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terça-feira, 27 de abril de 2021

Ataque a posto militar no leste de Mianmar perto da fronteira com a Tailândia

Fumaça e explosões em um acampamento militar birmanês visto do lado tailandês da fronteira entre Mianmar e Tailândia, 27 de abril de 2021. (AP)

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 27 de abril de 2021.

Os confrontos são os mais ferozes combates entre o Tatmadaw, as forças governamentais birmanesas, e um grupo étnico armado desde o golpe de 1º de fevereiro.

Alguns dos combates mais intensos em Mianmar (Birmânia) desde que os militares do país tomaram o poder em um golpe em 1º de fevereiro eclodiram no leste de Mianmar, perto da fronteira com a Tailândia, na manhã de terça-feira, quando insurgentes da minoria étnica Karen atacaram um posto avançado do exército.

O confronto aconteceu quando os generais disseram que considerariam "positivamente" as sugestões da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Association of Southeast Asian Nations, ASEAN), que se reuniu em uma cúpula especial no sábado, dia 24. Os líderes pediram o fim da violência e exortaram ao diálogo com o governo eleito que foi derrubado.


Manifestantes contra o golpe militar juntam-se às forças karen para participar de um treinamento liderado pela União Nacional Karen (KNU), no estado de Karen. (Reuters)

A União Nacional Karen disse que suas forças capturaram um posto avançado do exército de Mianmar perto da fronteira com a Tailândia, após lançar um ataque pouco antes do amanhecer. O campo foi ocupado e incendiado, disse o chefe de relações exteriores do grupo armado, Saw Taw Nee, à agência de notícias Reuters. Ele disse que houve combates em outros lugares também, mas não deu detalhes.

Mapa da região com destaque para Mae Hong Son, onde ocorreu o ataque. (Al-Jazeera)

Pessoas do outro lado do rio Salween, que segue a fronteira entre os dois países, relataram anteriormente terem ouvido tiros, enquanto um vídeo postado nas redes sociais mostrava incêndios e fumaça subindo das colinas arborizadas.

“Houve combates intensos no posto avançado do exército de Mianmar em frente a Mae Sam Laep”, disse à Reuters uma autoridade provincial da cidade de Mae Hong Son, no noroeste da Tailândia. “Nossos funcionários de segurança estão avaliando a situação, mas até agora não houve nenhum relato de impacto do lado tailandês.”

Uma pessoa do lado tailandês ficou levemente ferida, disse a autoridade. Os militares de Mianmar, conhecidos como Tatmadaw, não fizeram comentários imediatos. Os combates na área aumentaram desde que os generais tomaram o poder em um golpe de 1º de fevereiro, com o General Min Aung Hlaing à frente, e mergulharam Mianmar em turbulência. Os militares se vêem como os guardiões da nação e como a única instituição que pode unir o país etnicamente diverso de 53 milhões de habitantes.

“Isso é muito preocupante”, disse Scott Heidler, da Al Jazeera, que está em Bangcoc, sobre a escalada mais recente. “Isso é algo que temos visto acontecendo desde o golpe de fevereiro.”

 Em raros comentários na segunda-feira (26), o ex-presidente dos EUA, Barack Obama, disse que estava "chocado com a violência dolorosa" que as forças armadas usaram contra civis que se opunham ao golpe militar. Obama, que defendeu o envolvimento com os militares como parte da democratização de Mianmar durante seus dois mandatos, disse que apoiou os esforços dos Estados Unidos e de outros países para sancionar os generais e deixar claro o custo de suas ações.

“O esforço ilegítimo e brutal das forças armadas para impor sua vontade após uma década de maiores liberdades claramente nunca será aceito pelo povo e não deve ser aceito pelo mundo em geral”, disse ele nos comentários, que compartilhou no Twitter. “Os vizinhos de Mianmar devem reconhecer que um regime assassino rejeitado pelo povo só trará maior instabilidade, crise humanitária e o risco de um estado falido.”

O país estava relativamente calmo desde a reunião da ASEAN em Jacarta, que contou com a presença do chefe do exército Min Aung Hlaing, líder de fato do país. Os militares, em seu primeiro comentário oficial sobre a reunião, disseram que “considerariam cuidadosamente as sugestões construtivas”.

“As sugestões seriam consideradas positivamente se servissem aos interesses do país e fossem baseadas em propósitos e princípios consagrados na” ASEAN, disse em um comunicado publicado nesta terça-feira (27).

Mianmar juntou-se à organização de 10 membros durante um regime militar anterior em 1997. Após anos de relativa quietude, houve novos confrontos entre o exército e alguns dos grupos armados étnicos, principalmente nas áreas de fronteira do país.

Alguns dos grupos armados expressaram apoio aos oponentes dos militares, cujas forças mataram cerca de 753 civis para tentar impedir os protestos contínuos, de acordo com a Associação de Assistência a Presos Políticos, que rastreia prisões e mortes.

Chamas vistas da Tailândia.

Em sua última atualização humanitária sobre a situação em Mianmar, o Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários disse que os combates aumentaram no estado de Kachin, no estado de Shan do norte, no estado de Kayin e na região de Bago nos meses após o golpe.

Cerca de 3.000 pessoas cruzaram a fronteira com a Tailândia no final do mês passado, depois que o Tatmadaw bombardeou áreas da fronteira oriental. Estima-se que 40.000 pessoas foram forçadas a deixar suas casas como resultado da escalada dos combates, disse a ONU. A maioria é do estado de Kayin.

Resumo sobre o golpe no Mianmar


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Leitura recomendada:

Militares de Mianmar tomam o poder e prendem a líder eleita Aung San Suu Kyi, 1º de fevereiro de 2021.

VÍDEO: Instrutora de fitness filmou um treino ao vivo durante o golpe de Mianmar3 de fevereiro de 2021.

Eleições Não Importam, Instituições Sim, 8 de janeiro de 2020.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

FOTO: Criança-soldado brandindo um AK47 na Indonésia

Um menino soldado achinês brandindo um fuzil AK47 durante treinamento militar na selva do distrito de Pidie, em Achem, na Indonésia.

Como dito na famosa frase do filme O Senhor da Guerra, o manuseio do AK47 é "tão fácil que até uma criança pode usá-lo, e elas usam".

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

David Galula e a teoria da contra-insurgência: um livro para ler

Pelo General François Chauvancy, Theatrum Belli, 11 de agosto de 2019.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 12 de fevereiro de 2021.

Combina a análise do contexto histórico da contra-insurgência, as reflexões sobre a insurgência e a contra-insurgência de ontem e hoje sem descartar a luta contra o islamismo radical, a grave criminalidade que ameaça as democracias pela desestruturação do Estado que ela organiza, enfim a contratação de um oficial francês por assimilação, assunto tão interessante no contexto atual de nossa sociedade.

