domingo, 9 de janeiro de 2022

A operação de manutenção da paz do CSTO no Cazaquistão: uma visão geral

Tropas russas enviadas para Almaty.
(Fonte: Ministério da Defesa russo)

Por Oleg Shakirov, European security, digital diplomacy, 8 de janeiro de 2022.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 8 de janeiro de 2022.

Em 6 de janeiro de 2022, a Organização do Tratado de Segurança Coletiva lançou sua primeira operação de manutenção da paz a pedido do Presidente do Cazaquistão Kassym-Jomart Tokayev. Devido à natureza sem precedentes desse desdobramento, às incertezas sobre a situação de rápido desenvolvimento no Cazaquistão e ao contexto geopolítico mais amplo, há muitas especulações sobre o que está acontecendo. Nesta visão geral, quero apresentar evidências conhecidas sobre a operação da CSTO na esperança de que ajude a entendê-la melhor.

Organização do Tratado de Segurança Coletiva

O Tratado de Segurança Coletiva foi assinado em Tashkent em 15 de maio de 1992, poucos meses após a dissolução da União Soviética. Seus participantes originalmente incluíam Armênia, Cazaquistão, Quirguistão, Rússia, Tadjiquistão e Uzbequistão; no ano seguinte, juntaram-se o Azerbaijão, Geórgia e Bielo-Rússia.

Em 1999, quando o Tratado precisou ser prolongado, surgiram os membros básicos de seis países: Armênia, Bielo-Rússia, Cazaquistão, Quirguistão, Rússia, Tajiquistão e Bielo-Rússia (o Uzbequistão voltou a aderir de 2006 a 2012). Em 2002, eles criaram a Organização do Tratado de Segurança Coletiva.

Os membros da CSTO cooperam nas dimensões política, militar e parlamentar. Uma de suas prioridades tem sido o combate às ameaças transnacionais, como a migração ilegal, o tráfico de drogas e o terrorismo, com exercícios regulares nessas áreas.

Sua estrutura militar conjunta é dividida em três regiões: Europa Oriental, Cáucaso, Ásia Central. A CSTO mantém as Forças Coletivas de Desdobramento Rápido da Região da Ásia Central (desde 2001), Força de Paz Coletiva (desde 2007), Forças de Reação Rápida Coletiva (desde 2009), Força Aérea Coletiva (desde 2014).

O Acordo sobre as atividades de manutenção da paz da CSTO foi assinado em 2007 e estabeleceu a estrutura legal para as operações de manutenção da paz dentro da CSTO ou em outro lugar (desde que haja um mandato do Conselho de Segurança da ONU). Recentemente, a CSTO estava planejando integrar sua capacidade de manutenção da paz na estrutura da ONU e se envolver em missões da ONU.

Além dos exercícios, a CSTO nunca usou suas forças de manutenção da paz ou outras forças num cenário da vida real. Em 2010, o Quirguistão solicitou a assistência da CSTO durante confrontos étnicos, mas outros participantes decidiram não se envolver. Mais recentemente, a CSTO foi testada por várias crises em sua área de responsabilidade, desde a guerra do Nagorno-Karabakh e confrontos subsequentes entre a Armênia e o Azerbaijão (em 2021, a Armênia solicitou oficialmente consultas conjuntas nos termos do Artigo 2 do Tratado de Segurança Coletiva devido às incursões das tropas do Azerbaijão); confrontos entre o Quirguistão e Tadjiquistão sobre disputas de fronteira; situação na Bielo-Rússia. Embora as autoridades da CSTO não tenham ficado em silêncio nesses e em outros casos, a organização e a Rússia em particular, seu membro mais poderoso, preferiram não interferir militarmente.

A operação de manutenção da paz no Cazaquistão é, portanto, o primeiro exemplo em que a CSTO desdobra sua força coletiva para ajudar a resolver uma crise real.

Solicitação de assistência e tomada de decisão da CSTO

Na noite de 5 de janeiro, em meio aos protestos que se tornaram violentos em Almaty, Tokayev disse publicamente que solicitou a assistência dos líderes da CSTO “para superar essa ameaça terrorista”. Ele se referiu aos eventos da seguinte forma: “isso está minando a integridade do Estado e o mais importante - este é um ataque aos nossos cidadãos, que me pedem como chefe de Estado para ajudá-los imediatamente”. (No início do mesmo dia, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que o Cazaquistão não havia solicitado ajuda da Rússia.)

Logo depois disso, Nikol Pashinyan, primeiro-ministro da Armênia e presidente do Conselho de Segurança Coletiva de 2022 (órgão supremo da CSTO composto por chefes de Estado ou de governo), postou no Facebook que acabara de falar com Tokayev por telefone e em resposta a seu pedido para obter assistência estava começando uma consulta imediata dentro do Conselho de Segurança Coletiva.

Duas horas depois, por volta da meia-noite (horário de Moscou), Pashinyan anunciou no Facebook que o Conselho de Segurança Coletiva decidiu enviar a Força Coletiva de Paz ao Cazaquistão por um período de tempo limitado. A mesma declaração foi publicada posteriormente pelo Kremlin e pela CSTO. Aqui está a tradução oficial para o português da declaração da CSTO:

Em conexão com o apelo do Presidente da República do Cazaquistão Kassym-Jomart Tokayev e em vista da ameaça à segurança nacional e à soberania da República do Cazaquistão causada, entre outras coisas, por agressão externa, o Conselho de Segurança Coletiva da CSTO de acordo com o Artigo 4 do Tratado de Segurança Coletiva, decidiu enviar as Forças Coletivas de Paz da CSTO à República do Cazaquistão por um período limitado de tempo a fim de estabilizar e normalizar a situação naquele país.

