quarta-feira, 22 de abril de 2020

GALERIA: O FAMAS em Vanuatu

Membros da Força Móvel de Vanuatu desfilando diante do palanque nas comemorações do 35º aniversário da independência de Vanuatu, 30 de julho de 2015.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 22 de abril de 2020.

Organização Paramilitar

Existem duas forças de segurança em Vanuatu, a Força Policial de Vanuatu (Vanuatu Police ForceVPF; também  chamada Ni-Vanuatu Police) e a ala paramilitar, a Força Móvel de Vanuatu (Vanuatu Mobile ForceVMF), que também conta com a Ala Marítima da Força Policial de Vanuatu.

Recrutas da VMF durante acampamento básico em Siviri, norte de Efate, em 22 de julho de 2019.

A Força Móvel de Vanuatu (VMF) é um pequeno corpo móvel de 300 voluntários que compõe as forças armadas de fato de Vanuatu, tendo sido criada no ato de independência em 30 de julho de 1980. Sua principal tarefa é apoiar a Força Policial de Vanuatu, mas em caso de ataque, a VMF atuará como a primeira linha de defesa do pequeno país; seu comandante desde 2015 é o Coronel Robson Iavro.

A VMF foi treinada, no ato da sua criação, pela Força de Defesa da Papua Nova Guiné (Papua New Guinea Defence Force, PNGDF), treinamento este pago pelas forças armadas australianas. Inicialmente armada com o fuzil SLR 1A1 australiano, a versão imperial do venerável FAL, a VMF o substituiu pelo FAMAS F1 em 2009.

Desfile da tropa com FAMAS numa avenida


Uniforme azul da VPF, adotado em 30 de julho de 1983.

Uniformes verdes da VMF.

Ao todo, contando com 547 policiais organizados em dois comandos principais: um em Port Vila e outro em Luganville. Além desses dois postos de comando, há quatro delegacias secundárias e oito postos policiais. Isso significa que existem muitas ilhas sem presença policial e muitas partes das ilhas onde chegar a um posto policial pode levar vários dias.

Força Naval 

Marinheiros da Ala Marítima com uniforme branco.

Olhar à direita!

A Ala Marítima da Força Policial de Vanuatu (Vanuatu Police Force Maritime Wing) foi fundada em 15 de agosto de 1985, operando um navio patrulha classe Pacífico RVS Tukoro, providenciado pela Austrália. Em fevereiro e março de 2017, o Tukoro participou de uma operação conjunta de proteção da pesca com seu navio irmão das Ilhas Salomão, RSIPV Lata. RVS Turoroa foi entregue pela Austrália. Em setembro de 2017, Tukoro ajudou a prestar socorro aos evacuados após a erupção do vulcão Ambae. A Austrália pretende fornecer um navio classe Guardian para Vanuatu em 2021.

Visão das três unidades.

O Desfile da Independência de Vanuatu


O FAMAS é uma visão comum nos desfiles da independência de Vanuatu, que ocorrem no dia 30 de julho. Habitada por autóctones melanésios e governado por franceses e britânicos, as línguas oficiais da República de Vanuatu são bislamá, francês e inglês; mas ainda há chinês hakka, chinês mandarim e mais 113 línguas indígenas do sul da Oceania, fazendo com que Vanuatu tenha a maior densidade lingüística do mundo. Essa mistura denota o longo caminho da formação autóctone, da colonização européia até a independência de 30 de julho de 1980, que é celebrada com o desfile atualmente ostentando o distinto FAMAS F1.  

O arquipélago de Vanuatu foi descoberto pelo navegador português à serviço da coroa espanhola, Pedro Fernandes de Queirós, em 1606. Acreditando ter atingido a Austrália (Terra Australis), ele batizou o novo conjunto de ilhas como La Austrialia del Espíritu Santo (A Terra Sul do Espírito Santo), batizando a ilha maior como Espírito Santo. O pequeno enclave espanhol não prosperou e os europeus não voltaram a Vanuatu até 1768, quando Louis Antoine de Bougainville redescobriu as ilhas em 22 de maio. 

Desfile da Independência de Vanuatu em 30 de julho de 2013.

Na década de 1880, a França e o Reino Unido reivindicaram partes do arquipélago e, em 1906, concordaram em uma estrutura para o gerenciamento conjunto do arquipélago como as Novas Hébridas, por meio de um condomínio anglo-francês. Os melanésios foram impedidos de adquirir a cidadania de qualquer das duas potências e eram oficialmente apátridas.

Inicialmente, os súditos britânicos da Austrália constituíam a maioria da população do arquipélago, mas o estabelecimento da Companhia Caledoniana das Novas Hébridas (Compagnie Calédonienne des Nouvelles-Hébrides) em 1882 logo inclinou a balança a favor dos súditos franceses. Por volta do início do século XX, os franceses superavam os britânicos em dois pra um. Na década de 1920, trabalhadores contratados anamitas da Indochina Francesa começaram a trabalhar nas plantações nas Novas Hébridas.


Os desafios para o governo do condomínio começaram no início dos anos 40. A chegada dos americanos durante a Segunda Guerra Mundial, com seus hábitos informais e riqueza relativa, contribuiu para a ascensão do nacionalismo nas ilhas. A crença em uma figura messiânica mítica chamada John Frum foi a base para um culto à carga indígena prometendo a libertação melanésia.

Culto à carga é um movimento religioso descrito pela primeira vez na Melanésia, que engloba uma série de práticas que ocorrem após o contato de sociedades simples com civilizações tecnologicamente mais avançadas. O nome deriva da crença que começou entre os melanésios no final do século XIX e início do século XX de que vários atos ritualísticos, como a construção de uma pista de pouso, resultariam no aparecimento de riqueza material, particularmente nas tão desejadas mercadorias ocidentais (ou seja, a "carga"), que eram enviadas através de aviões. Hoje, John Frum é uma religião e um partido político com um membro no Parlamento de Vanuatu.


