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quinta-feira, 7 de outubro de 2021

ENTREVISTA: Um "nível diferente" de sniper militar


Por Adnan R. Khan, Mclean's, 22 de junho de 2017.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 7 de outubro de 2021.

As distâncias são alucinantes: em 2002, Master Cpl. Arron Perry, da Infantaria Ligeira Canadense da Princesa Patrícia, mirou em um insurgente afegão a uma distância de 2.300 metros e acertou seu alvo, estabelecendo o recorde mundial para o mais longo tiro de abate confirmado da história militar. Não muito depois, Cpl. Rob Furlong, na mesma operação, ultrapassou seu irmão de armas com uma morte confirmada a 2.430 metros. Seu recorde duraria mais, até 2009, quando um atirador britânico, Craig Harrison, deu um tiro de 2.475 metros.

Em 21 de junho, o recorde de Harrison foi quebrado por outro canadense, um atirador de elite das forças especiais que, de acordo com os militares canadenses, matou um combatente do ISIS em Mosul a uma incrível distância de 3.540 metros.

Atiradores de elite canadenses, incluindo Rob Furlong, no Afeganistão em 2002.
(Stephen Thorne / CP)

Vamos colocar isso em perspectiva: se alguém empilhasse seis CN Towers de ponta a ponta, ainda teria mais de 200 metros faltando. A bala, de acordo com especialistas militares, teria viajado por quase 10 segundos antes de atingir o alvo. O atirador não só teria que levar em consideração as condições do vento, mas, àquela distância, também a curvatura da Terra (Efeito Coriolis).

Mais surpreendente, talvez, é o fato de que, nos últimos 15 anos, o recorde de franco-atiradores de combate ativo foi quebrado quatro vezes, e três delas foram por canadenses.

Isso não é coincidência, diz Furlong, que agora dirige uma academia de tiro ao alvo em Edmonton.

Efeito Coriolis foi popularizado pelo jogo Call of Duty  4: Modern Warfare na missão "All Ghillied Up"


“Venho dizendo isso há muito tempo”, diz ele ao Maclean's por telefone. “Os snipers canadenses são os melhores do mundo. O programa de treinamento sniper já existe há muito tempo. É a base e foi reformulada a partir das lições aprendidas no Afeganistão. Nós o construímos para ser o melhor.”

Este último registro, Furlong acrescenta, levou o sniping “a um nível diferente”. Os snipers canadenses são considerados dentro os melhores do mundo, em parte porque não são ensinados simplesmente a acertarem seus alvos. Como grande parte dos militares canadenses, muitos são treinados com habilidades acima de seu posto existente, no caso do atirador de elite como Mestre de Unidade de Snipers, o que significa que eles têm as habilidades para projetar e executar operações complexas se for necessário. Isso por si só pode não torná-los melhores atiradores, mas a gestalt (forma) de treinamento-sniper e pensamento-de-comando combinados poderia explicar sua habilidade.

A prática de equipar soldados com mais do que as habilidades de que precisam no campo de batalha tem servido bem aos militares canadenses. No Afeganistão, os resultados foram claros. O Maclean testemunhou em primeira mão como os soldados em patrulha, às vezes por dias em território inimigo, operavam como equipes unidas. As decisões de comando foram feitas com a entrada de diferentes patentes, oferecendo várias perspectivas aos comandantes de patrulha.

Atirador e observador canadenses no Afeganistão.
Ambos são snipers treinados, geralmente o observador sendo o mais experiente.

O nível de treinamento que o Canadá oferece a seus soldados, especialmente seus comandos de elite JTF2, é a força motriz por trás da reputação do Canadá de colocar em campo um exército altamente qualificado e intelectualmente capaz.

“Este é um ponto muito importante”, diz Chris Kilford, um oficial de artilharia canadense aposentado e agora membro do Centro de Política Internacional e de Defesa da Queen’s University. “Fiquei muito impressionado com os jovens de nossas forças especiais com os quais interagi no exterior. Cabos e cabos mestres: brilhantes e articulados. Também acho que, em geral, nosso pessoal muitas vezes é capaz de trabalhar em um nível mais alto do que o galão em seu ombro.”

Furlong concorda, acrescentando que os soldados canadenses possuem mais "treinamento cruzado" do que muitos outros soldados no mundo, e os atiradores de elite canadenses especificamente têm todas as oportunidades de buscar um treinamento de liderança que refine suas capacidades mentais, um componente-chave para o trabalho psicologicamente exigente que fazem.

Ainda assim, existem os pessimistas. O suboficial (Warrant Officer) Oliver Cromwell, instrutor da escola de infantaria do CFB Gagetown em New Brunswick, que ministrou cursos de atirador de elite, adverte que são necessárias mais informações antes que a distância de 3.450 metros seja confirmada.

