
  7. Dick Winters em Ambrose, 17.
  8. Ambrose, 33.
  9. Bullis e Reed, 33.
  10. Ibid.
  11. Manual de Campanha do Exército dos EUA (U.S. Army Field Manual) FM 3-0: Operations (Washington, DC: U.S. Government Printing Office, 2001), 1-18, 4-8.
  12. Bullis e Reed, 12.
  13. Ibid., 11.
  14. Tenente-General Walter F. Ulmer, Jr., Mensagem de e-mail ao autor, 27 de dezembro de 2003.
  15. Esquemas que aceitam observações dos  superiores, colegas e subordinados são conhecidos como avaliações de 360º.
  16. Bullis e Reed, 18.
  17. Ibid., 16, 17.
  18. Daniel Goleman, Richard Boyatis e Annie McKee, “Primal Leadership: The Hidden Driver of Great Performance”, Harvard Business Review (Dezembro de 2001): 47.
  19. Bullis and Reed, 13.
  20. Ibid., 14.
  21. Ibid., 46.
  22. Ibid., 21.
  23. Ibid.
  24. Ibid., 22.
  25. Major Anthony Kern “Darker Shades of Blue: A Case Study of Failed Leadership”, 1995, acessado em 26 de dezembro de 2003.
  26. Simmons.
  27. Lynne McClure, Risky Business: Managing Violence in the Workplace (Binghamton, NY: Haworth Press, 1996).
  28. Krista Henly, “Detoxifying a Toxic Leader”, Revista Innovative Leader de junho de 2003: 6.
  29. Flynn.

Bibliografia recomendada:

Como se tornar um Líder Servidor:
Os princípios de liderança de
O Monge e o Executivo.
James C. Hunter.

Este Barco Também É Seu:
CMG D. Michael Abrashoff.

Leitura recomendada:





COMENTÁRIO: O Culto à Mediocridade, 20 de dezembro de 2020.


PERFIL: O filho do general, 27 de julho de 2021.