Nikol Pashinyan
Presidente do Conselho de Segurança Coletiva da CSTO,
Primeiro Ministro da República da Armênia

Alguns pontos devem ser destacados:
  • A CSTO não interpretou a situação como contraterrorismo. Embora Tokayev tenha enquadrado a situação em termos de combate ao terrorismo, a declaração da CSTO claramente evita qualquer menção ao terrorismo. Além disso, os líderes da CSTO decidiram desdobrar uma força de manutenção da paz em vez de outros tipos de força coletiva que a organização afirma que mencionam especificamente o terrorismo (ver as Forças de Reação Rápida Coletiva e as Forças Coletivas de Desdobramento Rápido da Região da Ásia Central).
  • A declaração de Pashinyan enfatizou a "agressão externa" entre as coisas que ameaçaram a segurança nacional e a soberania do Cazaquistão. Embora não esteja claro o que isso implica, as autoridades do Cazaquistão e da Rússia fizeram alegações não especificadas sobre o envolvimento estrangeiro na crise atual. Esta ênfase também pode ter sido feita para justificar a invocação do Artigo 4 (disposição de defesa coletiva da CSTO). No entanto, uma leitura atenta do artigo 4 mostra que ele é realmente ambíguo quanto à fonte da agressão, ou seja, não importa se é de fora ou de dentro.
  • O desdobramento da manutenção da paz seria “por um período limitado de tempo”, aparentemente até que a situação no Cazaquistão fosse normalizada.
O secretário-geral da CSTO notificou a OSCE, a organização de cooperação de Xangai e a ONU sobre o envio de forças de manutenção da paz.

Tomada de Decisão Nacional

Todos os membros da CSTO (exceto o Cazaquistão) decidiram contribuir para a força de manutenção da paz. Por se tratar da primeira operação da CSTO desse tipo, vale a pena observar como cada membro procedeu com sua participação.
  • Na Rússia, a decisão de participar da operação de manutenção da paz da CSTO foi aparentemente tomada pela alta liderança sem a participação do parlamento. De acordo com a Constituição, o Conselho da Federação (câmara superior) deve dar consentimento ao pedido do presidente para usar as forças armadas fora da Rússia - por exemplo, este procedimento foi seguido em 2015 no que diz respeito à Síria e em 2014 à Ucrânia. Mas o envolvimento do Conselho da Federação nem sempre é necessário e o Presidente tem ampla autoridade para decidir sobre o uso da força por si mesmo. De acordo com a resolução de 2009 da câmara superior, o presidente pode tomar tais decisões em quatro tipos de situações, incluindo "para repelir ou prevenir um ataque armado a outro Estado, que fez um pedido relevante à Federação Russa." Esta condição aparentemente se aplica ao caso do Cazaquistão. O Ministério das Relações Exteriores divulgou uma declaração sobre a decisão da CSTO explicando que a Rússia “apoiou a adoção de medidas urgentes em meio à rápida deterioração da situação política interna e ao aumento da violência no Cazaquistão. Vemos os desenvolvimentos recentes neste país amigo como tentativas provocadas externamente de perturbar a segurança e integridade do Estado por meios violentos, incluindo grupos armados treinados e organizados.”
  • Na Bielo-Rússia, a decisão de participar na operação de manutenção da paz também não envolveu o parlamento. O Ministro da Defesa divulgou um comunicado oficial dizendo: “Decidi, e foi aprovado pelo Presidente da República da Bielo-Rússia, enviar uma companhia de manutenção da paz especializada da 103ª Brigada Aerotransportada das Forças de Operações Especiais de Vitebsk para esses fins [participar da operação da CSTO].”
  • Na Armênia, a contribuição exigiu uma decisão do governo adotada em 6 de janeiro.
  • A operação da CSTO foi mais polêmica no Quirguistão, onde alguns manifestantes em frente ao prédio do Parlamento exigiram que o país evitasse o envio de tropas ao vizinho Cazaquistão. O Governo até fez uma declaração especial explicando a necessidade de participar na operação: “O Gabinete de Ministros apela ao povo do Quirguistão e a todas as forças sociopolíticas do país para tomarem esta decisão com total compreensão e responsabilidade. Como vizinho próximo e aliado estratégico da República do Cazaquistão, a República do Quirguistão não tem o direito de rejeitar o pedido de assistência de suas autoridades legítimas e cumprirá suas obrigações na medida necessária dentro da CSTO.” Em 6 de janeiro, não havia quorum no Parlamento para considerar a questão. Mas, em última análise, em 7 de janeiro, o Parlamento deu permissão para participar da operação da CSTO, com 69 dos 120 membros votando a favor. O vice-chefe do Gabinete argumentou em sua declaração perante os parlamentares que as tropas quirguizes não iriam dispersar os comícios, mas protegeriam instalações governamentais estratégicas.
  • Também na sexta-feira, foi relatado que o Parlamento do Tadjiquistão realizou uma reunião conjunta das câmaras inferior e superior e aprovou o envio de tropas para o Cazaquistão.

Mandato

De acordo com o Secretário-Geral da CSTO, as forças de paz têm duas tarefas principais: “A primeira é a proteção das instalações estratégicas e estatais mais importantes. E a segunda tarefa é ajudar a manter a lei e a ordem, para que as pessoas se sintam seguras”.

Da mesma forma, o Ministério da Defesa russo em seus comunicados à imprensa afirma que as principais missões da Força Coletiva de Manutenção da Paz são "proteger importantes instalações estatais e militares, ajudar as forças de aplicação da lei da República do Cazaquistão a estabilizar a situação e trazê-la de volta para o campo jurídico.”

As primeiras tarefas foram enfatizadas como as principais por vários altos funcionários, ver, por exemplo, a declaração já mencionada do Vice-Chefe do Gabinete do Quirguistão. Em um relatório do Canal Um da Rússia, a proteção de instalações estratégicas é considerada a principal tarefa das forças de paz. Foi noticiado em 7 de janeiro que as tropas da CSTO assumiram o controle do aeroporto de Almaty.

É a última tarefa, a assistência na manutenção da lei e da ordem, que levanta mais questões. A possibilidade de tropas estrangeiras participarem de protestos reprimidos ou se engajarem em combates gerou controvérsias no Cazaquistão e em outros estados da CSTO. Tanto o Cazaquistão quanto outras autoridades trataram explicitamente dessas preocupações. O secretário-geral da CSTO, Stanislav Zas, disse que as tropas da CSTO não se envolverão na dispersão de comícios. Em 7 de janeiro, o Ministério da Defesa russo disse à mídia:

“Conforme acordado com o lado do Cazaquistão, os militares da Força Coletiva de Manutenção da Paz da CSTO não estão envolvidos em atividades operacionais e de combate das agências locais de aplicação da lei e unidades do exército para estabelecer a lei e a ordem no país.”