“Há uma diferença entre a faixa de ângulo de inclinação e a faixa real”, diz ele. “O alcance do ângulo inclinado - se o atirador estiver em uma posição elevada em relação ao alvo - pode parecer maior que o alcance real, às vezes duas vezes a distância real. Eu não quero ser um contrariador, mas esses são apenas os fatos.”

Alguns fóruns online também questionaram a validade do novo registro. Em um caso, um colaborador de uma discussão militar sugeriu que o sniper provavelmente atirou contra uma multidão de combatentes do ISIS e acertou um deles.

Mas Furlong aponta que esses tipos de distâncias, 3.000 metros em diante, são regularmente alcançados no campo de tiro.

“Não é uma distância impossível”, diz ele. “A diferença é entre um campo de tiro e um campo de batalha. Eles são dois ambientes completamente diferentes. A pressão que esses caras estão sofrendo é enorme. Então, para os contrariadores, eu diria apenas, isso pode ser feito.”

Quanto aos homens que conseguiram isso - atiradores trabalham em pares, incluindo um observador (spotter) - Furlong diz que provavelmente não perceberam o que fizeram até mais tarde. “Quando quebramos o recorde, não sabíamos até voltar à base”, diz ele. “Para ser honesto, eu realmente não me importei, nem quando o quebrei ou quando o meu foi quebrado. Os recordes são feitos para serem quebrados.”

Ainda assim, a menos que haja grandes avanços em equipamentos, Furlong acrescenta, este deve permanecer por muito tempo.

Sugestão de Leitura do Warfare: The Longest Kill

The Longest Kill.
Sargento Craig Harrison.

Escrito pelo sargento de cavalaria (Corporal of Horse) britânico Craig Harrison, o penúltimo sniper detentor do recorde de mais longo abate, é um dos melhores livros sobre sniping em existência. O Sargento Harrison superou uma infância difícil e as barreiras do Exército Britânica (cavalarianos não podiam ser snipers) e serviu tanto nos Bálcãs nos anos 1990 quanto no Iraque e Afeganistão na Guerra Global ao Terror.

O título completo do livro é The Longest Kill: The story of Maverick 41, one of the world's greatest snipers. Maverick 41 foi o codinome de Harrison durante sua ação como sniper no Afeganistão, incluindo aquela onde quebrou o recorde: uma patrulha com os paraquedistas britânicos em Helmand.

Craig sempre detalha minuciosamente as técnicas e os termos utilizados durante a narrativa do livro. Leitura mais que recomendada.

sexta-feira, 1 de outubro de 2021

FOTO: Sniper australiano na selva

Sniper australiano se deslocando em ambiente selvático, 2021.

Um atirador de elite do Exército Australiano do 6º Batalhão, Regimento Real da Austrália (6th Battalion, Royal Australian Regiment (6 RAR)), muda de posição durante uma atividade de fogo real como parte do Exercício Diamond Walk, em Shoalwater Bay, na região de Queensland, na Austrália, 2021.

O Exercício Diamond Walk 2021 visa melhorar a cooperação entre os elementos da 7ª Brigada de Combate, cada um com a sua especialização. Quase 1.100 soldados e 500 veículos estiveram presentes na cerimônia de abertura.

Bibliografia recomendada:

Out of Nowhere:
A History of the Military Sniper.
Martin Pegler.

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

FOTO: Mercenários noruegueses do Grupo Wagner na Síria?

Mercenários do Grupo Wagner na Síria com uma bandeira da Noruega em 2017.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 15 de setembro de 2021.

O que aparentam ser mercenários noruegueses do Grupo Wagner na Síria, a famosa Companhia Militar Privada (Private Military Company, PMC) russa controlada pelo GRU - a inteligência militar russa. Os pretensos voluntários noruegueses têm armas russas, como o AK-74M, e o sniper, sentado no canto direito, tem um fuzil M1891/30 Mosin-Nagant com a luneta PU de ampliação de 3,5x; um fuzil veterano do final do século XIX, que lutou em conflitos tão diversos quanto a Guerra Russo-Japonesa (1904-1905), as guerras mundiais, a Guerra Civil Espanhola (1936-39) e as guerras na Indochina (1945-89).

O Grupo Wagner chegou à Síria no final de outubro de 2015 e participou de operações em Palmira, al-Shaer, Deir ez-Zor, Latakia e Damasco. Suas missões incluíam funções técnicas de aconselhamento e controle de apoio aéreo aproximado, além de atuarem como tropas de assalto à frente do Exército Árabe Sírio de Assad.

Mercenários com o fuzil de assalto russo AK-74M com o lança-granadas GP-25 ou GP-30M.