O apoio dado pelo General americano Petraeus ao conhecimento do pensamento de David Galula está presente em grande parte por meio desta obra (Cf. também minhas postagens de 21 de outubro de 2012, "Os novos centuriões: um documento sobre o General Petraeus" e do 13 Setembro de 2011 “Quais lições militares dez anos após 11 de setembro?”).

O autor, Driss Ghali, marroquino, com muitos diplomas franceses, residente no Brasil - o que é uma pena porque não poderá apresentar suas reflexões diante de nossos tomadores de decisão militares e políticos - traz uma visão sintética da contra-insurgência percebida tanto por David Galula como também pela ligação que o autor estabelece entre a Guerra da Argélia e os conflitos contemporâneos. Lutar contra uma rebelião ou insurreição tornou-se o destino comum dos combates militares de nossas democracias ocidentais ontem na Ásia, hoje no Oriente Médio e na África.

Publicado pela Éditions Complicités em maio de 2019, este livro analisa o pensamento de David Galula, um esquecido teórico militar francês e então (um tanto) destacado por nossos conflitos contemporâneos, primeiro no Afeganistão e pelo general americano Petraeus.

Reflexões sobre o desenvolvimento do pensamento militar e sua disseminação

O autor nos leva a uma viagem pela história recente da França, com uma visão equilibrada das estratégias de cada um, a meu ver e valorizando com razão a assimilação que tanto trouxe à França. Esta obra fascinante revela a vida pouco conhecida de um judeu nascido na Tunísia em 1919, que se tornou francês por sua família em 1924, um oficial de Saint-Cyr em 1938 que não negou a França em 1941 apesar dela tê-lo rejeitado* (mas pelo Exército que o reintegrou em 1943), atípico, com uma rica carreira operacional.

*Nota do Tradutor: Galula graduou-se na École spéciale militaire de Saint-Cyr com a promoção número 126 de 1939-1940. Em 1941, foi expulso da oficialidade francesa, de acordo com o Estatuto dos Judeus do Estado de Vichy. Depois de viver como civil no Norte da África, ingressou no I Corpo do Exército de Libertação e serviu durante a libertação da França, sendo ferido durante a invasão da ilha de Elba em junho de 1944.

Este jovem oficial, por um tempo um espião a serviço da França quando foi removido do Exército, foi designado para o adido militar francês em Pequim de 1945 a 1947. Ele aprendeu mandarim lá (embora nunca tenha aprendido árabe), e foi feito prisioneiro pelos comunistas chineses. Lá ele descobriu a teoria da guerra revolucionária de Mao. Não será menos ferozmente anticomunista. Após uma breve estada na Europa, foi nomeado adido militar em Hong Kong de 1949 a 1956, antes de se juntar voluntariamente à Argélia em 1956 para comandar uma companhia do 45º Batalhão de Infantaria Colonial.

Seus escritos não apareceram até que ele ingressou na vida civil nos Estados Unidos e por seu encontro com Henry Kissinger em 1964. No entanto, notemos, como para outros antes e depois dele, as reflexões que saem da estrutura tradicional não fazem escola a menos sejam apoiadas ao longo do tempo por uma autoridade que impõe o desenvolvimento desse pensamento. Afinal, o General Poirier, na época tenente-coronel, não poderia contribuir para o desenvolvimento da estratégia de dissuasão nuclear se não fosse por que De Gaulle o protegia da alta hierarquia militar. O desenvolvimento de um pensamento original está sujeito à permanência desse apoio e isso é cada vez menos o caso, dado o relativamente pouco tempo gasto no cargo, particularmente com oficiais militares.

Além disso, como Driss Ghali nos lembra, a burocracia, ou seja, o funcionamento hierárquico, é hostil a qualquer inovação que possa perturbar seu funcionamento lubrificado e bem estabelecido e, portanto, ao seu questionamento, primeiro intelectual, depois tecnológico e organizacional. O exército nisso não é diferente de outras organizações. Só a derrota pode forçá-lo a mudar.

D. Galula conseguiu, no entanto, interessar parcialmente os seus líderes, comunicando os seus pensamentos. Mas ainda hoje é possível a um capitão ou comandante enviar um briefing sobre um problema, diretamente a um chefe do Estado-Maior das Forças Armadas ou a um chefe do Estado-Maior do Exército? Fora da hierarquia? Não tenho certeza a princípio porque a humildade inerente a ser um oficial é um lembrete de que o conhecimento geralmente é adquirido pelo posto. No entanto, Galula finalmente teve a sorte de ser empregado fora da hierarquia e acima do nível normal de responsabilidade do seu posto. Então, a irritação potencial de elementos da cadeia hierárquica, sempre existirá. Resta a publicação de livros ou artigos em revistas especializadas, mas é eficaz? Apenas o "zumbido" pode chamar a atenção do leitor hoje!

As reflexões suscitadas por este trabalho

De que adianta uma insurgência senão a retirada, por propaganda e terror, de todo apoio a um governo legal, tornando-o ilegítimo e indefensável? Quando nem a população, nem a administração, incluindo sua polícia, não querem mais proteger as instituições, o Estado desmorona. Não é isso que ameaça a França hoje, é claro, com diferentes "insurgentes" e com vários objetivos, incluindo extrema esquerda, extrema direita, islâmicos, irmãos muçulmanos, até coletes amarelos...

Além disso, falta um termo para qualificar os inimigos da República para não colocá-los em uma denominação que os valorize. A noção de "rebelde contra a República" poderia ser de seu interesse. Obriga-nos a definir o que a comunidade nacional pode ou não aceitar em nome da sua necessária coesão. Um "rebelde" é, por definição, oposto à autoridade que deve ser claramente estabelecida e afirmada. “Um rebelde contra a República” é aquele que se opõe ao nosso sistema político, às nossas instituições, à nossa sociedade, senão à nossa cultura, às nossas tradições, à nossa história. Neste caso, o cursor do que é aceitável em uma democracia se desloca para mais rigor e autoridade do que para liberdades sem contrapartida, causando caos, nosso enfraquecimento, e a falta de proteção dos cidadãos em muitas áreas.