Em 1980, a França e o Reino Unido concordaram que as Novas Hébridas teriam independência em 30 de julho de 1980. A partir de junho de 1980, Jimmy Stevens, chefe do movimento Nagriamel, liderou uma revolta contra as autoridades coloniais e os planos de independência, iniciando a curta Guerra do Côco (Junho-Agosto de 1980). A revolta durou cerca de 12 semanas. Os rebeldes bloquearam o Aeroporto Internacional de Santo-Pekoa, destruíram duas pontes e declararam a independência da ilha de Espírito Santo como o "Estado de Vemerana". Stevens foi apoiado por proprietários de terras de língua francesa e pela Phoenix Foundation, uma fundação comercial americana que apoiou o estabelecimento de um paraíso fiscal libertário nas Novas Hébridas.

Em 8 de junho de 1980, o governo das Novas Hébridas pediu à Grã-Bretanha e à França que enviassem tropas para reprimir a rebelião na ilha de Espírito Santo. A França se recusou a permitir que o Reino Unido empregasse tropas para neutralizar a crise, e os soldados franceses estacionados no Espírito Santo não tomaram nenhuma atitude. Como o dia da independência se aproximava, o primeiro-ministro eleito, Walter Lini, pediu à Papua-Nova Guiné que enviasse tropas para intervir. Quando os soldados de Papua Nova Guiné começaram a chegar ao Espírito Santo, a imprensa estrangeira começou a se referir aos eventos em andamento como a "Guerra do Côco".


A "guerra" foi breve: Os moradores do Espírito Santo geralmente acolheram os papua-nova guineenses como companheiros melanésios, e os rebeldes Nagriamel de Stevens dispunham apenas de armas da Idade da Pedra: arcos e flechas, pedras e fundas.

Houve poucas baixas e a guerra terminou repentinamente quando um veículo que transportava o filho de Stevens atravessou um bloqueio das tropas da Papua Nova Guiné no final de agosto de 1980, e os soldados abriram fogo contra o veículo, matando o filho de Stevens. Pouco tempo depois, Jimmy Stevens se rendeu, afirmando que nunca pretendera que alguém fosse ferido.

No julgamento de Stevens, foi revelado o apoio da Fundação Phoenix ao movimento Nagriamel. Também foi revelado que o governo francês havia apoiado secretamente Stevens em seus esforços; a nova República de Vanuatu foi impedida de entrar na Nova Caledônia e o embaixador francês foi "convidado" a se retirar de Vanuatu. O pobre Stevens foi condenado a 14 anos de prisão e permaneceu preso até 1991.



Visita da Alta Comissária Britânica em Vanuatu

Pela primeira vez uma guarda-de-honra da Força Móvel de Vanuatu, composta e comandada inteiramente por mulheres, foi inspecionada pela então recém nomeada Alta Comissária Britânica em Vanuatu, HE Karen Bell, em 23 de julho de 2019.

Karen Bell foi o primeiro Alto Comissário Britânico em Vanuatu em 15 anos.






Treinamento e operações

"Proteja o nosso Estado."
O lema da Companhia de Infantaria da Força Móvel de Vanuatu colocado entre dois fuzis FAMAS na sua insígnia.

Não há despesas puramente militares em Vanuatu, com a VMF atuando em ações de policiamento. Em 1994, a VMF enviou 50 homens para Bougainville, na Papua Nova Guiné, como sua primeira missão de manutenção da paz. 

Durante os anos 90, Vanuatu experimentou um período de instabilidade política que levou a um governo mais descentralizado. A Força Móvel de Vanuatu tentou um golpe militar em 1996 por causa de uma disputa salarial.

A VMF também participou da Missão de Assistência Regional às Ilhas Salomão (Regional Assistance Mission to Solomon Islands, RAMSI) de 2003 a 2017, como parte da Força Policial Participante (Participating Police Force, PPF).

Exercício de tiro da VMF em 30 de novembro de 2019.

FAMAS disparado "na canhota".

Representantes de Vanuatu estiveram presentes no Champs Elysées, em Paris, para o desfile anual do Dia da Bastilha em 14 de julho de 2014. Este ano comemorou os 100 anos do início da Primeira Guerra Mundial. Três soldados da VMF desfilaram seguindo a bandeira de Vanuatu entre representantes dos 80 países que participaram da guerra de alguma forma.

A VMF enviou 15 soldados para a Costa do Marfim em 2015, em apoio à missão francesa. As forças de segurança de Vanuatu também participam do exercício bi-anual Croix du Sud.

O FAMAS é adaptável para atiradores destros e canhotos.

Duas soldados da VMF durante exercícios de campo.

Exercício Croix du Sud

Soldados da Força Móvel de Vanuatu durante o exercício Croix du Sud, em 2018.

Croix du Sud é o termo francês para Cruzeiro do Sul, e ele é o maior exercício de assistência humanitária e treinamento em socorro a desastres do Pacífico Sul. A França hospeda e organiza os exercícios através de suas Forças Armadas da Nova Caledônia (Forces armées de Nouvelle-Calédonie), baseadas em Nouméa.


O exercício reúne países de todo o Pacífico, incluindo as forças armadas dos EUA, Grã-Bretanha e Austrália. Seu objetivo visa melhorar as habilidades de planejamento, gerenciamento e preparação das forças militares. São duas semanas de treinamento, com a primeira semana contendo exercícios de preparação, com treinamentos de familiarização ao uso de recursos e equipamentos, com o exercício real ocorrendo na segunda semana.

Em anos alternados, o conceito para o próximo Croix du Sud é desenvolvido por meio de um exercício teórico chamado Equateur (Equador). Um cenário típico seria um desastre de ciclone de categoria quatro, resultando em falta de saneamento, fome, doença e um surto de saques e estupros que visam estrangeiros. Outros cenários incluem extremistas que interrompem o controle do governo e incitam tumultos.

Pelotão da VMF do 2º Ten. Johnny Kakor com militares franceses no exercício Croix du Sud 2016.

A VMF foi particularmente bem no Croix du Sud 2016, com o 2º Tenente Johnny Kakor, comandando um pelotão de 30 homens da Força Móvel e da Ala Marítima, comentando que na segunda semana, o pelotão passou por uma série de exercícios de rebelião e obstáculo que ocorreram em terra e no mar, e estabeleceram um tempo recorde de 1 hora e 24 minutos, atrás do tempo de 1 hora e 15 minutos do Reino Unido.