O mercenário tem um fuzil AK-74M com lança-granadas, e a viatura tem uma metralhadora Degtyaryov RP-46.

Bibliografia recomendada:

The "Wagner Group":
Africa's Chaos in an Economic Boom.
Intel Africa.
Leitura recomendada:






terça-feira, 14 de setembro de 2021

NOHED: As Forças Especiais do Irã


Por Eren Ersozoglu, Grey Dynamics3 de setembro de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 13 de setembro de 2021.


Principais descobertas sobre a NOHED:

Brigada de “Forças Especiais Aerotransportadas” NOHED, estabelecida em 1959 como parte das Forças Especiais Imperiais do Irã. As Forças Especiais dos EUA durante a década de 1960, antes da Revolução Iraniana de 1979, treinaram o grupo. O Irã utilizou principalmente o NOHED na Guerra Irã-Iraque (1980-88).

O Coronel Holako Ahmadian liderou o grupo. A brigada é a elite das unidades de forças especiais do Irã. Em 4 de abril de 2016, as autoridades anunciaram oficialmente que a NOHED estava presente na Síria para apoiar o governo Assad na Guerra Civil Síria. A narrativa oficial era de desdobramento "consultivo".

Fontes não-oficiais de altas fatalidades sofridas pela unidade aumentam a improbabilidade dessa narrativa. O general iraniano Ali Arasteh apoiou esta avaliação. Ele afirmou que comandos e atiradores de elite (snipers) de suas forças armadas podem ser usados como "conselheiros militares".

É altamente provável que a NOHED permaneça na Síria em uma capacidade consultiva e operacional.

A NOHED, em uníssono com o Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC) e a secreta Força Quds, tem estado muito ativa na Síria. Este artigo de inteligência da Grey Dynamics analisa a unidade de forças especiais do Irã, fornecendo informações básicas, capacidades e presença na Síria.

Operadores da NOHED no Curdistão durante a Guerra Irã-Iraque.

Os Boinas Verdes do Irã

As raízes da NOHED remontam a 1953, quando oficiais do Exército Imperial Iraniano participaram de treinamento de paraquedismo na França. O Batalhão de Paraquedistas foi estabelecido em 1959, uma reforma da Unidade de Paraquedistas criada pelos oficiais treinados na França. Esta unidade tornou-se a 23ª Brigada de Forças Especiais Aerotransportadas em 1970, adotando as boinas verdes de estilo americano. O emblema da unidade até espelhava de forma quase idêntica (antes da Revolução Iraniana) a insígnia De oppresso liber das Forças Especiais do Exército dos EUA. Isso foi o resultado do envio de quatro destacamentos operacionais de operadores de forças especiais pelos EUA para treinar o pessoal militar do Irã na década de 1960. Parte desse treinamento incluiu a 65ª Brigada de Força Especial Aerotransportada do Irã, que agora é chamada de 65ª Brigada NOHED, um componente-chave das forças especiais iranianas. A brigada é dividida em quatro unidades principais: resgate de reféns, operações psicológicas, apoio e guerra irregular.

Comandos boinas verdes iranianos.

Treinamento

Passar no treinamento para a unidade de forças especiais do Irã, apelidada de "fantasmas poderosos" dentro do exército iraniano, é extremamente difícil. Aqueles que passam no treinamento inicial de paraquedismo passam períodos de treinamento em desertos, florestas, neve, mar e montanhas. Este estágio visa cultivar a capacidade de engajar efetivamente os adversários em qualquer ambiente. Obtidos os pontos necessários nesta etapa, dá-se início à etapa de especialização. Por exemplo, a Unidade de Resgate de Reféns (Unidade-110) provavelmente envolveria ênfase no arrombamento e eliminação de bombas. Outra seção do treinamento envolve espionagem, reconhecimento e telecomunicações, bem como guerra irregular. Isso fornece a capacidade para a guerra de guerrilha. Essas características permitem a utilização da NOHED em guerras híbridas/irregulares (Iraque, Síria) para atender aos objetivos do Estado iraniano. Com aproximadamente 5.000 militares, um relatório do Poder Militar do Irã da Agência de Inteligência de Defesa de 2019 afirmou que a Brigada NOHED é a elite das forças especiais iranianas.

A Unidade de Resgate de Reféns (Unidade-110) da NOHED durante um exercício de missão de resgate de reféns, o homem da frente armado de submetralhadora Uzi.