Os conflitos de ontem e de hoje evocados com equilíbrio neste livro levam naturalmente a algumas conclusões. Em relação ao conflito argelino que o exército francês venceu (Mas o que fazer com uma vitória militar se não conseguirmos concluir a paz? Problema ainda não resolvido), entendo melhor a atitude anti-francesa da FLN no poder hoje. A FLN perdeu sua guerra militar e seu exército, no cerne do poder, não pode admitir esse estado de coisas. 50 anos depois, é óbvio o fracasso político de um governo que capitalizou essa farsa de uma vitória inglória. Na verdade, o reconhecimento de qualquer arrependimento francês significaria o de uma vitória militar da FLN que nunca aconteceu e que "legitimaria" o papel de predadores destes "combatentes pela independência".

O território nacional já não está imune à ação de movimentos que visam a desestabilização do Estado, possivelmente por ações armadas e terroristas, sejam esses movimentos com fins políticos como os extremistas essencialmente de esquerda, os mais determinados e experientes, com fins religiosos com o Islã político dos irmãos muçulmanos dando a ilusão de perseguir objetivos diferentes do islamismo radical do Daesh ou da Al-Qaeda, possivelmente para fins criminosos ou mafiosos. O exemplo da América do Sul, seja no Brasil ou no México, deve nos fazer refletir sobre esse peso do crime. Proteger e capacitar os cidadãos a viverem da maneira mais decente possível continua sendo uma missão fundamental que D. Galula e seus sucessores, para quem a compreendeu, nos ensinam (Cf. Minha postagem de 27 de abril de 2014, “Os comandos aéreos e a contra-insurgência na Argélia” e o papel de cerca de 750 SAS* que ajudaram o desenvolvimento da Argélia rural e de mais de um milhão de argelinos). Quando a administração é deficiente, os militares podem cumprir parte dessa função.

*NT: As sections administratives spécialisées (SAS) foram unidades militares francesas responsáveis por "pacificar" setores, promovendo a "Argélia Francesa" durante a Guerra da Argélia, servindo de assistência educacional, social e médica às populações rurais muçulmanas para conquistá-las ideologicamente para a causa da França.

No entanto, pertencer a uma causa é sem dúvida a parte mais importante da guerra de contra-insurgência. Não é o meio mais importante, mas sim homens motivados que farão a diferença. A guerra de informação está no centro das ações de contra-insurgência ontem e hoje. O que conta em particular é essa história comum que faz as pessoas concordarem, mas também combate os equívocos. De acordo com a mídia dominante e o discurso político, qualquer opinião é respeitável em nome dos valores democráticos. O tempo de escolha, entretanto, é agora necessário para um forte compromisso pelo menos dentro do Estado. Isso deve ser eficaz e inspirar confiança nos cidadãos. Todo mundo tem seu lugar. No entanto, os últimos acontecimentos na França mostraram uma desconfiança crescente e agressiva contra o Estado e dúvidas no seio das administrações.

No entanto, pensar na contra-insurgência e seus modos de ação não significa abandonar as forças armadas de alta intensidade. O inimigo convencional ainda existe, certamente não em nossas fronteiras, mas futuros engajamentos como parte de uma coalizão contra as novas potências mundiais devem ser considerados. Além disso, o combate de alta intensidade força a reflexão e o desenvolvimento de novos equipamentos, para administrar a complexidade do mundo moderno ao contrário da contra-insurgência que é uma guerra entre populações, com uma abordagem intercultural, social, econômica e informacional. A alta tecnologia proporcionada pelos armamentos convencionais permite a destruição do inimigo inclusive na contra-insurgência certamente dando a imagem do uso de um martelo para esmagar uma mosca, portanto a um custo significativo, mas com baixas perdas para nós.

Para concluir

Por fim, seja em território nacional ou no exterior, “proteger a população” garante a vitória sobre qualquer rebelião ou eventual insurreição contra a República, ameaças hoje representadas por desvios populistas ou extremistas, políticos ou religiosos. Para Galula, ontem como hoje, “Protegemos primeiro, seduzimos depois”. Não se trata de conquistar corações e mentes primeiro, mas criar as condições para que isso seja possível. Isso começa naturalmente com uma afirmação real da autoridade do Estado e de seus representantes.

O General François Chauvancy é Saint-cyrien, brevetado pela Escola de Guerra, doutor em ciências da informação e da comunicação (CELSA), titular do terceiro ciclo de relações internacionais pela faculdade de Direito de Sceaux, General (2S) François CHAUVANCY serviu no Exército nas unidades blindadas das tropas navais. Ele deixou o serviço ativo em 2014. Ele é um especialista em questões de doutrina sobre o emprego de forças, em funções relacionadas ao treinamento de exércitos estrangeiros, contra-insurgência e operações de informação. Nessa qualidade, foi o responsável nacional da França para a OTAN nos grupos de trabalho em comunicação estratégica, operações de informação e operações psicológicas de 2005 a 2012.

Bibliografia recomendada:

Guerra Irregular: Terrorismo, guerrilha e movimentos de resistência ao longo da história.

Leitura recomendada:

Quais as lições militares para o pós-guerra de 1870 e hoje?14 de dezembro de 2020.

Com Fuzil e Bibliografia: General Mattis sobre a leitura profissional6 de outubro de 2018.

Operação Haboob: E se a França tivesse engajado-se no Iraque em 2003?13 de agosto de 2020.

COMENTÁRIO: Quando se está no deserto...29 de agosto de 2020.

A Arte da Guerra em Duna17 de setembro de 2020.

Guerras e terrorismo: não se deve errar o alvo22 de novembro de 2020.

Dez milhões de dólares por miliciano: A crise do modelo ocidental de guerra limitada de alta tecnologia23 de julho de 2020.

Armas vietnamitas para a Argélia14 de dezembro de 2020.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

FOTO: Partisans italianos na Emilia-Romanha

Grupo de partisans italianos na Emilia-Romanha, norte da Itália. Eles estão armados com fuzis e metralhadoras italianas, com dois deles portando submetralhadoras Sten britânicas lançadas pelo SOE.

Bibliografia recomendada:

World War II Partisan Warfare in Italy.
Pier Paolo Battistelli e Piero Crociani.

Leitura recomendada:

FOTO: Partisans italianas em Castelluccio31 de março de 2020.

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

LIVRO: Existe um estilo tailandês de contra-insurgência?

Por Zachary Griffiths, Modern War Institute, 29 de setembro de 2017.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 11 de setembro de 2020.

[Nota: As opiniões expressas nesse artigo pertencem apenas ao seu ator e não refletem, necessariamente, as opiniões do blog Warfare.]

Em seu fim de semana de inauguração em 2011, o filme The Hangover II (Se Beber, Não Case! Parte II, 2011) deu o valor aproximado de US$ 86 milhões de americanos uma amostra da Tailândia. Nós aplaudimos quando o Wolfpack se lançou em Bangkok. Depois de deixar suas malas no Phulay Bay Ritz Carlton, eles atacaram a cidade como soldados americanos na década de 1960: se divertindo com prostitutas e atacando as Singhas. Macacos, monges e mafiosos estavam entre Stu e seu casamento. Felizmente, eles ficaram longe da região de Pattani, no sul da Tailândia, onde os insurgentes mataram cinco pessoas por semana naquele ano.