Um representante da administração Tokayev afirmou de forma semelhante:

“Os soldados da CSTO não participam de operações de combate e não se envolvem na eliminação de militantes.”

No que diz respeito à duração da operação da CSTO, aparentemente não há limite definido no momento. De acordo com Stanislav Zas, a duração do "período limitado" (por decisão do Conselho de Segurança Coletiva) "dependerá da situação que se desenvolverá no Cazaquistão e, é claro, da posição da liderança do Cazaquistão" e pode demorar alguns dias ou algumas semanas.

Contribuições de tropas


O número total da Força Coletiva de Manutenção da Paz da CSTO é de 3.600 soldados. De acordo com o Secretário-Geral da CSTO, Stanislav Zas, o desdobramento esperado seria de cerca de 2.500 soldados. A partir de 8 de janeiro, as contribuições de tropa são as seguintes:
  • De acordo com o Ministério da Defesa russo, as forças de paz russas incluem "unidades da 45ª Brigada Separada de Forças Especiais das Forças Aerotransportadas, 98ª Divisão Aerotransportada das Forças Aerotransportadas e 31ª Brigada Separada das Forças Aerotransportadas". O número exato de tropas não foi especificado até agora. O Ministério da Defesa criou o grupo de 70 aeronaves Il-76 e 5 An-124 para transportar tropas e equipamentos russos e auxiliar no transporte de outras tropas da CSTO para Almaty. O comandante das Forças Aerotransportadas, o Coronel-General Andrey Serdyukov foi nomeado chefe da operação de manutenção da paz (sua biografia oficial está disponível no site do Ministério da Defesa e seu perfil foi criado pelo Kommersant).
  • A Bielo-Rússia desdobrou uma companhia de manutenção da paz especializada da 103ª Brigada Aerotransportada das Forças de Operações Especiais de Vitebsk (100 militares com 200 na reserva), que foram transportados em 8 de janeiro por aviões russos.
  • A Armênia desdobrou mais de 100 soldados, transportados pela Rússia em 8 de janeiro.
  • O Quirguistão contribuiu com 150 soldados.
  • O Tadjiquistão enviará cerca de 200 soldados.

sábado, 8 de janeiro de 2022

FOTO: Coluna de veículos russos indo para o Cazaquistão


Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 8 de janeiro de 2022.

Colunas de veículos russos aguardando transporte aéreo para o Cazaquistão, em 7 de janeiro de 2022. Ao lado dos caminhões, estão blindados de infantaria aero-lançáveis dos paraquedistas russos. No sistema russo, os paraquedistas devem ser apoiados por blindados sempre que possível, assim garantindo mobilidade tática à VDV.

FOTO: Caveira emergindo da fumaça

Um caveira do BOPE engolfado em fumígena laranja, 2019.
(Guto Ambar)

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 8 de janeiro de 2022.

Foto de um Caveira, um operador do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE), durante um exercício. A foto, tirada por Guto Ambar, foi parte de uma coleção para um livro fotográfico sobre o famoso batalho especial carioca em comemoração aos seus 42 anos. O livro foi lançado em janeiro de 2020.

 O livro foi apresentado no Centro Cultural Banco do Brasil no Rio de Janeiro. O livro tem a capa preta com o símbolo do BOPE - a famosa CAVEIRA - e a capa dura tem as letras e logotipo em alto relevo, ambos em boa qualidade.



Parabéns ao BOPE por seus 42 anos de serviço.

Si vis pacem, para bellum!

quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

ANÁLISE: Operação russa do CSTO no Cazaquistão


Por Maxim A. Suchkov, especialista de segurança internacional, 6 de janeiro de 2022.

Tradução  Filipe do A. Monteiro, 6 de janeiro de 2022.

A política da Eurásia pode ser interessante:

Nos últimos 3 dias, o país que parecia o mais forte da Ásia Central quase se transformou em um estado falido. Putin enviou tropas para apoiar o governante que endossou a política externa "multivetorial" e a decisão teve de ser pronunciada pelo primeiro-ministro armênio, que chegou ao poder por meio de protestos e se recusou a recorrer ao CSTO no momento em que seu exército estava perdendo para o Azerbaijão.

CSTO: Organização do Tratado de Segurança Coletiva / Collective Security Treaty Organization / Организация Договора о коллективной безопасности / Organizatsiya Dogovora o kollektivnoy bezopasnosti.


A Força de Paz Coletiva consiste em tropas da Rússia, Bielo-Rússia, Armênia, Tadjiquistão e Quirguistão.

A fronteira entre a Rússia e o Cazaquistão tem 7599km de comprimento. A crise se desenrolou rapidamente. Não importa quem está por trás dos protestos, a Rússia não permitiria que o Cazaquistão se transformasse em uma zona cinzenta de instabilidade. Mesmo que não tenha sido uma “revolução colorida”, como alguns especulam, há motivos para a Rússia se preocupar.

Os protestos pareciam coordenados, bem organizados. Para mim, como não-especialista em Cazaquistão, isso parece uma combinação de fatores - confronto intra-elites + algum envolvimento estrangeiro. Se você acredita que é puramente local, dê uma olhada de onde os protestos foram coordenados, quem são os “líderes da oposição”, etc.

Comentário lateral - interessante a entrevista de hoje de Mikheil Saakashvili, onde ele fala sobre como ele se encontrou com a oposição cazaque na Ucrânia e deu as boas-vindas à "luta deles". Isso, é claro, de forma alguma deve degenerar as queixas genuínas das pessoas que tomaram as ruas no Cazaquistão em protesto genuíno. Estou apenas dizendo que, como em qualquer protesto impaciente do tamanho, as queixas genuínas foram vítimas de manipulações e provocações políticas.


A Rússia foi confrontada com uma crise repentina que agora busca transformar em uma oportunidade. Que o CSTO foi invocado é interessante e, na minha opinião, é uma boa jogada.

A) É considerado um esforço coletivo da Eurásia, não um capricho russo.
 