Lista de Ataques

Ao longo da história da unidade de forças especiais iranianas, a Brigada NOHED estabeleceu sua reputação dentro dos círculos militares iranianos com ações realizadas em teatros de guerra:
  • Primeira experiência de combate na Guerra Civil de Omã 1963-76.
  • Supressão da revolta do Khuzistão de 1979.
  • Rompimento do cerco de Abadan (1980-81) durante a Guerra Irã-Iraque, as forças iraquianas que lançaram um ataque surpresa em território iraniano foram retidas com sucesso pela 23ª Brigada de Forças Especiais Aerotransportadas.
  • Durante a Guerra Irã-Iraque, a unidade conseguiu manter posições estratégicas em Dopaza e Laklak, apesar dos ataques químicos do Iraque.
  • Em uma operação simulada, a 65ª tomou e capturou centros estratégicos importantes pela capital Teerã, alcançando o sucesso da missão em 2 horas.
Existem vários relatos não-confirmados de operações clandestinas no Afeganistão e no Paquistão. No entanto, não está claro até que ponto as capacidades de guerra irregular desta unidade ocorreram ao longo da história recente.

 A pegada na Síria

A Guerra Civil Síria de 2011 levou ao governo de Assad, grupos de oposição, forças estrangeiras proxy (terceirizadas), Forças Democráticas Sírias Curdas (SDF) e forças do Estado Islâmico a ficarem engalfinhados em um conflito em curso. Um dos muitos países envolvidos foi o Irã, fornecendo ao governo Assad apoio monetário, logístico, militar e diplomático. Em abril de 2016, o brigadeiro-general iraniano Ali Aratesh informou à Agência de Notícias Tasnim que assessores da 65ª Brigada NOHED estavam estacionados na Síria. O que significa que é provável que a unidade das forças especiais do Irã estivesse presente já em 2011-12, quando oficiais de inteligência ocidentais afirmaram que 150 membros do Corpo da Guarda Revolucionária Iraniana (IRGC) estavam presentes na Síria para apoiar Assad.

Em 10 de abril de 2016, reportagens afirmavam que beligerantes assassinaram um sargento da NOHED na Síria. Desde então, a atividade iraniana aumentou significativamente na Síria. Relatórios não-confirmados mostram pelo menos 30 membros da NOHED mortos apenas em 2016. O Irã utiliza combatentes xiitas do Afeganistão, Iraque, Paquistão, bem como o notório proxy Hezbollah. As forças militares apoiadas pelo Irã controlam os arredores de Damasco, com várias bases na Síria. A Síria está sofrendo com uma guerra contínua em um ambiente altamente volátil e com numerosos interesses. É nesse ambiente irregular que a Brigada NOHED foi treinada para operar e, sem dúvida, será utilizada.


Eren Ersozoglu é analista da Grey Dynamics. Ex-graduado em história pela Coventry University com foco em ligações entre terrorismo e crime organizado e estudos de inteligência e segurança, graduou-se na Brunel University.

Bibliografia recomendada:

World Special Forces Insignia.
Gordon L. Rottman e Simon McCouaig.

Leitura recomendada:

É por isso que as Forças Especiais do Irã ainda usam boinas verdes, 4 de janeiro de 2020.

COMENTÁRIO: O treinamento militar do Irã de acordo com um iraniano, 5 de fevereiro de 2021.

GALERIA: A Uzi iraniana3 de março de 2020.

A influência iraniana na América Latina, 15 de setembro de 2020.

O papel da América Latina em armar o Irã16 de setembro de 2020.

A Venezuela está comprando petróleo iraniano com aviões cheios de ouro, 8 de novembro de 2020.

Irã envia a maior frota de petroleiros de todos os tempos para a Venezuela15 de dezembro de 2020.

O desafio estratégico do Irã e da Venezuela com as sanções13 de setembro de 2020.

As Forças de Defesa de Israel fazem uma abordagem ampla ao lidar com a ameaça iraniana16 de dezembro de 2020.

Com a série de espiões "Teerã", os israelenses alcançam um inimigo1º de outubro de 2020.

quarta-feira, 25 de agosto de 2021

A morte invisível: snipers e a guerra de contra-insurgência


Por Martin Forgues, SOFREP, 8 de janeiro de 2017.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 25 de agosto de 2021.

Muito tem sido escrito sobre as estratégias e táticas de contra-insurgência (COIN) sendo usadas no Afeganistão e no Iraque - ou melhor, não usadas. Em 2007-2008, durante meus dias de exército em Kandahar, lembro-me de comandantes se gabando incessantemente de como “nós acertamos totalmente essa coisa de COIN”, sempre gargarejando citações de especialistas como o estudioso de COIN David Galula. Ele foi um oficial do Exército Francês que lutou na Guerra da Independência da Argélia e é considerado o principal teórico de COIN. Ele é até citado como inspiração para a estratégia "Surge" de David Petraeus no Iraque, ajudando a tornar a guerra um pouco menos o fiasco do que acabou se tornando.