Longe do brilho de Bangkok, a Tailândia esconde seu sucesso no combate à insurgência. Entre 1965 e hoje, o Reino da Tailândia derrotou duas insurgências e continua a suprimir outra no sul. Essas insurgências são sérias. O apoio da China e dos vizinhos da Tailândia possibilitou o primeiro, uma insurgência comunista durante a Guerra Fria. Saltou de 126 mortes anuais em 1967 para 1.590 em 1970. Com a conclusão da insurgência comunista no início dos anos 1980, as autoridades tailandesas afirmam que 80.000 combatentes e familiares aceitaram a anistia do governo e se reintegraram à sociedade tailandesa. Em seguida, o governo enfrentou a primeira insurgência Pattani de 1980 a 1998, reduzindo-a em última instância a uma ação criminosa. Mas seria reacendida mais tarde, criando uma terceira insurgência para o governo enfrentar, e o conflito se alastra desde 2004. Esta última insurgência, porém, é diferente das duas que o governo conseguiu pôr fim. Dispositivos explosivos improvisados atingem alvos civis e os insurgentes lutam contra um governo sem vontade política para resolver o conflito. Um relatório de 2015 do Centro de Combate ao Terrorismo de West Point o descreveu como "o conflito mais letal no sudeste da Ásia, com quase 6.400 mortos e 11.000 feridos" desde 2004.

Para combater essa série de ameaças insurgentes, o Exército Real Tailandês primeiro imitou as técnicas britânicas da Emergência Malaia, mas as considerou insuficientes. Com a escalada das operações francesas e, posteriormente, americanas no Vietnã, o governo tailandês experimentou as técnicas americanas de busca e destruição. Só depois que o governo tailandês adotou uma forma nacional única de contra-insurgência - caracterizada pela supervisão militar das reformas democratizantes, anistia e desenvolvimento - eles tiveram sucesso. Ainda assim, apesar de desenvolver técnicas orgânicas, a Tailândia lutou como outros países para superar a divisão interna quando os desafios dos insurgentes se apresentaram. A resistência militar institucional também bloqueou os esforços de oficiais com mentalidade contra-insurgente para tirar a poeira dos seus manuais até que os confrontos locais se tornassem crises nacionais.

No livro The Thai Way of Counterinsurgency (O Estilo Tailandês de Contra-Insurgência), o Dr. Jeff Moore analisa três insurgências tailandesas para ver quais lições elas podem trazer para a contra-insurgência. Ele descobre que o governo tailandês usa "uma estratégia política decisiva de liderança militar e uma sólida coordenação para impulsionar suas operações [de contra-insurgência". Outros concordam. Em 2016, o jornal interno da Agência Central de Inteligência (CIA), Studies in Intelligence, publicou um artigo que concluiu que, em vez de “força bruta. . . anistia, repatriação e empregos” foram cruciais para o sucesso da Tailândia contra os comunistas. Da mesma forma, em 2016, as recomendações de política do Conselho de Relações Exteriores para a insurgência em curso em Pattani recomendam que a Tailândia revisite seus sucessos anteriores e traga de volta oficiais de alto escalão envolvidos na insurgência de 1980-1998, refletindo em grande parte as recomendações feitas pelo Coronel do Exército dos EUA Michael Fleetwood em 2010. Artigos de periódicos dos arquivos da Agência Central de Inteligência destacam a importância da “ofensiva político-militar” da Tailândia para o sucesso da contra-insurgência tailandesa.

The Thai Way of Counterinsurgency explora três campanhas de contra-insurgência tailandesas pelas lentes do que o autor chama de estrutura do “Panteão COIN”. Esta estrutura ajusta a estrutura de contra-insurgência inter-agências de David Kilcullen, mudando seu foco de derrotar para explicar as campanhas de contra-insurgência. O Dr. Moore sobrepõe essa estrutura nas campanhas contra os comunistas de 1965 a 1985, os insurgentes do sul de 1980 a 1998 e a contínua insurgência do sul de Pattani desde 2004. Cada seção começa discutindo o prelúdio do conflito e os principais atores. Seguem perfis das populações em risco e da insurgência dos conflitos. Cada capítulo termina explorando como os órgãos governamentais cooperaram em um esforço para derrotar a insurgência.

Na conclusão, o Dr. Moore descreve as características únicas da contra-insurgência tailandesa. Nos níveis estratégico e operacional, ele descobre que a contra-insurgência tailandesa difere das recomendações de conhecidos teóricos da contra-insurgência como David Galula e Sir Richard Thompson, em termos do papel robusto da liderança militar e uma ênfase especialmente proeminente na diplomacia. Enquanto Galula e Thompson defendem a contra-insurgência controlada por civis, os militares governaram a Tailândia em nome do monarca durante a maior parte do período sendo examinado - exceto em raras ocasiões de controle civil. As campanhas de contra-insurgência da Tailândia prevaleceram quando os líderes militares planejaram e executaram operações com o apoio da polícia e de agências civis. Esses líderes militares nacionais sincronizaram a diplomacia para minar o apoio externo vindo da China e do santuário na Malásia. No nível tático, a contra-insurgência tailandesa usou forças irregulares em grande escala, os Thahan Phran, apoiados por forças de operações especiais, esforços locais maciços de doutrinação e ofertas de anistia. As conclusões de Moore fornecem indicadores sobre a adaptabilidade das técnicas de contra-insurgência, mas exploram pouco terreno além dos dois primeiros capítulos do manual FM 3-24, que resumem os fatores associados ao sucesso da contra-insurgência e como integrar organizações civis.

Minha maior crítica a este livro é uma sobre validade. Na introdução, o Dr. Moore visa este livro tanto para a academia quanto para os profissionais de segurança, mas falha em entregar algo significativo a nenhuma das partes por nunca demonstrar a semelhança dos conflitos ou sugerir a quais tipos de conflito o estilo tailandês de contra-insurgência pode se aplicar. De acordo com o Programa de Dados de Conflitos de Uppsala, apenas as insurgências comunistas e em andamento de Pattani atendem à sua definição de insurgência ativa, o que significa que o caso 1980-1998 não se qualifica. Da mesma forma, o artigo do Conselho de Relações Exteriores mencionado anteriormente não reconhece a campanha do sul de 1980-1998 como um esforço de contra-insurgência. Além disso, a insurgência comunista representou uma ameaça existencial para a monarquia tailandesa em todas as regiões, enquanto as insurgências do sul ocorreram apenas nas três províncias do sul. Não está imediatamente claro se podemos generalizar as lições de três tipos diferentes de conflito para um estilo tailandês de contra-insurgência. Com suas lições generalizadas apenas provisórias, não tenho certeza de onde devo aplicá-las. Como uma ditadura militar em um país budista liderado por um monarca reverenciado com fortes alianças, a Tailândia pode ser um caso único. Embora ele implique que suas conclusões se aplicam universalmente, o Dr. Moore enfraquece essa conclusão por nunca abordar a validade interna ou externa.