B) Dá mais legitimidade às ações para estabilizar o Cazaquistão.
C) reforça a posição da Rússia no Cazaquistão e na Eurásia, demonstra mais uma vez que não há outro estado na Eurásia além da Rússia para cuidar da segurança de seus vizinhos em caso de extrema necessidade.

MAS também existem algumas armadilhas potenciais no caminho:

A) O esforço da Rússia pode ser visto (já é por alguns) como “intervenção”;

B) A população russa no Cazaquistão tornando-se alvo de uma multidão enfurecida que lançaria sua raiva contra a Rússia sobre essas pessoas;

C) A Rússia se envolvendo na política do Cazaquistão ao lado de Tokayev (“salvando outro ditador” etc).

As lições da Síria devem ajudar aqui:
  • Moscou precisa ter cuidado com o nível de suporte para que Tokayev não comece a abanar o rabo como Assad costuma fazer;
  • Seu envolvimento deve ser limitado em tempo e tamanho e restrito à manutenção da paz, não ao combate de bandidos armados.
No geral, esta é uma missão difícil que, se realizada com sucesso, elevaria a Rússia na política eurasiana. Mas veremos o que acontece a seguir.

Toda a propaganda sobre os russos indo “reprimir protestos pacíficos e matar cazaques”, comparações tolas com a Hungria e a Tchecoslováquia é o que realmente é - propaganda. “Cui Prodest?”, Como dizem mais um bando de idiotas úteis inclusive na Rússia. Já vi esse filme antes sobre a Síria.

A reação ocidental ao CSTO é previsivelmente negativa em parte porque algumas pessoas não conseguem colocar suas próprias prioridades de segurança em uma ordem adequada em meio à mudança da realidade internacional. Para eles, a Rússia é uma ameaça maior do que as zonas cinzentas sem governo.

Tropas são vistas na praça principal, onde centenas de pessoas protestavam contra o governo, após a decisão das autoridades de elevar os limites de preço do gás liquefeito de petróleo, em Almaty, Cazaquistão, em 6 de janeiro de 2022.

Isso é uma imagem espelhada de alguns estados de espírito na Rússia que, por exemplo, veem os EUA como uma ameaça maior do que o Afeganistão controlado pelo Talibã, ficam felizes em ver os EUA deixarem o Afeganistão apenas porque são os EUA, mas o que acontece no dia 2 é outro assunto. Não compartilho dessa abordagem - nem em relação à Rússia, nem aos EUA.

“A Eurásia não é uma prioridade para os EUA” - todo especialista em DC diria: “A China é”. Assim, não querendo desperdiçar recursos para controlar vastas terras que poderiam ser facilmente desestabilizadas, o chefe da CIA viaja a Moscou para falar sobre o uso conjunto de bases militares para manter o Talibã sob controle.

TODAVIA, quando a Rússia opta por agir como um glutão para punir e ajudar a colocar as coisas em ordem, se encarregar da segurança de seus principais vizinhos, o pessoal faz barulho sobre as ambições imperiais russas, ocupação, etc. Como exatamente o desdobramento do CSTO no Cazaquistão ameaça os interesses ocidentais?

A multidão decapita policiais no Cazaquistão, mas alguns falantes, a mídia convencional e os políticos ocidentais continuam falando de "manifestantes pacíficos" e pedem que a Rússia fique longe e, quando isso não acontecer, eles voltarão ao velho jogo da "ameaça russa". Está bem então.


É difícil se livrar dos estereótipos geopolíticos/históricos, mas precisava ter o foco certo nas prioridades. Há crises em que a Rússia pode ser instrumental e útil - o Cazaquistão é uma delas. Fracassos potenciais irão assombrar a Rússia, mas isso não é uma preocupação do Ocidente.

Se isso não for convincente o suficiente, converse com os CEOs das principais empresas ocidentais que operam no Cazaquistão - eles diriam o quanto gostariam do Cazaquistão ser um estado estável e em desenvolvimento, em vez de um Boratistão.

P.S.: Espero que a crise no Cazaquistão seja administrado sabiamente por todos os lados.

Maxim Suchkov
Ph.D. em Ciência Política
Instituto de Estudos Internacionais - Diretor
Centro de Estudos Americanos Avançados - Diretor
Escola de Governo e Assuntos Internacionais - Membro do Corpo Docente
Departamento de Análise Aplicada Internacional - Professor Associado

O Dr. Suchkov possui várias afiliações de especialistas não residentes na Rússia e no exterior: ele é um especialista do Conselho de Assuntos Internacionais da Rússia (RIAC) e do Valdai Discussion Club, um pesquisador associado do Instituto Italiano de Estudos Políticos Internacionais (ISPI) e um acadêmico não residente no Middle East Institute (MEI), com sede em Washington.

Graduado pela Universidade Pública de Pyatigorsk, no passado foi Fulbright Visiting Fellow na Georgetown University (2010-2011), Visiting Fellow na New York University (2015) e professor adjunto na IE University na Espanha (2020). Ele também foi o editor da cobertura da Al-Monitor na Rússia-Oriente Médio (2016-2020). O Dr. Suchkov é membro de dois grupos de trabalho nas relações EUA-Rússia.

Seus interesses de pesquisa incluem segurança e política externa, conflitos futuros, relações EUA-Rússia, desenvolvimentos no Oriente Médio, bem como o impacto da tecnologia nas relações internacionais. O Dr. Suchkov é um colaborador e colunista frequente da mídia russa e internacional. Seus comentários e análises apareceram, entre outros, no Washington Post, no Wall Street Journal, no Guardian, na Associated Press e no American Interest.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

A Rússia espera resolver o atraso com a FAN e lançar uma fábrica de fuzis em 2022


Por Sofía Nederr, Tal Cual Digital, 29 de dezembro de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 5 de janeiro de 2022.

Resumo: A Rússia aspira resolver o atraso que tem com a Força Armada Nacional (Fuerza Armada NacionalFAN) e lançar a fábrica para a produção de fuzis AK-103 Kalashnikov, na Venezuela, para o próximo ano de 2022. A porta-voz do Serviço Federal de Cooperação Militar e Técnica (Federal Service of Military-Technical CooperationFSMTC) da Rússia, Valeria Reshétnikova, relatou que especialistas russos começaram a preparar o equipamento de processo e as linhas de montagem.