"Tivemos 12km de marcha, que os rapazes concluíram quando se adaptaram bem ao clima e depois tivemos o tiro ao alvo e o ataque", disse ele. “No tiro ao alvo de 100-450 metros (alvo dos atiradores de elite), nosso primeiro grupo derrubou todos os alvos; portanto, tivemos que esperar que os próximos alvos fossem colocados pela segunda vez e nosso último grupo atirou em todos eles, o comandante da companhia que cuidava nos avaliava disse que dos 12 países, Vanuatu foi o melhor [no tiro].”


O Tenente-Coronel Terry Tulang, então comandante da VMF, congratulou as tropas: “Estou muito satisfeito com o desempenho geral do pelotão, eles tiveram um desempenho excelente e lideraram o tiro de fuzil, e sei que os rapazes aprenderam novas habilidades para melhorar e fornecer melhor segurança ao nosso país. Estamos ansiosos por outro Croix du Sud em 2018 ”.

O Coronel Tulang também confirmou que o treinamento foi financiado pelo governo da França, com os custos de viagem e acomodação cobertos pelo país anfitrião, com material de comunicações sendo pego emprestado dos países amigos.

Guardas-bandeiras na abertura do exercício Croix du Sud, em 25 de maio de 2018. A bandeira da República de Vanuatu pode ser vista ao fundo.

Dependência da Austrália

Visita do Secretário do Departamento de Defesa australiano Greg Moriarty ao quartel de Cook (Cook Barracks), 8 de maio de 2019.

A Força Policial de Vanuatu (VPF) e a Força Móvel de Vanuatu (VMF) continuam a operar uma única entidade unificada, que o governo australiano continua a apoiar. Um dos principais objetivos do Programa de Cooperação em Defesa da Austrália (Australia's Defence Cooperation Program, DCP). A principal atividade de envolvimento da Austrália com a VMF é o Exercício Aliança com Vanuato (Exercise Vanuatu Alliance), que fornece treinamento na condução de patrulhas policiais conjuntas e no aprimoramento da capacidade da VMF de responder a contingências humanitárias e de desastre.

Desmontagem e limpeza do FAMAS durante a visita.


Uma equipe de treinamento australiana do 51º Batalhão, o Regimento de Far North Queensland (51st Battalion, Far North Queensland Regiment51 FNQR) viaja anualmente para Vanuatu para treinar pessoal selecionado da VMF no planejamento e execução de operações da área remota como parte do Exercício Aliança com Vanuato. Como parte do DCP, o 51 FNQR viaja para Vanuatu para treinar a VMF todos os anos desde 1998.

Recrutas da VMF em tiro de assimilação com o FM australiano SLR L2A1, com o carregador de 30 tiros.

Atualmente, Vanuatu recebe o auxílio de outras potências regionais, especialmente de um novo entrante: a China.

Shen Hao, comandante do navio hospital chinês "Arca da Paz", passa em revista à guarda de honra da Força Móvel de Vanuatu, armada de FAMAS, depois que o navio chegou a Port Vila, Vanuatu, em 31 de agosto de 2014.

Leitura recomendada:

O FAMAS no mercado de exportação, 4 de novembro de 2019.

FOTO: Os amotinados e o mistério do FAMAS na Papua Nova Guiné, 23 de abril de 2020.


GALERIA: Exercício "Shamrakh 1", 12 de março de 2020.

terça-feira, 21 de abril de 2020

FOTO: Soldados caribenhos

Soldado jamaicano (esquerda) armado com um FAL australiano L1A1 e um soldado do Royal Bermuda Regiment com um Ruger Mini-14, durante um exercício conjunto na Jamaica.

Um membro da Força de Defesa Jamaicana (Jamaican Defense Forcedesignado para escoltar um pelotão do Regimento Real das Bermudas (Royal Bermuda Regiment, RBR), treinando nas Montanhas Azuis da Jamaica em 1996. Cada pelotão do Regimento das Bermudas foi designado um soldado jamaicano para agir em seu nome em caso de qualquer dificuldade com civis jamaicanos. Soldados das Bermudas não têm autoridade na Jamaica, mas soldados jamaicanos possuem determinados poderes de polícia.

Leitura recomendada:


Garands a Serviço do Rei18 de abril de 2020.


Tentativas da Argentina de um fuzil indígena

Este exemplar em particular de um fuzil argentino com mira telescópica mostrado em uma foto publicitária tem a alavanca de manejo no lado esquerdo e, quase imperceptível, uma alça de transporte do FAL dobrada para baixo.

Por Ronaldo Olive, Small Arms Defense Journal, 8 de maio de 2015.

Tradução Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 21 de abril de 2020.

[Nota do Tradutor: A palavra "indígena", aqui, se refere a produzir localmente.]

Da virada do século XIX para o XX, a Argentina, como muitos países do mundo, era equipada principalmente com fuzis Mauser de ação de ferrolho adquiridos diretamente da DWM (Deutsche Waffen und Munitionsfabriken), começando com o M1891 (cerca de 180.000 unidades) e seguido pelo M1909 (cerca de 130.000 unidades compradas no período de 1909-1911), todos calibrados em 7,65x53mm, a chamada munição Mauser argentina. O Arsenal Estebán de Luca local (também conhecido como Fábrica de Fusiles de Buenos Aires) começou a produzir peças de reposição para os fuzis, incluindo canos, em 1915. Entre 1947 e 1959, mais ou menos, as Fabricaciones Militares estatais produziram localmente cerca de 20.000 carabinas mais curtas (cano de 556mm), variantes de Engenharia/Cavalaria do fuzil padrão (com cano de 740mm) em sua Fábrica Militar de Armas Portáteis “Domingo Matheu”, em Rosário, província de Santa Fé. Para constar, os diferentes modelos Mauser permaneceram em uso no exército argentino até serem substituídos gradualmente pelo FN FAL 7,62x51mm à partir de meados de 1957. Após a entrega dos lotes iniciais fabricados na Bélgica, a fabricação local na Fábrica Domingo Matheu começou em 1959, quando 500 exemplares foram concluídos, mas a produção chegaria a cerca de 10.000 unidades por ano. Estima-se que 120.000 fuzis FAL tenham sido fabricados na Argentina antes que a produção finalmente parasse em meados da década de 90.