A segunda crítica deste livro diz respeito à sua usabilidade. Apesar de escrever uma tese muito mais utilizável, The Thai Way of Counterinsurgency do Dr. Moore mal identifica conclusões, falha em marcar seções de uma forma útil e deixa os leitores com um índice inutilizável para não especialistas em insurgência tailandesa. Em um livro de quase 450 páginas, o Dr. Moore dedica apenas as últimas vinte páginas às conclusões. Os capítulos terminam abruptamente com discussões sobre como o desenvolvimento se encaixa em cada campanha, sem um resumo das lições aprendidas de cada campanha ou mesmo dos principais eventos. A falta de resumo obriga a uma leitura atenta, mas a marcação ruim das seções desafia ainda mais o leitor. Abaixo do nível do capítulo, todas as dicas organizacionais são marcadas com o mesmo tipo e tamanho, forçando o leitor a virar as páginas para determinar o lugar de uma seção na narrativa mais ampla. Uma estrutura ruim poderia ser superada com um índice eficaz, mas The Thai Way of Counterinsurgency também falha aqui. O índice não contém verbetes para “fronteiras”, “governo”, “ideologia” ou outros conceitos de contra-insurgência. Peguei o livro do Dr. Moore para aprofundar minha pesquisa em insurgências marítimas, mas tive que ler o livro inteiro para encontrar informações relativas a "marítimo", "contrabando" ou "barco". Estrutura e usabilidade ruins provavelmente condenarão este livro à obscuridade.

Mesmo com os problemas do Thai Way of Counterinsurgency, o livro contém provisões de valor. Como praticante de defesa interna estrangeira, não esquecerei os Village Scouts (Escoteiros das Vilas) da Tailândia, sua experiência com anistia e reforma educacional. Os Village Scouts levaram a doutrinação ao estilo dos escoteiros para as massas da Tailândia, inspirando orgulho nacional e fé no monarca tailandês. Em cada aldeia, os escoteiros combatiam a propaganda insurgente com mensagens nacionalistas e recrutavam outros para se juntarem a eles. O governo tailandês combinou a doutrinação nacionalista com a anistia. No entanto, a anistia só funciona quando a sociedade aceita o retorno dos combatentes e o governo protege os que se renderam. Os combatentes de Pattani acusados de terrorismo foram até agora excluídos dos programas de anistia do governo, impedindo a reconciliação de rebeldes radicais. Muitos insurgentes do sul estudaram e se radicalizaram em escolas islâmicas pondok ilegais. Para conter o fluxo de insurgentes, o governo integrou o pondok ao sistema educacional tailandês, marginalizando os radicais e treinando os sulistas em habilidades práticas além do seu estudo tradicional do Islã. Esta lição parece imediatamente aplicável ao Afeganistão, onde as madrassas afegãs e paquistanesas radicalizam os combatentes afegãos. O sucesso do governo tailandês em cooptar as queixas e práticas dos insurgentes oferece técnicas importantes a serem consideradas na contra-insurgência em outros lugares.

À medida que o Exército Americano muda da contra-insurgência para a ação decisiva, podemos nos animar em saber que estamos cometendo o mesmo erro que cometemos depois do Vietnã, e que a Tailândia cometeu pelo menos duas vezes. Cada vez que uma insurgência desafiava o estado tailandês, o exército e o governo tentavam esmagar a insurgência com varreduras e repressão até que os líderes nacionais reconhecessem o problema e empoderassem os praticantes habilidosos da contra-insurgência. A guerra híbrida russa e chinesa torna a contra-insurgência e a defesa interna estrangeira missões prováveis para conselheiros americanos na Europa e, mais perto da Tailândia, em todo o Sudeste Asiático. Embora The Thai Way of Counterinsurgency ofereça um contraponto importante à doutrina americana fortemente influenciada pela experiência ocidental, é melhor irmos à fonte para ler The Rise and Fall of the Communist Party of Thailand (A Ascensão e Queda do Partido Comunista da Tailândia), de Gawin Chutima.

O Capitão Zachary Griffiths é oficial das Forças Especiais e Instrutor de Política Americana no Departamento de Ciências Sociais de West Point. Ele estuda como os grupos insurgentes se relacionam com a água. Ele tem mestrado em políticas públicas pela Harvard Kennedy School e é bacharel pela Academia Militar dos Estados Unidos.

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FOTO: Infantaria contra carros de combate

Carro de combate T-72AV do Exército Árabe Sírio sendo explodido em Darayya, subúrbio de Damasco, pela Brigada dos Mártires do Islã, início de 2016.

A Brigada dos Mártires do Islã (em árabe: لواء شهداء الإسلام; Liwa Shuhada al-Islam) é um grupo rebelde sírio formado no subúrbio de Darayya, em Damasco, e era o principal grupo que operava neste subúrbio. Foi o único grupo rebelde sírio totalmente sob a autoridade de um conselho municipal local e recebeu mísseis anti-carro BGM-71 TOW fabricados nos Estados Unidos, apesar do cerco apertado que Darayya estava sofrendo entre 2012 e 2016.

Entre 2013 e 2016, o mais alto nível de comando do grupo foi o Conselho Local da cidade de Daraya. O grupo é comandado por Saeed Narqash (nome de guerra Abu Jamal), um capitão que desertou do Exército Árabe Sírio. O chefe de gabinete inicial do grupo foi o 1º Tenente Abu Shahin, que deixou o grupo para formar outro em junho de 2013, enquanto seu comandante de operações era o 1º Suboficial Abu Omar. Uma academia militar foi estabelecida em Daraya quando era controlada pelo grupo. 

A Brigada dos Mártires do Islã foi formada em 5 de março de 2013 como uma fusão de 9 unidades rebeldes afiliadas ao Exército Livre da Síria em Daraya. Em 14 de fevereiro de 2014, o grupo assinou uma convenção que estabeleceu a Frente Sul.

Símbolo da Brigada dos Mártires do Islã.

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sábado, 29 de agosto de 2020

COMENTÁRIO: Quando se está no deserto...