A Rússia aspira a solucionar o atraso que tem com as Forças Armadas Nacionais (FAN) e lançar a fábrica para a produção de fuzis AK-103 Kalashnikov, na Venezuela, para o próximo ano de 2022.

A porta-voz do Serviço Federal de Cooperação Militar e Técnica (FSMTC) da Rússia, Valeria Reshétnikova, informou que “os especialistas russos começaram a preparar os equipamentos de processo e as linhas de montagem. Esperamos lançá-lo em 2022”.

Em agosto de 2021, após anos de atraso, a Rússia garantiu que se aproximava a entrega da fábrica de fuzis AK-103 e munições 7,62x39 na Venezuela.

Reshétnikova, em declarações à Spunitk, disse que apesar da situação epidemiológica e das sanções dos Estados Unidos, as obras finais na fábrica estão sendo realizadas em ritmo acelerado em cooperação com a Venezuela.

Foi em 2001 que foi assinado o contrato para a produção de armas e munições Kalashnikov na Venezuela. Em outubro deste ano, o enviado especial da Presidência, Adán Chávez, visitou Moscou e lembrou que o governo de Nicolás Maduro espera que as obras de construção da fábrica de fuzis Kalashnikov sejam concluídas no segundo semestre de 2022.

Em 2005, a Força Armada Nacional (FAN) adquiriu 100.000 fuzis de assalto AK-103 Kalashnikov da estatal russa Rosoboronoexport. Nesse sentido, o contrato incluiu a fábrica dos equipamentos no país que já foi anunciada em diversas ocasiões.


Segundo o portal Russia Beyond, segundo informações do dia 17 de setembro, a entrega da fábrica está cada vez mais próxima. Conforme informado, espera-se que as últimas máquinas para a linha de montagem e os equipamentos para os sistemas de engenharia e suporte sejam fornecidos, em Puerto Cabello, nos próximos meses.

“A fábrica de fuzis começará a operar no final de 2019. Acompanhamos constantemente as obras. Esta indústria é de importância estratégica vital para a independência da Venezuela”, anunciou o ministro da Defesa, Vladimir Padrino López, em 2018.

O Russia Beyond disse que, em 2015, o chefe da empreiteira, o ex-senador Sergei Popelniujov, foi preso sob a acusação de desviar mais de um bilhão de rublos destinados à construção das fábricas para a Venezuela. Em dezembro de 2016, o oficial Dmitri Rogozin informou que a fábrica estava apenas parcialmente construída, sem janelas, portas ou eletricidade, mas prometia seu funcionamento em 2019.

De acordo com o Instituto Internacional de Pesquisas para a Paz de Estocolmo (SIPRI), 65% das armas compradas pela Venezuela nos últimos 11 anos vêm da Rússia.

O acordo com a Rússia


Os acordos com a Rússia incluíram centros de treinamento para helicópteros, também incluem centros de manutenção para aeronaves de combate Su-30MK2, a instalação de uma fábrica para a fabricação de fuzis AK-103/AK-104 e outra para a fabricação de munição calibre 7,62×39mm. Isso está registrado em um relatório do Control Ciudadano.

Em abril de 2019, chamou a atenção a presença de um grupo significativo de militares russos na Venezuela, mas posteriormente foi dito que se deveram ao cumprimento de parte da dívida técnica com a FAN no âmbito dos acordos de cooperação técnica bilateral iniciados em 2005, com Hugo Chávez. Esses acordos envolvem também o treinamento de pessoal militar.

Na ocasião, a estatal russa Rosoboronoexport anunciou a inauguração do Centro de Instrução e Treinamento Simulado Conjunto “GB Oscar José Martínez Mora”, no estado de Yaracuy. É um centro de treinamento de pilotos no manejo dos helicópteros Mi-17V5, Mi-35M e Mi-26T, adquiridos durante o governo de Hugo Chávez.

A Relação da Venezuela com a Rússia é fortalecida


O embaixador da Rússia na Venezuela, Sergey Melik-Bagdasarov, disse que Moscou e Caracas estão trabalhando para encontrar novos destinos turísticos para os russos que desejam visitar o país.

"Os venezuelanos, em cooperação com os operadores turísticos russos, estão trabalhando ativamente para expandir a geografia das rotas turísticas", disse Mélik-Bagdasarov em entrevista ao Sputnik.

De fato, em maio de 2021, foi estabelecido o serviço aéreo regular e direto entre Moscou e Caracas. De acordo com Mélik-Bagdasarov, o destino mais procurado ainda é a ilha de Margarita, que recebeu cerca de 6.000 turistas russos de setembro a dezembro deste ano.

Em outubro de 2021, Caracas e Moscou assinaram novos acordos sobre cooperação energética, finanças, cultura, esportes, saúde, turismo e comunicação, como parte da XV Comissão Intergovernamental de Alto Nível (CIAN). Esses acordos somam-se aos 264 acordos em 20 áreas estratégicas firmados nos últimos 20 anos.

Leitura recomendada:

Selva de Aço: A História do AK-103 Venezuelano, 13 de fevereiro de 2021.

MODELISMO: SAS australiano no Vietnã

SAS australiano no Vietnã, 1970.
(Tony Dawe)

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 5 de janeiro de 2022.

Busto de um soldado australiano do Special Air Service Regiment (SASR), o SAS australiano, pintado pelo modelista Tony Dawe. O trooper - designação dos operadores do SAS - está usando a configuração típica das tropas no Vietnã, com uma faixa na cabeça, camuflagem facial, mosquiteiro como echarpe e o confiável fuzil FAL (chamado SLR L1A1), neste caso usando o carregador de 30 tiros.

O mosquiteiro e a bandana servem para absorver o constante suor produzido no ambiente tropical da selva. O FAL tem armação de madeira e uma banda na coronha com kit de primeiros socorros. O carregador mais longo permite o "despejo" de alto volume de fogo para suprimir o adversário e forçá-lo a abaixar a cabeça e ficar na defensiva. Dessa forma, o SAS poderia manobrar e destruir o inimigo, ou simplesmente romper contato e ir embora conforme a necessidade.