Logo após a Segunda Guerra Mundial, quando o M1 Garand americano, a série SVT soviética e o G43 e StG44 alemães mostraram a nova forma e a nova moda do fuzil do soldado de infantaria, o Exército Argentino achou que também era hora de seguir o exemplo, se possível, envolvendo fabricantes locais. Como o país não possuía o conhecimento técnico básico envolvendo o projeto e a produção de armas semi-automáticas, era necessária inspiração externa. Esta veio na forma do fuzil alemão StG 44, que de alguma forma chegou ao país sul-americano em cerca de 1947. Usando um processo de engenharia reversa, funcionários do CITEFA - Instituto de Investigaciones Científicas y Técnicas de las Fuerzas Armadas (Instituto de Pesquisas Científicas e Técnicas das Forças Armadas), em parceria com aqueles da Fábrica Militar de Armas Portáteis “Domingo Matheu”, produziram seu clone local do Sturmgeweher, que recebeu a designação CAM 1. Ao mesmo tempo, a Fábrica Militar de Cartuchos “San Lorenzo” do Exército, também na província de Santa Fé, preparou-se para a produção da munição de 7,92x33mm usada no fuzil, e alguns lotes de teste chegaram para uso no número desconhecido de protótipos CAM 1 que eventualmente emergiram da Fábrica Domingo Matheu. Por razões desconhecidas, no entanto, os planos para a fabricação em larga escala do fuzil terminaram gradualmente em 1953-54.

Fotografia rara do fuzil CAM 1 argentino, o clone de engenharia reversa do fuzil de assalto alemão StG 44, fabricado pela FMAP-DM em Rosário, província de Santa Fé. A munição de 7,92x33mm vista no carregador destacável de 30 tiros foi produzida localmente pela Fábrica Militar de Cartuchos “San Lorenzo”, também em Santa Fé.

Outra tentativa também datada do início da década de 1950 aparentemente veio da Marinha Argentina com o suporte técnico relatado da H.A.F.D.A.S.A. - Hispano Argentina Fábrica de Automóbiles S.A., um pequeno fabricante de submetralhadoras e carabinas semiautomáticas de calibre de pistola baseado em Buenos Aires. Isso acabou se materializando na forma de um fuzil M1 Garand modificado no calibre 7,65x53mm, do qual pelo menos um protótipo foi concluído pela Fábrica Militar de Armas Portáteis "Domingo Matheu" em 1953. As características externas mais notáveis do que era simplesmente chamado de Fusil Semiautomático (Fuzil Semi-automático) eram um elaborado guarda-mão de alumínio, com com aberturas de ventilação verticais no comprimento e contornos revisadas e aberturas mais finas para a coronha.

Também é relatado que a Força Aérea Argentina já havia brincado com a idéia de um programa de fabricação local do fuzil semi-automático M1941 de Melvin Johnson, alguma menção ao chamado M1947 (uma carabina semi-automática derivada da metralhadora M1941) para a Argentina surgindo ocasionalmente. Demoraria cerca de duas décadas para uma nova tentativa em direção a um projeto de fuzil indígena começar naquele país sul-americano.

Dimensões e carimbo da espoleta do cartucho argentino de 7,92x33mm fabricado pela FMC-SL para o fuzil de assalto CAM 1.

Em 1975, o Estado Mayor General del Ejército (Estado-Maior Geral do Exército) enviou à FMAP-DM os requisitos técnicos preliminares para um FAA (Fusil de Asalto Argentino) de 5,56x45mm. A responsabilidade do projeto foi atribuída a uma equipe chefiada por Enrique Chichizola e, em 1977, os parâmetros básicos do chamado "Proyeto Código 10.0187" foram definidos. Em meados de 1979, após cerca de sete meses de trabalho real de construção, o primeiro dos cinco protótipos de teste foi concluído.

Com inúmeras modificações ditadas pelo programa de teste inicial e por alterações consecutivas nos requisitos oficiais, um lote de pré-produção de aproximadamente 50 unidades foi concluído na Fábrica Domingo Matheu; as armas foram entregues posteriormente para avaliação e teste de campo real pelas unidades do Exército, com ênfase nas chamadas unidades "especiais", como tropas paraquedistas, comandos e de montanha. Isso ocorreu no período 1982-1983. Depois de ser chamada de FAA, a arma foi posteriormente denominada FAA 81 e, finalmente, FARA 83 (Fusil de Asalto República Argentina 1983). Estima-se que, no total, apenas algumas centenas de exemplos do fuzil tenham sido concluídos antes do cancelamento do programa pelo governo do presidente Carlos Menen, em meados da década de 1980, devido à falta de fundos disponíveis.

Enrique Chichizola chefiou a equipe de projeto que criou o fuzil FAA/FAA 81/FARA 83. Ele é visto aqui segurando um dos protótipos na FMAP-DM em fevereiro de 1990.

Ao longo do seu período evolutivo, as modificações aplicadas ao fuzil de assalto argentino resultaram em inúmeras alterações nas especificações técnicas. Basicamente, era uma arma de fogo seletivo (cerca de 700-750 tiros por minuto no modo automático) e era operada a gás com uma configuração bastante convencional de conjunto do ferrolho com êmbolo/ haste/ ferrolho, o trancamento da culatra sendo fornecido por um ferrolho rotativo de dois olhais. O cano de 452mm de comprimento (seis ranhuras à direita, passo 1:9 polegadas) era adequado tanto à munição M193 comum da época quanto ao novo cartucho SS109 que estava entrando no mercado militar. A alimentação era fornecida por carregadores patenteados de 30 tiros fabricados em aço, mas foi planejado substituí-los pelos modelos AR-15/M16 para futuras armas de produção em larga escala.

O corpo do fuzil era feito principalmente de estampas de aço, as caixas da culatra superior e inferior articulando-se uma na outra a cerca da metade do comprimento. O primeiro protótipo tinha uma coronha dobrável de madeira, mas posteriormente deu lugar a uma unidade sintética com um pequeno compartimento interno que abrigava material de limpeza. No entanto, a maioria das armas fabricadas para o programa de avaliação das tropas foi equipada com uma coronha de metal tubular baseado no usado no fuzil Para-FAL, além da adição de um descanso plástico para a bochechas no qual o kit de limpeza foi acomodado.

Um FARA 83 parcialmente desmontado para manutenção em primeiro escalão. O guarda-mão de plástico incorporou uma jaqueta de metal perfurada para ventilação externa do cano e isolamento térmico.