Pelo Tenente-Coronel Michel Goya, La Voie de l'Épée, 24 de agosto de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 28 de agosto de 2020.

Às vezes, imaginamos que nossas operações no exterior seguem grandes projetos e planos bem elaborados com objetivos estratégicos de longo prazo claros. Nada está mais longe da verdade.

Na verdade, agimos, ou mais frequentemente, reagimos simplesmente porque o Presidente da República decidiu que algo tinha que ser feito, geralmente muito rapidamente, para responder, a pedido: um grito de socorro de um chefe de Estado ligado à França, uma forte emoção veiculada pela mídia ou a pedido dos Estados Unidos, muito mais raramente da União Européia. Trata-se sobretudo da imagem que o presidente quer dar de si e / ou da França como "en être" ("ser"), pesar em coalizão, agradar a..., justificar nosso assento permanente no Conselho de Segurança etc. Tudo isso conta mais do que o que você realmente deseja alcançar no terreno, o famoso "estado final desejado" que os militares exigem sem que seja frequentemente satisfeito. No nível político, "fazer" muitas vezes já é um fim em si mesmo e a imprecisão do "por que" é liberdade de ação. Quanto ao horizonte de tempo, raramente ultrapassa um ano, dois ou três no máximo.

Patrulha francesa no Vale de Uzbin, no Afeganistão.

Na prática, então, engajamo-nos e aí vemos, persuadidos em 80% de que o assunto será encerrado rapidamente. Lembremo-nos do Ministro da Defesa, Jean-Yves Le Drian, no início de dezembro de 2013, anunciando um engajamento na República Centro-Africana por seis meses, e depois criticando os “autoproclamados especialistas” que apontaram que estava lá sem dúvida, uma previsão um pouco otimista. Esta operação, Sangaris, finalmente terminará três anos depois. Um erro de fator seis é bastante comum.

O erro de previsão é de fato comum, principalmente quando neste nível de decisão não sabemos a complexidade da região na qual intervimos. Concentrados no problema atual, esquecemos cada vez mais que em torno dele também podem acontecer coisas muito importantes, uma crise econômica, a Primavera Árabe, o colapso de um Estado vizinho em nossa área de atuação, alguma crise séria qualquer que seja no Leste Europeu, um grande ataque terrorista em nosso solo, uma pandemia, etc. Muitas coisas externas, na verdade, vão mudar a situação local. É verdade que raramente estamos interessados ​​em eventos de baixa probabilidade, mesmo que sejam possíveis grandes choques e quando imaginamos sistematicamente que estaremos deixando um teatro de operações no próximo ano, estamos convencidos de que seu ambiente não terá tempo para se mover.

Combatentes da GIA durante a Guerra Civil Argelina (1991-2002).

Em suma, sempre anunciamos algo rápido buscando no curso da ação o fim que justificará que este será curto. Nossa atual campanha militar no Sahel não é exceção. Pequeno passo para trás. Tudo começou em 2008 quando nosso inimigo local, a Al-Qaeda no Magrebe Islâmico (Al-Qaida au Maghreb islamique, AQIM), ex-Grupo Salafista para a Pregação e Combate (Groupe salafiste pour la prédication et le Combat, GSPC) e, em parte, o ex-Grupo Islâmico Armado (Groupe Islamiste Armé, GIA) que planejava esmagar um avião comercial em Paris, e ataques organizados e assassinatos de franceses na França e na Argélia, decide trazer a luta contra nós para o Sahel. A AQIM era então baseada no norte do Mali, a zona cega da região em uma aceitação mais ou menos tácita de Argel e Bamako, desde que a organização visasse os outros. Na região, a AQIM assassina e, especialmente, sequestra cidadãos europeus e, em particular, franceses.

A tendência geral da França, então, é claramente para o abandono militar da África, a fim de voltar os olhos mais promissores para as monarquias do Golfo. No entanto, uma exceção foi feita para enfrentar a AQIM ao decidir reforçar a guerra secreta do DGSE* por um dispositivo do Comando de Operações Especiais (Commandement des opérations spéciales, COS), cujo ex-comandante é o chefe de gabinete privado do presidente Sarkozy. Esta campanha discreta inclui primeiro um componente de ajuda e reforço dos exércitos locais, a Mauritânia aceita e dará as boas-vindas enquanto o Mali se recusa. Em 2010, um pequeno grupo de forças especiais, Sabre, foi destacado para Burkina Faso para uma ação direta contra a AQIM.O dispositivo é leve e discreto. Parece adaptado ao contexto. Com a aproximação da eleição presidencial, provavelmente esperamos ter resultados decisivos, libertando concretamente o maior número possível de reféns, nos próximos dois anos, e tanto quanto possível para prejudicar a AQIM.

*Nota do Tradutor: Direction générale de la sécurité extérieure (DGSE), a Direção Geral da Segurança Exterior, o serviço secreto francês. Sucessor do antigo Serviço de Documentação Exterior e de Contra-Espionagem (Service de documentation extérieure et de contre-espionnage, SDECE) da Guerra Fria, e conhecido coloquialmente como "2e Bureau".

Ato pró-Assad em Damasco, capital da Síria, durante a Primavera Árabe, 28 de novembro de 2011.

E então as coisas mudam muito rapidamente desde o final de 2011 em grande parte devido a, voltamos a isso, turbulências do ambiente e não particularmente à Primavera Árabe. O principal fenômeno, então, é o rápido aumento do poder dos grupos armados, que, coincidentemente, estão se desenvolvendo especialmente no norte do Mali. Podemos ver tanto a volta do movimento nacionalista tuaregue, quanto um retorno ao significado original desde o fim do regime do coronel Kadafi, com a criação do Movimento Nacional pela Libertação de Azawad (Mouvement national de libération de l’Azawad, MNLA) e a formação de organizações jihadistas que recrutaram mais localmente do que os argelinos da AQIM, como o Movimento pela Unicidade e Jihad na África Ocidental (Mouvement pour l’unicité et le jihad en Afrique de l’Ouest, MUJAO) ou Ansar Dine. Essas pessoas não são psicopatas vindos do planeta Marte, são movimentos políticos com um estabelecimento necessariamente local, muitas vezes seguindo o padrão daquele estado, e um exército de voluntários que se juntam às fileiras por múltiplas razões. E enquanto elas existirem, essas razões fornecerão voluntários.