Durante seu tempo no Vietnã, o SAS australiano e neo-zelandês (NZ SAS) realizou diversas modificações no fuzil FAL, usualmente apelidando-o de "The Bitch" ("A Megera") ou "The Beast" ("A Besta"). O blog tratou desse assunto aqui.

Comando SASR com um FAL encurtado conhecido como "The Bitch".
(Kevin Lyles/ Vietnam ANZACs Elite 103 da Osprey Publishing).

SASR com fuzis FAL modificados.
(Vietnam ANZACs)

Durante o período de pouco mais de cinco anos, cerca de 580 soldados do SAS serviram no Vietnã. Eles conduziram 1175 patrulhas (não incluindo 130 do NZ SAS), a maioria sendo patrulhas de reconhecimento, emboscada de reconhecimento e emboscada. Seu serviço no Vietnã reforçou sua reputação como uma unidade de elite do Exército australiano.

O SAS australiano infligiu pesadas baixas ao vietcongue, incluindo 492 mortos, 106 possivelmente mortos, 47 feridos, 10 possivelmente feridos e 11 prisioneiros capturados. Suas próprias perdas totalizaram um morto em combate, um morreu de ferimentos, três mortos acidentalmente, um desaparecido e uma morte por doença. Vinte e oito homens ficaram feridos. Os restos mortais do último soldado australiano que desapareceu em combate em 1969, após cair na selva durante uma extração de corda suspensa, foram encontrados em agosto de 2008.

Trooper do 1º Squadrão (1SAS) com um SLR L1A1 e o carregador de 30 tiros em Bien Hoa, fevereiro de 1968.

Com base em Nui Dat, que ficou conhecida como "SAS Hill" ("Colina SAS"), o SASR foi responsável por fornecer inteligência para a 1ª Força Tarefa Australiana (1 ATF) e as forças americanas, operando em toda a província de Phuoc Tuy, bem como nas províncias de Bien Hoa, Long Khanh e Binh Tuy. A partir de 1966, os esquadrões SASR rotacionaram pelo Vietnã em desdobramentos de um ano, com cada um dos três esquadrões Sabre completando duas turnês antes que o último esquadrão fosse retirado em 1971. As missões incluíram patrulhas de reconhecimento de médio alcance, observação de movimentos de tropas inimigas e operações ofensivas de longo alcance e emboscada em território dominado pelo inimigo.

Operando em pequenos grupos de quatro a seis homens, eles se moviam mais lentamente do que a infantaria convencional pela selva ou mato e estavam fortemente armados, empregando uma alta taxa de fogo para simular uma força maior em contato e para apoiar sua retirada. O principal método de inserção foi por helicóptero, com o SASR trabalhando em estreita colaboração com o Esquadrão No. 9 RAAF, que regularmente fornecia inserção e extração rápidas e precisas de patrulhas em zonas de pouso na selva na altura do topo das árvores. Ocasionalmente, patrulhas SASR também foram inseridas por transportes blindados M-113 com um método desenvolvido para enganar os vietcongues quanto à sua inserção e localização de seu ponto de desembarque, apesar do barulho que os veículos faziam ao se moverem pela selva. Um salto operacional de paraquedas também foi realizado: O 3º Esquadrão (3 Squadron) realizou um salto operacional de paraquedas 5 quilômetros a noroeste de Xuyen Moc na noite de 15 para 16 de dezembro de 1969, com o codinome Operação Stirling.

Troopers do SASR no Vietnã.

Um quarto esquadrão foi criado em meados de 1966, mas foi posteriormente dissolvido em abril de 1967. Concluindo sua turnê final em outubro de 1971, o 2º Esquadrão foi dissolvido no retorno à Austrália, com o Esquadrão de Treinamento criado em seu lugar. O SASR operou em estreita colaboração com o SAS da Nova Zelândia, com um pelotão (troop) sendo anexado a cada esquadrão australiano a partir do final de 1968. Quando em modo tático, os dois SAS eram idênticos, com a única diferença visível sendo a boina vermelha bordô usada pelos neo-zelandeses em uniforme de passeio, seguindo o padrão da Segunda Guerra Mundial, em oposição à boina cor de areia dos australianos.

Durante seu tempo no Vietnã, o SASR provou ser muito bem-sucedido, com os militares do regimento sendo conhecidos pelos vietcongues como Ma Rung ou "fantasmas da selva" devido à sua discrição e furtividade.

Bibliografia recomendada:

On Patrol with the SAS: Sleeping with your ears open,
Gary McKay.

The FN FAL Battle Rifle.
Bob Cashner.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

Os Estados Unidos devem evitar travar uma Guerra Fria em duas frentes

Por Francis P. Sempa, Real Clear Defense, 03 de janeiro de 2022.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 3 de janeiro de 2022.

O governo Biden parece estar caminhando na direção de travar uma Guerra Fria em duas frentes sobre a Ucrânia no Leste Europeu e Taiwan no Leste Asiático, as quais podem ficar "quentes" a qualquer dia. A imprudência de tal abordagem deveria ser óbvia, mas o grande perigo é que tais "crises" possam sair do controle antes que os líderes envolvidos recuem.

Vladimir Putin da Rússia pode querer estender o governo da Rússia à Ucrânia e outras ex-repúblicas soviéticas, mas ele definitivamente quer garantir o fim da expansão da OTAN. O chinês Xi Jinping, como todos os seus antecessores, quer Taiwan unificado com o continente e, embora prefira fazê-lo pacificamente, pode estar disposto a arriscar uma guerra com os Estados Unidos para atingir seu objetivo - especialmente se acreditar que pode vencer essa guerra a um custo aceitável.


Isso deixa o governo Biden, que até agora tem enviado sinais confusos tanto para a Rússia quanto para a China. Porta-vozes do governo alertaram sobre as graves consequências caso a Rússia invadisse a Ucrânia, mas o presidente Biden afirmou que essas consequências serão principalmente econômicas na forma de sanções. Enquanto isso, o presidente Biden afirmou que os Estados Unidos defenderão Taiwan no caso de um ataque chinês, mas os porta-vozes do governo retrocederam e reafirmaram a política dos EUA de "ambigüidade estratégica". Esta é uma receita para confusão, mal-entendido e, possivelmente, guerra em duas frentes.