As especificações finais do FARA 83 são as seguintes: comprimento total, 1.000mm; comprimento com a coronha dobrada, 745mm; altura sobre o carregador, 260mm; peso com carregador vazio, 4,16kg; peso com carregador cheio, 4,52kg; peso do bipé dobrável opcional, 0,4kg.

Como um post-scritum, em 1989-90, a Fábrica Militar de Armas Portáteis “Domingo Matheu” fez outra tentativa de dar ao Exército Argentino um fuzil 5,56x45mm. Este assumiu a forma de um fuzil Para-FAL de 7,62x51mm modificado, com cano trocado para a nova munição e alimentado por carregadores de plástico Steyr AUG de 30 tiros. Embora isso funcionasse adequadamente, o programa não amadureceu o suficiente para entrar em produção. Talvez porque o fuzil resultante fosse muito pesado para o calibre envolvido.

Protótipo Número 00015 ostentando um guarda-mão cilíndrico de plástico e a alavanca de manejo do lado direito. O bipé de metal dobrável dobrava como cortador de arame, adicionando cerca de 400 gramas ao peso da arma.

Desenhos comparativos do primeiro protótipo do FAA (em cima) com um modelo de desenvolvimento posterior. Alterações significativas serão encontradas na forma da caixa da culatra superior, na posição da alavanca de manejo (de 90 graus para a esquerda a 45 graus para a frente), na forma do guarda-mão, etc.

Leitura recomendada:


LAPA FA Modelo 03 Brasileiro9 de setembro de 2019.

Fuzis de treinamento FAL do Brasil5 de janeiro de 2020.



FOTO: Tanques em clima invernal

Manobra de Carros de Combate M60 modernizados do exército turco pintados em camuflagem de inverno.

segunda-feira, 20 de abril de 2020

FOTO: Paraquedista do ARVN perto do fim

Paraquedistas do ARVN no abril de 1975.

Leitura relacionada:

GALERIA: Bawouans em combate no Laos, 28 de março de 2020.

O mesmo de sempre: o oportunismo pandêmico da China em sua periferia


Por Abraham Denmark, Charles Edel e Siddharth Mohandas, War on the Rocks, 16 de abril de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, do Warfare Blog, 20 de abril de 2020.

Enquanto a retórica superaquecida e as recriminações mútuas de Washington e Pequim em meio à pandemia de coronavírus em andamento estão ganhando manchetes, igualmente importante é o que vem ocorrendo nas periferias leste e sul da China nas últimas semanas. No momento em que o Partido Comunista Chinês vem divulgando a generosidade de sua abordagem ao COVID-19, houve um aumento acentuado no número de incidentes entre a China e seus vizinhos. Pequim usou suas forças navais e paramilitares, bem como suas operações de informação cada vez mais sofisticadas, para aumentar as tensões, sondar as respostas e ver o quanto ela pode se safar.

Isso levanta a questão do que exatamente a China está fazendo. Pequim realmente adotou uma nova abordagem de cooperação com seus vizinhos? Está tentando tirar proveito da bagunça do COVID-19 para afirmar seus interesses de forma mais agressiva? Ou isso é simplesmente uma extensão - embora oportunista - de sua estratégia pré-pandêmica?

A nova pandemia de coronavírus não reduziu a geopolítica - na verdade, parece estar intensificando tensões preexistentes. Entender se e como a política externa da China mudou é fundamental para avaliar o que está acontecendo na periferia da China e o que Pequim poderá fazer a seguir. É necessário responder a essas perguntas para que os Estados Unidos e seus aliados formem uma resposta adequada. Isso, por sua vez, exige entender o que Pequim estava fazendo antes da crise e refletir sobre o que realmente pode sinalizar uma mudança significativa em direção a uma política externa mais conflituosa.

Como eu cheguei aqui? Os últimos movimentos da China

Navios e aeronaves chineses estiveram envolvidos em uma série de incidentes recentes na periferia marítima da China. Embora não tenha havido fatalidades, vidas foram certamente colocadas em risco. Considerando que esses incidentes envolveram dois dos principais rivais regionais da China - Japão e Vietnã - bem como Taiwan, deve-se considerar a possibilidade de Pequim ver a pandemia do COVID-19 como uma oportunidade de pressionar uma vantagem durante um período de distração e incerteza geopolítica.

O presidente Xi Jinping passando marinheiros em revista no 69º aniversário da Marinha Chinesa, abril de 2019

Em meados de março, um grupo de aeronaves do Exército Popular de Libertação (PLA) cruzou a linha mediana no Estreito de Taiwan - uma linha de demarcação não-oficial entre Taiwan e China - em um exercício destinado a intimidar Taiwan, demonstrando a capacidade da China de realizar operações noturnas enquanto também testando a capacidade de reagir de Taiwan. Enquanto navios e aeronaves do PLA operam nas proximidades de Taiwan há vários anos, o ritmo e a assertividade dessas atividades aumentaram visivelmente nos últimos anos: O último incidente foi a quarta vez em dois meses que os aviões do PLA forçaram a força aérea de Taiwan a se mobilizar (scramble) e interceptar. Considerando a iminente segunda inauguração do líder de Taiwan, a presidente Tsai Ing-wen, bem como os níveis cada vez menores de apoio em Taiwan à formulação "Um país, dois sistemas" de Pequim, esses exercícios provavelmente se tornarão ainda mais comuns e assertivos.

No final de março, no mar da China Oriental, um navio de pesca chinês colidiu com um destróier japonês. A colisão abriu um buraco no destróier, mas o navio conseguiu se mover por conta própria e sua tripulação não sofreu baixas. Pequim anunciou que um pescador chinês foi ferido e culpou o navio japonês pelo incidente, pedindo a cooperação do Japão para evitar futuros incidentes. Não está claro se o navio chinês fazia parte da “milícia marítima da China”, descrita pelo Departamento de Defesa dos EUA como “uma força de reserva armada de civis disponíveis para mobilização”, que desempenha um “papel importante em atividades coercitivas para alcançar os objetivos políticos da China sem lutar."