Exceto que não estávamos. Em absoluto. Este é o primeiro de uma série de três artigos que abordará questões sérias sobre a maneira como os Estados Unidos, Canadá e outros países da OTAN conduziam o que pensavam ser operações COIN. Vou sugerir novas abordagens que, em conflitos atuais e futuros, podem melhorar a eficiência e minimizar as mortes de civis de modo que as guerras não possam mais ser, nas palavras do meu ex-comandante de pelotão PSYOPS, "para ganhar tempo".

Parte 1: Snipers


Em outubro de 2007, uma equipe de morteiros talibã estava bombardeando posições canadenses perto de Gundhey Ghar. Uma patrulha de reconhecimento com uma equipe de snipers incorporada foi enviada e eles identificaram a localização dos insurgentes. Carregando um fuzil .50 McMillan TAC-50 (designado C15 no arsenal das Forças Canadenses) com alcance efetivo de 1.970 jardas, os snipers pediram permissão para engajar o inimigo. A autorização para snipers tinha que vir da brigada, ou seja, um general de brigada. Dado o calibre e a velocidade de 2.641 pés da arma, eliminar os insurgentes e desativar o tubo de morteiro estava dentro das capacidades da equipe de snipers, com quase nenhum risco de matar ou ferir civis. Mesmo assim, a permissão foi negada e uma bomba de 500 libras foi lançada sobre os insurgentes.

Objetivo destruído, missão cumprida, certo?

Errado. Vários aldeões afegãos ficaram feridos durante o ataque aéreo. Poucos dias depois, o número de IEDs triplicou na área ao redor da posição canadense. Toda a energia e recursos gastos no estabelecimento de relações vitais com as tribos locais foram destruídos pelos esforços de propaganda do Talibã.

Não está claro o que motivou a decisão de recorrer ao Apoio Aéreo Aproximado em vez de usar a equipe de snipers que já estava disponível e dentro do alcance. Mas se o efeito desejado era enviar uma mensagem sobre o poder de fogo da OTAN, isso significava que o Comando não havia compreendido os conceitos básicos da guerra COIN. Em guerras como a que travamos no Afeganistão, isto é más notícia.

Atirador canadense na Canadian International Sniper Concentration (CISC) em Gagetown, no Canadá.
Ele carrega seu C15A2 (McMillan Tac-50 com armação Cadex, bipé 
Falcon e gatilho DX2 de dois estágios).

Ainda assim, os atiradores de elite são provavelmente um dos muitos recursos militares que mostram o maior potencial ao conduzir operações baseadas em uma estratégia COIN. Ao contrário da guerra convencional, onde soldados uniformizados com capacidades em sua maioria iguais se enfrentam, guerras como a mais recente no Afeganistão envolvem um inimigo perverso que está escondido dentro de uma população local que pode ou não apoiá-los e, em caso afirmativo, frequentemente o faz por medo ou desespero.

Portanto, lutar contra um inimigo não-convencional como os insurgentes talibã e os combatentes estrangeiros da Al-Qaeda principalmente com meios convencionais - tanques, peças de artilharia, infantaria mecanizada - já semeia as sementes da derrota, pois infligem grandes baixas a civis e danos às infraestruturas, muitas vezes aqueles que participam de projetos de reconstrução têm como objetivo melhorar.

Os snipers, por outro lado, conseguem exatamente o oposto. Eles quase não causam vítimas civis, uma ressalva notável é o potencial de espectadores pegos em um fogo cruzado. Os fuzis de precisão modernos, como o TAC-50, têm um alcance incrível e são eficazes contra pessoal, veículos, armas e equipamentos inimigos. Eles são invisíveis, o que significa que a maioria dos civis não testemunha as mortes em larga escala e o inimigo não pode responder ao fogo. Essa última característica, combinada com uma campanha PSYOPS focada - outro recurso não-convencional - teria um efeito dissuasor em uma boa parte dos combatentes inimigos e asseguraria aos locais que os exércitos aliados tomam muito cuidado ao mirar apenas nos inimigos.

Dupla de snipers "canucks" (canadenses) no Afeganistão.

Agora, eu percebo que algumas pessoas por aí, veteranos ou não, podem ver isso como um pensamento positivo principalmente porque, e estou muito ciente disso, os franco-atiradores são escassos. Mas o Exército dos EUA já entendeu a necessidade e, de 2003 a 2011, a escola de atiradores de elite de Fort Benning abriu suas portas e aumentou o número de vagas abertas para alunos de 163 para 570.

Talvez seja a hora das Forças Canadenses fazerem o mesmo se quiserem continuar lutando em contextos de insurgência. E eles podem - além da turbulência cada vez maior na Ucrânia, a África é outro futuro teatro de operação altamente discutido para canucks de combate.