Essa abordagem confusa dos EUA foi destacada na recente Cúpula pela Democracia, onde o presidente dos EUA retratou a política internacional como uma luta global entre democracias e autocracias e caracterizou os Estados Unidos como o "campeão" da democracia. Biden e outros defensores da democracia americana parecem ter esquecido o sábio conselho do secretário de Estado John Quincy Adams de que os Estados Unidos desejavam a liberdade de todos, mas o campeão apenas dele mesmo. Os proponentes da democracia nos EUA também esqueceram a diplomacia prudente de Richard Nixon e Henry Kissinger, que buscava o benefício geopolítico da América para explorar as divisões e fissuras entre as duas autocracias mais poderosas na massa de terra da Eurásia. E eles se esqueceram do conselho sábio e atemporal de Sir Halford Mackinder, o grande pensador geopolítico britânico, que exortou os estadistas democráticos de sua época a reconciliarem os ideais democráticos com as realidades geopolíticas.


A política externa e a estratégia envolvem entender e priorizar as ameaças e, em seguida, dedicar os recursos necessários para enfrentar essas ameaças. A China claramente representa a maior ameaça aos interesses de segurança nacional dos EUA na região Indo-Pacífico e além. O foco da administração Biden deve estar lá, e deve alocar os recursos de acordo. O presidente da China, Xi, precisa entender que não pode anexar Taiwan à força sem incorrer em custos inaceitáveis em uma guerra com os Estados Unidos. A "ambigüidade estratégica" deve ser substituída por "clareza estratégica". Enquanto isso, os EUA devem usar a diplomacia para afastar a Rússia da órbita da China, incluindo renunciar a qualquer nova expansão da OTAN e evitar a retórica da democracia versus autocracia.

Princípios ambiciosos não substituem a realpolitik obstinada. O modelo de papel de Biden deveria ser John Quincy Adams, ou George Washington, ou Richard Nixon, ou olhando para o outro lado dos oceanos, Otto von Bismarck ou Lee Kuan Yew - estadistas que entendiam as realidades geopolíticas e que eram desvinculados dos chamados princípios universais. Ou talvez, Biden pudesse simplesmente imitar Abraham Lincoln, que durante o Caso Trent no meio da Guerra Civil Americana, sabiamente advertiu seu gabinete e conselheiros militares: “Uma guerra de cada vez”.

Francis P. Sempa é o autor dos livros Geopolitics: From the Cold War to the 21stCentury, America’s Global Role: Essays and Reviews on National Security, Geopolitics and War, e Somewhere in France, Somewhere in Germany: A Combat Soldier’s Journey through the Second World War.

Ele escreveu longas introduções a dois dos livros de Mahan e escreveu sobre tópicos históricos e de política externa para The Diplomat, University Bookman, Joint Force Quarterly, Asian Review of Books, New York Journal of Books, Claremont Review of Books , American Diplomacy, The Washington Times e outras publicações. Ele é advogado, professor adjunto de ciência política na Wilkes University e editor colaborador da American Diplomacy.

ENTREVISTA: Charlie Sheen sobre a filmagem de Platoon: "Nós gritamos pelo médico!"

"No vôo para casa, chorei porque estava feliz por estar vivo"… Charlie Sheen em Platoon.
(Fotografia: Cinetext / Mgm / Allstar)

Por Simon Bland, The Guardian, 3 de janeiro de 2022.

Tradução Filipe A. Monteiro, 3 de janeiro de 2022.

"Forest Whitaker cortou seu polegar com um facão, Tom Berenger esfaqueou seu pé, Willem Dafoe foi medivacked - e Oliver Stone pulou pra cima e pra baixo de alegria".

Charlie Sheen, interpretou Chris Taylor.

Meu irmão Emilio Estevez e eu éramos grandes fãs de Scarface e Midnight Express, ambos escritos por Oliver Stone. Emilio continuou falando comigo sobre o novo filme de Oliver no Vietnã, para o qual ele estava fazendo um teste. Ele conseguiu o papel principal, Chris Taylor, mas não conseguiu por causa de conflitos de programação. Quando fiz o teste, Oliver disse que eu era “muito educado” e precisava trabalhar mais. Então fiz The Boys Next Door e Lucas - e consegui o papel, mas apenas se Willem Dafoe aprovasse. Não conheci Willem até chegarmos às Filipinas. Ele passou correndo por mim em nosso hotel e me deu um abraço. Mais tarde, Oliver veio até mim e disse: “Willem gosta de você”.


Oliver nos jogou na selva e nos colocou em um cansativo curso de treinamento. Foi uma loucura. Você tinha que ser tratado de acordo com seu posto. Willem e Tom Berenger, interpretando dois sargentos, estavam no comando e eu era um FNG - um “fucking new guy” (“cara novo de merda”). Realmente parecia que eu deveria esfregar latrinas, o que na verdade acabei fazendo no filme.

Pensei em sairmos durante o dia e depois voltarmos para o hotel à noite, mas ao pôr-do-sol do primeiro dia não havia ônibus parando. Olhei para Johnny Depp e Forest Whitaker e disse: “Acho que vamos ficar por aqui mesmo”. Foi um choque - mas não sei se poderíamos ter capturado a autenticidade sem aquele acampamento intenso. Relacionamentos que foram forjados lá ainda existem até hoje. Nós sobrevivemos juntos.

Cuidado com as víboras de bambu ... Willem Dafoe, Charlie Sheen e Tom Berenger no set.
(Fotografia: Hemdale / Allstar)

Todo mundo estava cansado e com raiva. Em algum momento, encontramos um coqueiral e Forest de alguma forma conseguiu um côco. Ainda posso vê-lo agora, tentando alinhá-lo com seu facão. Antes que eu pudesse dizer: “Seu polegar está perto demais!” ele ergue o facão e atinge o centro do polegar. Ele o colocou na boca e dois jorros grossos de sangue jorraram de ambos os lados. Foi um momento de “grito pelo médico” - e isso foi ainda no campo de treinamento.