Eles também não são superpotências militares. Cada uma dessas organizações tem pouco mais de mil combatentes permanentes, mas diante do vácuo, pouco já é muito. Cada uma das katibas* desses grupos, colunas PKMR (Pick-up, Kalashnikovs, Metralhadoras, RPG-7) de cerca de 200 combatentes bastante motivados, competentes e adaptados ao ambiente, possui vários níveis táticos de lacuna em tudo que as Forças Armadas Malinenses (Forces Armées MaliennesFAMa) podem alinhar do lado oposto. Ou seja, cada luta será automaticamente uma derrota, às vezes contundente, para as FAMa. O Mali, seu estado paralisado e corrupto, seu exército logicamente no mesmo estado, estão, portanto, em uma posição extremamente vulnerável. Pior, o estado do Mali está sofrendo de "inércia consciente". Ele vê os problemas, mas o esforço para lidar com eles é muito grande. Assim, ele observa a catástrofe acontecer, mas não pode se mover para evitá-la.

*NT: Uma katiba é uma formação tradicional da África do norte e Sahel, geralmente uma formação ligeira valor companhia, com uma centena de homens, ou pelotão - com 30 homens - variando em número e composição. Seu nome ficou famoso na Guerra da Argélia por ser a unidade de base da ALN (o braço armado da FLN), e foi adotado pelos grupos insurrecionais magrebinos. O nome Katiba também serviu de título para o romance de Jean-Christophe Rufin, de 2010, em referência à AQMI.

Katiba.
De Jean-Christophe Rufin, 400 páginas, 2010.

A esta altura, poderíamos ter feito algo, nós franceses? Somos então monopolizados pela eleição presidencial e pela corrida entre os candidatos para acelerar a retirada do Afeganistão. Depois das experiências do Iraque e do Afeganistão, a tendência não é mais para as intervenções. Para os europeus que são por natureza cautelosos com as operações militares, o tempo para grandes intervenções, mesmo as mais brandas, acabou, elas não se repetirão. Para os europeus menos cautelosos, leia-se os britânicos, os danos diretos ou indiretos dessas experiências deixaram sua ferramenta militar em um estado ainda pior do que o nosso. Mesmo os americanos estão mais hesitantes sob a presidência de Obama. Não foi bem compreendido na época, mas somos os últimos entre os países ocidentais a não sermos inibidos por experiências recentes. Pelo contrário, guerrear e lutar, depois do Afeganistão, não são mais palavras ruins.

No período recente, em 2012, quando nosso contingente afegão se retirava (sem seus intérpretes), estávamos no escuro. Ninguém nas fileiras imaginava que estaríamos envolvidos em uma operação de guerra de curto prazo em grande escala. Nosso inimigo no momento era o Bercy e para economizar nossos orçamentos, estávamos até começando a falar, com horror, em envolvimento com a segurança interna. A figura imposta das apresentações em PowerPoint da época era a evocação do importante papel do exército japonês na gestão do desastre do tsunami de Fukushima. E então tudo muda.

O Mali começa a explodir no início de 2012. Ato 1, o MNLA, às vezes auxiliado por outros grupos armados, expulsa as FAMa do norte do país e proclama a independência de Azawad. Ato 2, o desastre desencadeia um golpe de Estado que paralisa as instituições por meses. Ato 3 grupos jihadistas expulsam o MNLA e dividem o norte do país, que se torna, antes mesmo do retorno em vigor do Estado Islâmico no Iraque, um primeiro proto e lamentável estado controlado e administrado por jihadistas. E aí percebemos que não há quem realmente se oponha... exceto a França, mas há também o dilema africano: intervimos, somos acusados de intrusão neocolonial; não intervimos, somos acusados de não prestar assistência a um país amigo em perigo. Portanto, estamos relutantes. A solução que surge então é necessariamente africana com o restabelecimento das instituições do Mali sob a égide da CEDEAO*. A CEDEAO também vai formar uma força inter-africana, a Missão Internacional de Apoio ao Mali sob Liderança Africana (Mission internationale de soutien au Mali sous conduite africaine, MISMA), para ajudar as FAMa a restaurar a autoridade do Estado em todo o país. Veremos que é muito superficial, mas parece consistente. O recém-eleito presidente Hollande afirma que a França apoiará a MISMA e as FAMa. Portanto, de volta ao antigo modo de ação de apoio e suporte, como a Operação Noroit em Ruanda ou Manta-Épervier no Chade. Isso funciona se o nível tático das forças apoiadas não estiver muito longe daquele das forças inimigas. Este raramente é o caso.

*NT: Communauté économique des États de l'Afrique de l'Ouest, Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental.

Soldados malinenses, armados e equipados de forma semelhante aos jihadistas, durante a Operação Serval, 2013.

O problema é que a solução da CEDEAO não funciona bem. A MISMA, como todas as forças inter-africanas, leva muito tempo para se estabelecer. Como todas as coalizões, leva muito tempo para discutir a participação de uns e outros, especialmente porque não existe uma “nação-quadro” para fazer 80% do trabalho. Precisamos de alguns equipamentos específicos, para transporte e comando em particular, e acima de tudo um financiamento suficiente que só pode vir de fora, o que pode levar anos. Além disso, fica claro, em retrospecto, que a MISMA foi malfeita e que o plano não teria dado certo.

Todas essas dificuldades para gerar forças são tão recorrentes que eram previsíveis em 2012. Ainda assim, continuamos e, à força da espera, é o inimigo que ataca primeiro.

Em janeiro de 2013, a MISMA ainda não estava lá, o exército malinense não fez nenhum progresso e não consideramos/desejamos/pudemos posicionar um batalhão francês em pontos-chave no centro do país. Portanto, não há nada sólido e a coluna PKMR de Ansar Dine rumo ao sul está destinada a penetrá-lo como manteiga doce e semear a desordem.

Soldados malinense e francês na Operação Serval, 2013.

É o pânico. O presidente interino Dioncounda Traoré pede ajuda diretamente a François Hollande. O Presidente da República aceita e de repente nos reconectamos com tudo o que foi nossa força nas operações das décadas de 1960 e 1970: rápido processo decisório estratégico, proximidade de forças pré-posicionadas, reatividade de forças em alerta e, sobretudo, tomadas de risco e combate assumidas.

É claro que, embora a ajuda dos Aliados com o transporte aéreo, uma de nossas fraquezas recorrentes, seja inestimável, nenhum deles está se juntando a nós na linha de frente. Os países da UE não estão combatendo e, para muitos, não estão interessados na África. No local, empregamos diplomaticamente à frente as FAMa, depois os batalhões africanos da MISMA que chegam com urgência, mas na realidade são os franceses que vão para o camarote, com o corajoso contingente chadiano.

As forças francesas com as forças africanas e as forças armadas do Mali continuam a controlar o anel do Níger e a consolidar o sistema militar nas cidades de Timbuktu e Gao com a instalação de vários elementos da MISMA e das FAMa. Enquanto os ataques aéreos continuam ao norte de Kidal, o exército chadiano entrou na cidade para protegê-la.