Martin Forgues é jornalista freelance e autor baseado em Montreal, Quebec, Canadá. Um veterano de 11 anos das Forças Armadas canadenses, ele serviu primeiro como soldado de infantaria, depois foi recrutado pela célula de Operações Psicológicas do Exército (Psychological Operations, PSYOPS) como Operador Tático e Analista de Público Alvo. Ele foi desdobrado na Bósnia em 2002 e no Afeganistão em 2007-2008. Seu primeiro livro, "Afghanicide", uma crítica abrangente da guerra do Canadá no Afeganistão, chegou às prateleiras em abril de 2014. Ele também tem interesses acadêmicos em Ciência Política e Filosofia em regime de meio período.

Bibliografia recomendada:

Out of Nowhere:
A History of the Military Sniper.
Martin Pegler.

Leitura recomendada:




FOTO: Canadenses no Mali, 13 de setembro de 2020.


segunda-feira, 23 de agosto de 2021

GALERIA: Crânio de um sniper japonês decorado pela 1ª Divisão de Fuzileiros Navais

Crânio de um sniper japonês tomado na Batalha de Guadalcanal, 1942.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 23 de agosto de 2021.

Durante a Segunda Guerra Mundial, foi comum que militares dos Estados Unidos mutilassem militares japoneses mortos na campanha do Pacífico. A mutilação de soldados japoneses incluiu a retirada de partes do corpo como troféus e lembranças de guerra. Dentes e crânios eram os "troféus" mais comuns, embora outras partes do corpo também fossem coletadas.

O fenômeno da "obtenção de troféus" foi bastante difundido para que a discussão a seu respeito aparecesse com destaque em revistas e jornais. O próprio Franklin Roosevelt teria recebido um abridor de cartas feito do braço de um soldado japonês pelo representante dos EUA Francis E. Walter em 1944, o qual Roosevelt mais tarde ordenou que fosse devolvido, pedindo seu enterro adequado. A notícia também foi amplamente divulgada ao público japonês, onde os americanos foram retratados como "desajustados, primitivos, racistas e desumanos". Isso, agravado por uma foto anterior da revista LIFE de uma jovem com um crânio presenteado como troféu, que foi reimpresso na mídia japonesa e apresentado como um símbolo da barbárie americana, causando choque e indignação nacionais. 

"Lembra da caveira?"
Caveira com a foto do sargento fuzileiro naval John Shough.

O recorte da história e alguns dentes coletados com coroas metálicas.

Snipers sempre foram alvo de retaliações quando capturados, geralmente mortos a tiros na hora, ou torturados e mortos. Isso aconteceu em todas as frentes. Os snipers japoneses eram particularmente odiados por questões raciais e pela selvageria da guerra no Pacífico - por vezes descrita como "barbarismo medieval" - o que explica todo o trabalho em fazer desse sniper japonês em particular um troféu tão requintado. A coleta de pedaços humanos de forma generalizada, especialmente crânios e dentes, foi específica do Pacífico visando japoneses.

O recorte acompanhando o crânio japonês descreve a história:

O sargento de recrutamento fuzileiro naval John Shough, de Springfield, segura o crânio de um sniper japonês que foi morto em Guadalcanal 20 anos atrás durante a Segunda Guerra Mundial.

Antes que o sniper japonês fosse plotado amarrado no alto de uma árvore, ele matou um jovem fuzileiro naval que ganhara um nome e tanto durante a luta. Para vingar sua morte, outros fuzileiros navais de seu grupo decapitaram o sniper e em seu crânio pintaram o emblema da Primeira Divisão de Fuzileiros Navais e a bandeira americana.

Hoje, o Corpo de Fuzileiros Navais está tentando encontrar alguém que se lembre do fuzileiro naval não-identificado. Ele deseja conferir postumamente várias medalhas ao jovem fuzileiro naval.

O crânio japonês, devolvido a este país por um oficial fuzileiro naval após a batalha de Guadalcanal, passou por estações de recrutamento dos Fuzileiros Navais da Costa Oeste, para o Sudoeste, Montanhas Rochosas e agora para o Centro-Oeste. Até hoje, ninguém se lembra do nome do fuzileiro naval.

Foto da semana na revista LIFE em 22 de maio de 1944. A legenda original diz:
"A operária do Arizona escreve ao namorado da Marinha um bilhete de agradecimento pela caveira japa que ele lhe enviou".