O Mar da China Meridional também viu vários incidentes recentes envolvendo navios chineses. No início de março, um navio de pesca vietnamita estava atracado perto de uma pequena ilha no arquipélago de Paracel - ilhas reivindicadas pelo Vietnã e pela China, entre outros - quando um navio chinês o perseguiu e disparou um canhão d'água, fazendo com que o barco afundasse após atingir alguns pedras. A tripulação foi resgatada por outro barco de pesca vietnamita, com Hanói alegando que o barco foi abalroado pela embarcação chinesa. O Departamento de Estado dos EUA emitiu uma declaração no início de abril expressando suas sérias preocupações sobre o incidente e exortando a China a "manter o foco no apoio aos esforços internacionais para combater a pandemia global e parar de explorar a distração ou vulnerabilidade de outros estados para expandir suas reivindicações ilegais no Mar da China Meridional.” O Departamento de Estado também observou que, desde o início da pandemia, "Pequim também anunciou novas 'estações de pesquisa' em bases militares construídas no Recife de Fiery Cross e Recife de Subi, e pousou aeronaves militares especiais no Recife de Fiery Cross". Mais recentemente, um navio da guarda costeira chinesa (CCG) - um dos vários navios chineses que assediaram uma embarcação comercial filipina em setembro de 2019 - foi visto patrulhando perto do Banco de Areia de Scarborough, representando um dos muitos navios da CCG que vem patrulhando quase todas as áreas disputadas entre a China e as Filipinas no Mar da China Meridional.


Esses incidentes são apenas uma coincidência? Eles são um sinal de que Pequim está distraída com o COVID-19 e a resultante desaceleração econômica histórica, e comandantes locais agressivos estão empurrando o envelope por conta própria? Ou isso é meramente o resultado da China colocar em serviço mais navios e mais aeronaves, levando a um aumento previsível de incidentes e exercícios? Embora essas explicações sejam plausíveis, um fator mais provável das ações da China é, de fato, a continuidade.

Esses incidentes não são inéditos e provavelmente não indicam uma nova estratégia chinesa pós-pandemia. Em vez disso, esses incidentes são consistentes com uma abordagem chinesa das relações exteriores sob a liderança do Secretário Geral do PCC, Xi Jinping, que mesmo antes do surto do COVID-19 demonstrava flexibilidade, assertividade e um desejo singular de explorar oportunidades de fraqueza e distração externas, a fim de avançar Interesses da China.

Marinheiros chineses e americanos dos destroyeres USS Stockdale e Xian, respectivamente, durante o exercício Rim of the Pacific 2016, em 20 de julho de 2016.

Por mais de uma década, os líderes chineses passaram a ver seu ambiente de segurança externa como geralmente favorável, representando uma “janela estratégica de oportunidade” na qual a China poderia alcançar seu objetivo principal de revitalização nacional por meio de desenvolvimento econômico e social, modernização militar e expansão da sua influência regional e global. Desde a crise financeira global de 2008 a 2009, Pequim percebeu uma oportunidade de expandir seu poder geopolítico em relação aos Estados Unidos, mas não busca um conflito explícito com os Estados Unidos ou seus aliados.

Como resultado, Pequim intensificou o uso de táticas de “zona cinzenta”, que buscam promover gradualmente os interesses chineses, usando ambigüidade e táticas personalizadas para não provocar retaliação militar. Essas atividades também servem como "comportamento de sondagem" que testa até onde a China pode chegar antes de encontrar resistência determinada. Nos últimos anos, Pequim usou essa abordagem para aumentar a pressão sobre o Japão no Mar da China Oriental e avançar as reivindicações territoriais de Pequim no Mar da China Meridional contra Filipinas, Vietnã, Malásia e Indonésia.

Marinheira chinesa à bordo do Jinggangshan como parte de uma força-tarefa no Golfo de Áden, 2013. (People's Daily Online/Chen Geng)

Durante todo o processo, a abordagem de Pequim à geopolítica regional foi adaptável a condições específicas, flexível a tendências estratégicas mais amplas e oportunista às percepções de fraqueza ou distração em seus adversários. As ações chinesas não são as apostas imprudentes que podem parecer inicialmente. Em vez disso, são sondas premeditadas que procuram identificar fraquezas e oportunidades. A pressão chinesa é cuidadosamente calibrada para se ajustar, mas não necessariamente para exceder, uma determinada situação.

Essa abordagem reflete uma máxima de Vladimir Lênin, a quem o Partido Comunista Chinês continua a reverenciar até hoje: “Sonde com uma baioneta: se você encontrar aço, pare. Se você encontrar mingau, então empurre." Em vários casos, Pequim continuou a pressionar quando percebeu que é improvável que suas ações causem uma resposta significativa. Mas quando a assertividade chinesa é recebida com uma contrapressão resoluta, a resposta de Pequim não tem sido previsivelmente escalatória.

Fuzileiros navais russos e chineses concluem exercício terrestre durante o exercício Joint Sea 2016, no Mar da China Meridional.

Pequim demonstrou flexibilidade quando confrontada com uma oposição determinada. Exemplos incluem a resposta do Japão à implantação da China de uma zona de identificação de defesa aérea no Mar da China Oriental em 2013 e o presidente Obama relatou o desenho de uma linha vermelha em torno do Banco de Areia de Scarborough para Xi Jinping em março de 2016. Além disso, a resposta da Índia às atividades chinesas em Doklam não levou à guerra.

As ações recentes da China no Estreito de Taiwan, Mar da China Oriental e Mar da China Meridional demonstram uma continuação dessa abordagem flexível e oportunista. Com os Estados Unidos vacilando em sua resposta doméstica e falhando em liderar uma resposta internacional unificada e o Sudeste Asiático sitiado pelo COVID-19, certamente há espaço para Pequim pressionar sua vantagem e buscar oportunidades para defender seus próprios interesses. Além disso, preocupações crescentes de que as forças armadas dos EUA possam enfrentar problemas de prontidão com vários múltiplos navais provavelmente confirmarão as percepções de Pequim de que a situação é propícia a mais oportunismo. De fato, a versão em inglês do site oficial do PLA publicou um comentário afirmando: "O surto de COVID-19 reduziu significativamente a capacidade de desdobramento de navios de guerra da Marinha dos EUA na região Ásia-Pacífico". E um artigo separado afirmava que nenhum militar havia sido infectado com COVID-19 e que a pandemia “melhorou a prontidão de combate das forças armadas chinesas”.