Uma coluna das Forças Armadas do Chade servindo no Mali (Forces armées tchadiennes en intervention au Mali, FATIM), em algum lugar entre Kidal e Tessalit. Esses homens desempenharam um papel fundamental na guerra contra a AQMI.

Em três meses, as batalhas mais importantes foram vencidas, todas as cidades foram libertadas e a base da AQIM destruída. É modelo do gênero. No entanto, o inimigo não é destruído, mas sobretudo expulso. No máximo, eliminamos 20% do potencial dos grupos jihadistas, preservando os grupos tuaregues que se mantiveram discretos e até nos ajudaram contra os jihadistas. Foi bom na época, mas gerou críticas depois.

Esta campanha acabou, mas a guerra continua. O que fazer? Poderíamos sair do Mali e voltar à postura ligeira anterior, mesmo que isso signifique fortalecer a nossa capacidade de intervenção regional no caso de um novo problema grave. Escolhemos ficar no Mali, para “unir forças” com as eleições presidenciais do Mali em agosto de 2013, da qual esperávamos muito, depois “a sucessão”.

É uma ilusão. Não medimos (poderíamos, no entanto, não faltaram os alertas) o grau de "inércia consciente" do Mali, depois do vizinho Burkina Faso. Quanto à sucessão, como imaginar que o exército malinense se tornasse subitamente eficaz e legítimo graças aos cursos de formação da missão da União Europeia (European Union Training Mission in MaliEUTM)? Sejamos sérios. Um exército é um conjunto que certamente inclui a aquisição de competências básicas, mas também é uma adaptação ao ambiente de engajamento, equilíbrios, recrutamento, supervisão, gestão de carreira, etc. É impossível separar o funcionamento de um exército do Estado que o emprega. Desde 2013, a EUTM treinou ou retreinou mais de 14.000 soldados malinenses, várias vezes o que grupos irregulares podem formar no total na região. Por qual resultado? Nunca deixamos de ficar espantados (mas não surpreendidos) pela indignação do Almirante Guillaud, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas da época, quando um oficial francês da EUTM mencionou a superficialidade da sua missão.

Almirante Édouard Guillaud, Chefe do Estado-Maior dos Exércitos Franceses, discursando na Place de la République em Estrasburgo, em 28 de junho de 2013, durante a mudança de comando no Eurocorps entre os generais Olivier de Bavinchove e Guy Buchsenschmidt.

Plano B: a Missão de Estabilização Multidimensional Integrada das Nações Unidas no Mali (Mission multidimensionnelle intégrée des Nations unies pour la stabilisation au Mali, MINUSMA). Tanto para os meios que são desdobrados com bastante rapidez. As nações voluntárias são sempre numerosas para participar dessas operações em que as Nações Unidas pagam por tudo. Efetivamente, existe o financiamento de um milhão de euros para desdobrar uma força multinacional que acaba por incluir 13.000 soldados, o que é mais uma vez várias vezes o número de combatentes irregulares em linha no Mali. Laurent Fabius, Ministro das Relações Exteriores, falou sobre isso com trêmulos na voz. Ele não sabia, portanto, que a MINUSMA, como todas as missões das Nações Unidas, não teria muita utilidade a um custo muito alto, uma vez que seria incapaz de organizar qualquer operação militar? Pior, a MINUSMA era tão fraca que pedia ajuda aos franceses contra os grupos armados. Como uma sucessão, é um fracasso.

Plano C: a força conjunta do G5-Sahel. Em si, é uma boa ideia criar um estado-maior comum e, a montante, uma escola de guerra comum em Nouakchott, capaz de comandar operações do tamanho de uma brigada. Mas foi só em 2017 que essa força foi oficialmente criada e, três anos depois, ainda está muito pouco operacional, pelos mesmos motivos mencionados acima para o MISMA.

Soldado chadiano e operador das forças especiais franceses em um posto de controle no Mali. As forças especiais francesas estabeleceram 7 destacamentos de ligação e apoio (détachements de liaison et d’appui, DLA) no seio de batalhões africanos da MINUSMA.

Nada que não fosse previsível em tudo isso, mas decidimos ficar no Mali e esperar. Estávamos mesmo tão confiantes de que no final de 2013 nos engajávamos também em uma operação de estabilização na República Centro-Africana (os seis meses descritos acima) que está se revelando mais difícil do que pensávamos, então mais alguns meses mais tarde no Iraque para estar na foto da nova coalizão americana. Poucos meses depois, no início de 2015, 10.000 soldados foram engajados nas ruas da França sem grande visão. Em todo caso, mostrar que estávamos fazendo supera, no espírito do político, a utilidade do fazer. Empilhamos sem nunca saber como retirar. O lado bom é que embora o contexto estratégico não tenha mudado de forma alguma (estava escrito em todos os lugares que um dia haveria ataques na França, pouco antes da linha sobre possíveis pandemias), a política de Defesa muda em tudo.


Obviamente, à força de meios reduzidos de dispersão, não sobra muito para o que tende a se tornar um deserto dos tártaros. Já que você não pode mudar muito a realidade, você começa mudando seu nome. A Barkhane substitui a Serval, mas é apenas uma questão de colocar racionalmente todas as forças da região sob um comando. Para fazer o quê? É fácil quando você tem apenas um martelo como ferramenta, você apenas bate. Além de raides e ataques, a Barkhane bate e espera. Ao custo de perder um soldado a cada dois meses em média e ao custo de um milhão de euros por combatente inimigo eliminado, espera-se depois de sete anos que o Mali deixe de ser inerte, que uma verdadeira força venha sabe-se lá de onde se proponha a nos suceder ou que uma mudança extraordinária remexa tudo de cabeça pra baixo. Com um pouco de sorte, pode nos ser favorável imaginar uma nova aventura em um ano e se ela durar mais tempo, será que teremos caído de novo em uma armadilha ainda previsível.

Michel Goya, tenente-coronel e editor do Centro de Doutrina de Emprego de Forças (Exército), é responsável por fornecer feedback das operações francesas e estrangeiras na região da Ásia/Oriente Médio. Ele é o autor de La Chair et l'Acier (Paris, Tallandier, 2004), que se concentra no processo de evolução tática do exército francês durante a Primeira Guerra Mundial. Este livro foi traduzido como A Invenção da Guerra Moderna pela Bibliex. Goya também foi o autor do livro Sous le Feu: La mort comme hypothèse de travail (traduzido no Brasil como Sob Fogo: A morte como hipótese de trabalho).

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