Em 22 de maio de 1944, a revista LIFE publicou a foto de uma garota americana com uma caveira japonesa enviada a ela por seu namorado oficial da marinha. A legenda da imagem dizia: "Quando ele se despediu de Natalie Nickerson, 20, uma operária de guerra de Phoenix, Arizona, dois anos atrás, um grande e bonito tenente da Marinha prometeu a ela um japa. Na semana passada, Natalie recebeu um crânio humano autografado por seu tenente e 13 amigos, e escreveu: "Este é um bom japa - um morto apanhado na praia da Nova Guiné." Natalie, surpresa com o presente, chamou-o de Tojo; o apelido depreciativo do soldado japonês pelos americanos, por conta do general japonês Hideki Tojo. As cartas que a LIFE recebeu de seus leitores em resposta a esta foto foram "esmagadoramente condenatórias" e o Exército instruiu seu Bureau de Relações Públicas a informar aos editores americanos que "a publicação de tais histórias provavelmente encorajaria o inimigo a fazer represálias contra americanos mortos e prisioneiros-de-guerra". O oficial subalterno que enviou o crânio também foi encontrado e oficialmente repreendido, mas isso foi feito com relutância e a punição não foi severa. A imagem foi amplamente reproduzida no Japão como propaganda anti-americana.

A foto da LIFE também levou as forças armadas americanas a tomarem novas medidas contra a mutilação de cadáveres japoneses. Em um memorando datado de 13 de junho de 1944, o JAG do Exército afirmou que "tais políticas atrozes e brutais" além de serem repugnantes também eram violações das leis da guerra, e recomendou a distribuição a todos os comandantes de uma diretriz indicando que "os maus-tratos a inimigos mortos de guerra eram uma violação flagrante da Convenção de Genebra de 1929 sobre Doentes e Feridos, que estabelecia que: Após cada confronto, o ocupante do campo de batalha deve tomar medidas para procurar os feridos e mortos e protegê-los contra a pilhagem e os maus-tratos." Além disso, tais práticas violavam as regras não escritas dos costumes da guerra terrestre e podiam levar à pena de morte. O JAG da Marinha refletiu essa opinião uma semana depois, e também acrescentou que "a conduta atroz da qual alguns militares americanos eram culpados poderia levar a retaliação por parte dos japoneses, o que seria justificado pelo direito internacional".

Para a religião xintoísta, que atribui um valor emocional muito maior ao tratamento de restos mortais humanos, o choque e indignação contribuiu para uma preferência pela morte em vez da rendição e da ocupação.

"A ideia do crânio de um soldado japonês se transformar em um cinzeiro americano era tão horrível em Tóquio quanto a ideia de um prisioneiro americano usado para a prática de baioneta em Nova York."

Edwin P. Hoyt, Japan's War: The Great Pacific Conflict, 1987, pg. 358.

Cozimento de crânio:

Crânios valiam em torno de 35 dólares em dinheiro, uma soma considerável na época, ou eram trocados por outros itens com marinheiros e outros não-combatentes. Eles também eram enviados para civis nos Estados Unidos.

Em 1944, o poeta americano Winfield Townley Scott estava trabalhando como repórter em Rhode Island quando um marinheiro exibiu seu troféu de caveira na redação do jornal. Isso levou ao poema The U.S. sailor with the Japanese skull (O marinheiro americano com a caveira japonesa), que descreveu um método de preparação de crânios para a retirada de troféus, no qual a cabeça é esfolada, rebocada por uma rede atrás de um navio para limpá-la e poli-la, e no final esfregado com soda cáustica.

Vários relatos em primeira mão, incluindo os de soldados americanos, atestam a tomada de partes de corpos como "troféus" dos cadáveres de tropas imperiais japonesas no Teatro do Pacífico durante a Segunda Guerra Mundial. Os historiadores atribuíram o fenômeno a uma campanha de desumanização dos japoneses na mídia dos Estados Unidos, a vários clichés racistas latentes na sociedade americana, à depravação da guerra em circunstâncias desesperadoras, à crueldade desumana das forças imperiais japonesas, desejo de vingança ou qualquer combinação desses fatores.

A prática era tão difundida que "ação disciplinar severa" contra a retirada de lembranças de restos humanos foi ordenada pelo Comandante-em-Chefe da Frota do Pacífico já em setembro de 1942. Em outubro de 1943, o Alto Comando americano expressou preocupação com os recentes artigos de jornal cobrindo a mutilação de mortos por americanos. Os exemplos citados incluem um em que um soldado fez um colar de contas usando dentes japoneses e outro sobre um soldado com fotos mostrando os passos na preparação de um crânio, envolvendo cozinhar e raspar as cabeças japonesas. 