Oliver é facilmente uma das pessoas mais inteligentes que já conheci, mas ele gosta de se mostrar. Quando eu soube que poderia arrancar uma risada dele e ele viu que eu lhe dava uma trégua de sua escuridão auto-imposta, nos demos muito bem. Lembro-me da cena em que Kevin Dillon enlouquece na aldeia com um pobre coitado. Enquanto meu personagem estava atirando no chão e enlouquecendo, pude ver Oliver fora da câmera levantando o punho, pulando para cima e para baixo e querendo gritar "Porra, sim!" mas não queria estragar a tomada.

Quando eu terminei, estava acontecendo um golpe de estado em Manila e Oliver estava levando seu diretor de fotografia e uma câmera para as ruas para filmá-lo, o que era uma loucura. Peguei o vôo de volta para casa e, à medida que avançávamos pelo país, pude ver tudo o que havia deixado para trás, tudo o que todos havíamos vivenciado. Comecei a chorar porque estava feliz por estar vivo.

Os veteranos me agradecem por finalmente contar sua história e muitos deles têm lágrimas nos olhos. É a vida deles.

John C McGinley, interpretou o Sargento O'Neill

Eu não achei o treinamento muito importante fisicamente, mas o que foi difícil foi aprender a ler mapas, carregar armas e estar nesta selva de copa tripla no meio do nada. Estávamos comendo MREs - Meals Ready to Eat (Refeições Prontas para Comer) - e ninguém conseguia fazer cocô.

Willem bebeu água de um rio quando havia bois em decomposição rio abaixo e ele foi medivacked (evacuação médica por helicóptero). Tom deixou cair uma faca em seu pé - tudo estava ficando terrivelmente real. E havia cobras. Duas semanas antes, estávamos correndo pelo West Village de Nova York tomando café, comendo bagels e conversando sobre Hamlet. Agora estamos na selva com víboras de bambu. Oliver adorou, é claro.

Depois desse acampamento, bastou um pequeno salto imaginário para acreditar no que estávamos dizendo. Quando meu personagem disse, “Eu tenho que dar o fora daqui”, eu realmente fui sincero. Minha mãe estava passando por uma operação no cérebro em Pittsburgh. Não houve atuação.

Só me senti em perigo uma vez, quando quase caí de um helicóptero. Ele subiu cerca de 1.000 pés. Era para ele pousar e nós correríamos e passaríamos pela câmera. Algo estava dando errado no terreno, então eles queriam ir para uma área diferente. Por três semanas, fomos ensinados que a única coisa que você nunca larga é sua arma - então, quando o helicóptero virou, comecei a cair porque estava segurando-a. Francesco Quinn, que interpretou Rhah, agarrou minha mochila e me puxou para dentro. Se ele não tivesse feito isso, eu teria caído. Fiquei muito honrado com Oliver depois disso.

Durante a batalha final do filme, meu personagem se esconde cobrindo-se com um cadáver. Depois, em uma turnê de imprensa, eu estava vendo veteranos e fazendo chats de autoajuda - o que eu não tinha direito de fazer. Dezenas de veteranos me diriam que também se cobriram usando corpos. Eles estariam chorando. Eu era apenas um burro de 26 anos, muito fora do meu alcance, mas nada disso passou despercebido. O que Oliver tocou, todas essas coisas, foi esmagador.

FOTO: Desfile de despedida em Saigon

Desfile final das forças francesas na Indochina, Saigon, 10 de abril de 1956.

O Corpo Expedicionário Francês do Extremo-Oriente (Corps Expéditionnaire Français en Extrême-Orient, CEFEO) marchou pela última vez nas ruas de Saigon em 10 de abril de 1956, acompanhado por seus camaradas vietnamitas Bawouans. Aqui eles estão desfilando lado a lado, fuzis nos ombros e bandeiras à frente. Os paraquedistas vietnamitas e a nouba dos tirailleurs magrebinos que passaram por Duong Tu-Do novamente por alguns momentos voltaram à rue Catinat.

Cinco destacamentos franceses e um destacamento vietnamita com bandeira e estandartes marcharam em frente às autoridades após a cerimônia antes de cruzarem a cidade em direção ao cais. Milhares de espectadores franceses e vietnamitas, cordialmente misturados, reuniram-se em torno da Praça Chiên-Si (antiga Place du Maréchal Joffre) e nas calçadas da rue Duy-Tân, atrás da catedral.

As Associações Patrióticas Francesas, uma delegação de franceses da Índia e muitas personalidades civis e militares, tanto vietnamitas, francesas e estrangeiras, tomaram seus lugares na plataforma onde está localizado o Memorial aos Mortos da Primeira Guerra Mundial.


O último desfile demonstra a heterogeneidade do CEFEO, conforme celebrado por Bernard Fall:

"Em uma tal guerra sem frentes, ninguém estava seguro e ninguém era poupado. Tenentes morriam pelas centenas, e era calculado que para manter linhas de comunicação principais ao longo do Viet-Nã do Norte custa em média três ou quatro homens por dia para cada centena de quilômetro de estrada. Oficiais superiores morriam também. O General Chanson foi assassinado por um terrorista no Viet-Nã do Sul. O General da Força Aérea Hartman foi derrubado sobre Langson; os Coronéis Blankaert, Edon e Érulin foram mortos por minas enquanto lideravam seus grupos móveis através dos pântanos e arrozais. E a guerra não poupou os filhos dos generais, também. O Tenente Bernard de Lattre de Tassigny foi morto na defesa do ponto rochoso que era a chave para o forte de Ninh-Binh. Ele era o único filho do Marechal de Lattre e a sua morte partiu o coração do homem. O Tenente Leclerc, filho do Marechal Leclerc, morreu em um campo de PG comunista; e o Tenente Gambiez, filho do chefe de estado-maior do General Navarre, foi morto em Dien Bien Phu.

Estes homens, e milhares de outros, da Martinica ao Taiti e de Dunquerque ao Congo, de todas as partes da península indochinesa, e legionários estrangeiros de Kiev na Ucrânia a Rochester, Nova Iorque, compuseram as Forces de l'Union Française - sem dúvida o maior, e último, exército francês a lutar na Ásia."

- Bernard Fall, Street Without Joy, pg. 252.

Bibliografia recomendada:

Street Without Joy:
The French Debacle in Indochina.
Bernard B. Fall.