Um complexo de bares e boates em Bangcoc antes do governo tailandês anunciar planos de fechar lugares que atraem multidões. (Adam Dean / The New York Times)

As ações pós-pandemia da China sugerem fortemente que Pequim procura demonstrar ao mundo que o PLA não foi afetado pelo coronavírus (com toda a probabilidade ele foi). Essa mensagem pretende enfatizar que não é o momento de tentar tirar proveito do foco da China em suprimir a epidemia, reviver sua economia e sustentar a estabilidade política interna. Ao mesmo tempo, Pequim provavelmente está usando esses incidentes para sondar seus adversários em busca de indícios de fraqueza e distração, buscando oportunidades para mudar o status quo a favor da China. Embora a pandemia possa ser a causa de tal comportamento, não é uma nova estratégia. Pelo contrário, é um reflexo do oportunismo e assertividade que têm sido uma marca registrada da abordagem pré-pandêmica da China. Olhando para o futuro, os Estados Unidos e o restante do Indo-Pacífico devem esperar um oportunismo contínuo da China.

Queimando a casa: pontos de observação para escalada

Dizer que a China está apenas perseguindo sua estratégia oportunista de longa data em sua periferia não significa dizer que uma escalada adicional é improvável. Dependendo do que Pequim julgue ser o nível de fraqueza entre os estados regionais e a distração em Washington, pode determinar que agora é precisamente o momento de impulsionar suas ambições na região o máximo possível.

Há vários pontos de observação que analistas e formuladores de políticas devem procurar para averiguar se a estratégia da China, particularmente no Mar do Sul da China, entrou em uma fase nova e escalatória.

- Tentativa decisiva de alterar o status quo

Grupo de assalto chinês comunista atacando com lança-chamas a Cota 203, defendida pelos chineses nacionalistas, em 18 de janeiro de 1955.

Claramente, a coisa mais significativa que a China poderia fazer para tirar proveito do caos causado pelo novo coronavírus seria tomar ações decisivas para tentar afastar um requerente de um ativo no qual ele tenha controle militar ou administrativo de fato. Tal ação não precisa constituir um grande esforço novo da China, mas poderia ser simplesmente a extensão lógica dos esforços atuais. Por exemplo, a Ilha Thitu é um ativo controlado pelas Filipinas em torno das quais milícias marítimas chinesas estão patrulhando há 16 meses. Seria um candidato potencial a um esforço em larga escala da China para interromper o movimento e reabastecimento filipinos com o objetivo de tornar insustentável a posição filipina na ilha. De fato, a única razão pela qual Pequim pode não fazer tal movimento é que a orientação estratégica das Filipinas está tendendo à China há algum tempo, e ela pode simplesmente não querer atrapalhar. Outro passo escalatório que Pequim poderia considerar seria estender suas fronteiras marítimas traçando linhas de base retas ao redor das Ilhas Spratly, afirmando assim uma reivindicação legal a ainda mais das águas do Mar da China Meridional. Tal medida aumentaria a guerra legal de Pequim no Mar da China Meridional e aumentaria drasticamente as tensões com os estados demandantes afetados, talvez mais notavelmente o Vietnã.

- Nova militarização

Fuzileiros navais vietnamitas com o uniforme azul claramente influenciado pelo azul chinês, mas no padrão Flecktarn alemão. As forças navais da região vêm respondendo à escalada militar chinesa.

Desde que a China iniciou seu esforço de construção de ilhas em 2014, ela vem adicionando constantemente infraestrutura e ativos militares aos ativos expandidos que construiu no Mar da China Meridional. Isso incluiu novas pistas, hangares e portos que abrigam aeronaves de combate de ponta, mísseis terra-ar e anti-navio e dispositivos de radar - tudo isso apesar do compromisso público de Xi Jinping de não militarizar o Mar da China Meridional. Embora o cavalo tenha saído quase todo do celeiro em termos de militarização da China, qualquer nova introdução de ativos militares ofensivos nos ativos chineses no Mar da China Meridional seria outra escalada notável. As possibilidades incluem a introdução de novos recursos de guerra anfíbia, navios da marinha ou da guarda costeira chinesas em portos continentais com ativos recém-militarizados, e a introdução de novos sistemas de guerra hipersônicos ou anti-submarinos, cada um dos quais aumentaria materialmente os recursos de projeção de poder da China e a aproximaria do objetivo de controle efetivo do Mar da China Meridional.

- Comunicações Públicas Aprimoradas

Outro indicador a ser observado é uma linha pública mais assertiva nas declarações oficiais e nos órgãos da mídia estatal sobre os direitos históricos chineses à região, ao Mar da China Meridional em geral, ou ativos em particular. Esse tipo de mensagem serve como uma distração útil para as turbulências domésticas relacionadas a pandemias em andamento para Pequim e pode servir para minar a vontade política em outros estados demandantes. Embora não seja necessariamente necessária - a China fez grandes movimentos no Mar da China Meridional com pouco alarde público - uma mudança nas mensagens oficiais seria um indicador principal útil do próximo estágio do seu oportunismo.

- Oportunismo "Horizontal"

Forças Especiais da Real Gendarmeria do Camboja armados com fuzis QBZ-95 chineses.

Embora os pontos de observação acima se refiram principalmente a ações assertivas contra outros estados que se opõem às reivindicações expansivas de Pequim no Mar da China Meridional, a China também poderia usar esse tempo para consolidar e expandir ganhos entre estados regionais amigos. O candidato mais óbvio aqui é o Camboja, com seus laços mais profundos com, e dependência de, Pequim. Apesar das múltiplas garantias do primeiro-ministro cambojano, Hun Sen, de que violaria a constituição para permitir que forças estrangeiras entrassem no Camboja, ele poderia escorregar uma mudança na interpretação da constituição de várias maneiras. Apesar das preocupações com doenças, a China e o Camboja acabaram de encerrar um exercício conjunto de duas semanas, e ampliar as instalações proto-militares de Pequim no país seria o aprimoramento mais direto da posição de poder da China na região. Tal medida não implicaria reivindicações territoriais de nenhum outro país, seria bastante desafiadora para os Estados Unidos e outros responderem e teria efeitos estratégicos significativos no Mar da China Meridional de várias maneiras diferentes.