De acordo com o fuzileiro naval Donald Fall, o primeiro relato de soldados americanos usando orelhas de cadáveres japoneses ocorreu no segundo dia da Campanha de Guadalcanal em agosto de 1942 e ocorreu depois que fotos dos corpos mutilados de fuzileiros navais na Ilha Wake foram encontrados em pertences pessoais de engenheiros japoneses:

"No segundo dia de Guadalcanal, capturamos um grande bivaque japonês com todos os tipos de cerveja e suprimentos... Mas eles também encontraram muitas fotos de fuzileiros navais que foram cortados e mutilados na Ilha Wake. E logo em seguida estão fuzileiros navais andando por aí com orelhas japonesas presas em seus cintos com pinos de segurança. Eles emitiram uma ordem lembrando os fuzileiros navais de que a mutilação era uma ofensa de corte marcial... Você entra em um estado de espírito sórdido em combate. Você vê o que foi feito com você. Você encontraria um fuzileiro naval morto que os japoneses prenderam em uma booby-trap [armadilha explosiva]. Encontramos japoneses mortos com armadilhas explosivas. E eles mutilaram os mortos. Começamos a descer ao nível deles."

Ódio e desejo de vingança costumavam ser citados; no entanto, alguns dos fuzileiros navais americanos que estavam prestes a participar da Campanha de Guadalcanal já estavam, enquanto ainda a caminho, ansiosos para coletar dentes de ouro japoneses para colares e preservar as orelhas japonesas como souvenires.

Crânio decorado com a inscrição:
"Sniper japa morto, que peninha!"

O bilhete do museu diz:

Troféu de crânio japonês da Segunda Guerra Mundial decorado por um fuzileiro naval americano.
Não julgamos soldados de combate americanos. Eles tinham suas próprias razões para fazerem isto. Nós estamos exibindo estes artefatos únicos de modo que a História não se perca.
Este museu não censura a História!

Nos Estados Unidos, havia uma visão amplamente propagada de que os japoneses eram subumanos. Também houve raiva popular nos EUA com o ataque surpresa japonês a Pearl Harbor, ampliando os preconceitos raciais pré-guerra. A mídia americana ajudou a propagar essa visão dos japoneses, por exemplo, descrevendo-os como "pragas amarelas". Em um filme oficial da Marinha dos EUA, as tropas japonesas foram descritas como "ratos vivos que rosnam". A mistura de racismo americano subjacente, que foi adicionado à propaganda de guerra, ódio causado pela guerra de agressão japonesa e atrocidades japonesas (tantos as reais quanto as imaginárias), levou a um ódio geral pelos japoneses.

Segundo Niall Ferguson:

"Para o historiador que se especializou em história alemã, este é um dos aspectos mais preocupantes da Segunda Guerra Mundial: o fato de que as tropas aliadas frequentemente consideravam os japoneses da mesma forma que os alemães consideravam os russos - como Untermenschen."

Uma vez que os japoneses eram considerados animais, não é surpreendente que os restos mortais japoneses fossem tratados da mesma forma que os restos mortais de animais. Em 1984, os restos mortais de soldados japoneses foram repatriados das Ilhas Marianas. Aproximadamente 60% não tinham o crânio. Da mesma forma, foi relatado que muitos dos restos japoneses em Iwo Jima não têm seus crânios. É possível que a coleção de lembranças de restos mortais japoneses tenha continuado até o período do pós-guerra imediato.

Eugene Sledge, em seu livro With the Old Breed: At Peleliu and Okinawa (Com a Velha Raça: em Peleliu e Okinawa, 1981) relata alguns exemplos de companheiros fuzileiros navais extraindo dentes de ouro dos japoneses, incluindo um de um soldado inimigo que ainda estava vivo:

"Mas o japonês não estava morto. Ele estava gravemente ferido nas costas e não conseguia mover os braços; do contrário, ele teria resistido até o último suspiro. A boca do japonês brilhava com enormes dentes em forma de coroa de ouro, e seu captor os queria. Ele colocou a ponta de sua [faca] Ka-Bar na base de um dente e bateu no cabo com a palma da mão. Como o japonês estava chutando e se debatendo, a ponta da faca raspou no dente e afundou profundamente na boca da vítima. O fuzileiro naval o xingou e com um talho cortou suas bochechas de orelha a orelha. Ele colocou o pé no maxilar inferior do sofredor e tentou novamente. O sangue jorrou da boca do soldado. Ele fez um barulho gorgolejante e se debateu violentamente. Gritei: "Acabe com o sofrimento dele". Tudo que recebi como resposta foi um xingamento. Outro fuzileiro naval correu, colocou uma bala no cérebro do soldado inimigo e acabou com sua agonia. O caçador de tesouro resmungou e continuou retirando seus prêmios sem ser perturbado." (pg. 120)

Esta cena foi reproduzida, com mudanças de tom, na minissérie The Pacific:


Bibliografia recomendada:

Tower of Skulls:
A History of the Asia-Pacific War.
July 1937 - May 1942.
Richard B. Frank.

Leitura recomendada:



LIVRO: O Japão Rearmado, 6 de outubro de 2020.