O embaixador chinês Wang Wentian (centro) e o Ministro da Defesa cambojano Tea Banh no encerramento do exercício militar Dragão Dourado 2020 na província de Kampot, no Camboja, em 31 de março de 2020. (PRC Embaixada do Camboja)

- Mar da China Meridional Quid Pro Quos*

*Nota do Tradutor: Quid pro quo é uma expressão latina que significa "tomar uma coisa por outra", fazendo referência, no uso do português e de todas as línguas latinas, a uma confusão ou engano. Em inglês indica "um favor por um favor".

Talvez a ação mais provável e insidiosa da China seja a de vincular as disputas de soberania do Mar da China Meridional à assistência econômica e de saúde aos países que lidam com o COVID-19. Até o momento, a China não teve vergonha de estabelecer vínculos entre a assistência ao coronavírus e seus projetos da Iniciativa do Cinturão e Rota, e não seria exagero estendê-lo à “coprodução” relacionada a depósitos de energia ou acesso a certos ativos no Mar da China Meridional para a China. As Filipinas, novamente, seriam um alvo provável para esses esforços, embora os blocos de exploração de petróleo atualmente mantidos pelo Vietnã e outros também sejam um foco potencial. Com o tempo, esse tipo de vinculo só pode crescer. Como as economias dos EUA e da Europa são duramente atingidas pela crise econômica induzida pelo coronavírus, os Estados Unidos podem esperar que Pequim perceba e procure explorar uma grande janela de oportunidade.

Em suma, existem muitas maneiras pelas quais a estratégia oportunista da China pode evoluir no meio da crise do COVID-19, e uma atenção cuidadosa ao conjunto de indicadores acima pode ajudar a prever o próximo estágio da escalada.

Tem que haver uma maneira: respondendo ao oportunismo da China

A assertividade chinesa não desaparecerá. De fato, considerando as tensões em curso no Estreito de Taiwan e o crescente número de ativos militares, de guarda costeira e milícias da China nos mares da China Oriental e Meridional, é provável que o potencial para futuros incidentes aumente com o tempo. Ainda assim, à medida que esses desafios se intensificam, aumentará a necessidade dos Estados Unidos demonstrarem capacidade de estabelecer uma agenda internacional e liderar o restante da região em uma resposta coordenada à assertividade e ao oportunismo chineses. Em outras palavras, se os chineses pressionarem, os Estados Unidos devem garantir que encontrem aço.

Fuzileiros navais americanos do III MEU no Mar do Japão, em 6 de setembro de 2015.

Primeiro, os Estados Unidos devem deixar claro que não tolerarão esforços de nenhum país para tirar proveito da pandemia em andamento para revisar o status quo. É necessária uma mensagem clara de Washington, ecoada por aliados e parceiros em todo o mundo, de que o mundo precisa de estabilidade se ele for conseguir enfrentar essa crise com sucesso. No entanto, na Ásia, as palavras devem ser apoiadas com ações. Qualquer mensagem deve incluir esforços de apoio para demonstrar a vontade e a capacidade de se opor ao oportunismo chinês, continuando um ritmo constante de operações em todo o Indo-Pacífico e conduzindo operações multilaterais em conjunto com aliados e parceiros regionais que não expõem os militares a riscos adicionais, tais como patrulhas marítimas ou aéreas combinadas.

Uma questão importante é como os vizinhos da China no Mar da China Meridional - especialmente Filipinas, Vietnã, Malásia e Indonésia - reagem a esse oportunismo. Isso pode representar uma oportunidade para os Estados Unidos empoderarem esses relacionamentos e capacitá-los a reagir contra a assertividade chinesa. Isso exigirá fornecer aos reclamantes as capacidades, infraestrutura e treinamento necessários para monitorar seus domínios marítimos e complicar os esforços de Pequim para afirmar seus interesses sem o risco de escalada. Diplomaticamente, Washington poderia apoiar os esforços dos vizinhos da China para negociar um código de conduta válido e robusto com base em leis e normas internacionais estabelecidas que seja consistente com a decisão de arbitragem do Tribunal de Haia em 2016 sobre o Mar da China Meridional.

Economicamente, os Estados Unidos têm a oportunidade de ajudar Taiwan e os países do Sudeste Asiático que disputam as reivindicações da China sobre o Mar da China Meridional a reduzir sua dependência econômica da China, buscando acordos para expandir o comércio e o investimento bilaterais e multilaterais. Um aspecto dessa estratégia poderia incluir o empréstimo de uma iniciativa do Japão, que anunciou recentemente planos para alocar US$ 2 bilhões em incentivos para empresas deixarem a produção fora da China. Considerando a fuga significativa de manufatura da China e para Taiwan e sudeste da Ásia, iniciada antes do surto de COVID-19, esse esforço poderia apoiar forças de mercado preexistentes.

Por fim, é importante que os Estados Unidos e seus aliados e parceiros entendam que a China não mudou sua abordagem. O oportunismo e assertividade que foram demonstrados nos últimos meses, na realidade, existem há anos. No entanto, Washington estaria se iludindo se confiasse que a China não tiraria vantagem da situação atual. Mesmo enfrentando perdas devastadoras do novo coronavírus, os Estados Unidos não podem se dar ao luxo de agir como se a geopolítica e a concorrência tivessem sido suspensas. De qualquer forma, a competição pelo futuro do Indo-Pacífico se intensificou, e os Estados Unidos devem liderar uma resposta.

Abraham Denmark é diretor do Programa da Ásia no Centro Internacional para Acadêmicos Woodrow Wilson (Woodrow Wilson International Center for Scholars) e ex-vice-secretário de defesa adjunto para o Leste Asiático.

Charles Edel é membro sênior do Centro de Estudos dos Estados Unidos da Universidade de Sydney e trabalhou anteriormente na Equipe de Planejamento de Políticas da Secretaria de Estado dos EUA (U.S. Secretary of State’s Policy Planning Staff).

Siddharth Mohandas é membro sênior adjunto do Center for a New American Security e atuou anteriormente como vice-diretor principal da Equipe de Planejamento de Políticas da Secretaria de Estado dos EUA (U.S. Secretary of State’s Policy Planning Staff).

Leitura recomendada: 






LIVRO: Forças Terrestres Chinesas, 29 de março de 2020.





VÍDEO: Tributo às Spetsnaz