sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

O Exército: o melhor aliado da Rússia

 

Por Igor  Delanoë, Areion24, 10 de dezembro de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 21 de dezembro de 2020.

Se a revalorização do exército foi acompanhada por uma militarização das relações externas da Rússia, em particular nas suas relações com a comunidade euro-atlântica após a crise ucraniana de 2014, a mobilização do instrumento militar também serviu de forma mais geral à agenda do poder soberano que está no cerne do projeto político de Vladimir Putin para seu país.

A Rússia decidiu modernizar suas forças armadas após a guerra russo-georgiana em agosto de 2008, que expôs várias deficiências em seu instrumento militar. Os frutos desse esforço de rearmamento foram visíveis em 2014 durante as operações que levaram à anexação da Crimeia, depois na Síria, onde o exército russo está engajado desde 2015. Melhor equipadas, profissionalizadas e mais móveis, as forças russas estão agora em um momento crucial em seu processo de modernização. O plano de armamento para 2011-2020 elaborado pelo ex-ministro da Defesa Anatoly Serdyukov realmente expirou e pode ser considerado o mais bem-sucedido da era pós-soviética. O novo plano de armamento 2018-2027 deve garantir a sustentabilidade e extensão do esforço de modernização durante a década de 2020.

O Kremlin observou ainda que, desde que recorreu à força na Síria, ela se tornou audível para os ocidentais. A mobilização da ferramenta militar no Levante também contribuiu diretamente para colocar a Rússia de volta no centro do jogo no cenário estratégico do Oriente Médio e serviu à agenda de poder soberano de Vladimir Putin de maneira mais geral. Além do contexto geopolítico tenso criado pela crise de 2014, há a percepção russa de uma mudança na ordem mundial e de uma exacerbação da competição entre potências em escala global e regional. Vista de Moscou, a nova desordem internacional coloca o foco mais nos "fatores brutos" do poder, como um exército moderno, do que em atributos mais "sofisticados" (poder brando, atratividade do modelo político-econômico, etc.) que faltam à Rússia. Tirando lições da campanha síria, o programa 2018-2027 deve promover a produção em massa de equipamentos modernos comprovados e se concentrar em tecnologias disruptivas. No entanto, ainda enfrentará obstáculos econômicos, políticos e tecnológicos.

A persistência de ler uma ameaça multidirecional

A Rússia se vê como uma "fortaleza sitiada", o que a leva a manter um sistema de defesa multidirecional. Construída em torno de "bastiões" que bloqueiam áreas consideradas por Moscou como particularmente críticas, esta defesa gira em torno de dispositivos anti-acesso/negação de área ou dispositivos A2/AD. A "fortaleza estratégica do Norte" está centrada ao redor da Península de Kola, onde as bases de submarinos nucleares estão localizadas, e que comanda o acesso à saída ocidental da Rota do Mar do Norte (NMR). A maior navegabilidade ao longo da RMN também levou a Rússia a fortalecer seu sistema militar em torno do perímetro da costa ártica. Quase vinte bases aéreas e navais foram modernizadas ou reativadas lá durante a década de 2010. Na área do Báltico, uma fortaleza articulada em torno do exclave de Kaliningrado foi estabelecida para proteger os acessos ao Golfo da Finlândia, onde São Petersburgo e a bacia industrial da região de Leningrado estão localizados. No Mar Negro, é a fortaleza da Criméia que bloqueia a comunicação marítima do sul da Rússia. Esta região é considerada por Moscou como particularmente vulnerável, porque se sobrepõe à conflitualidade proveniente do Levante, à instabilidade do Cáucaso e às tensões resultantes das relações degradadas entre o Kremlin e a comunidade euro-atlântica. Finalmente, no Extremo Oriente, a Rússia comprometeu-se a erguer uma fortaleza destinada a proteger as Ilhas Curilas, um território com soberania contestada pelo Japão.

"Desembarque nas Ilhas Curilas", pintura do artista russo A.I. Plotnov, 1948.

No centro dessas fortalezas estão os sistemas de mísseis, começando com os sistemas de defesa antiaérea (sistemas S-300, S-400 para longo alcance; sistemas Buk, Tor e Pantsir para médio e curto alcance). Capacidades superfície-superfície de curto alcance (Iskander-M, que teria capacidade nuclear de teatro) também podem ser desdobradas ali, mesmo que temporariamente, como parte de exercícios, por exemplo. Essas “bolhas A2/AD” também têm baterias costeiras móveis, como os sistemas Bastion e seus mísseis de cruzeiro supersônicos P-800 Oniks, e baterias Bal de curto alcance, geralmente usadas para proteger estreitos e infraestrutura crítica (pontes). Por fim, na segunda metade da década de 2010, assistimos à disseminação dos mísseis de cruzeiro Kalibr em plataformas de superfície ou submarinos que os utilizam em suas versões anti-superfície e anti-terra. Além de desdobramentos desses sistemas de mísseis, meios de guerra eletrônica, como os poderosos radares Murmansk-BN são adicionados. Este complexo estratégico de interferência, desdobrado nas penínsulas de Kola e Kamchatka, tem a reputação de ser capaz de danificar sistemas eletrônicos ao longo de vários milhares de quilômetros.

A comparação entre as forças convencionais (em particular nos campos naval e aéreo) e o potencial militar (orçamentos cumulativos, BITD, demografia, etc.) da Rússia e da OTAN é geralmente desfavorável a Moscou (ver tabela), o que, no entanto, compensa esta fraqueza graças a uma série de pontos fortes. A Rússia ainda depende tanto de seu arsenal nuclear estratégico, que é um fator de paridade com os Estados Unidos. Mas também possui um arsenal de armas nucleares táticas que totalizaria cerca de 1.900 ogivas, muito maior do que o estoque americano análogo (1). Moscou também pode contar com o lançamento de mísseis de cruzeiro não estratégicos de longo alcance (Kalibr) e com a robustez de suas defesas antiaéreas. A maior mobilidade de suas tropas pré-posicionadas em seu flanco ocidental, juntamente com uma cadeia de logística apertada, tende a dar-lhe uma vantagem local sobre as forças da OTAN. A combinação de todos os seus recursos visa impedir a liberdade de manobra da OTAN ao longo das rotas russas e no Levante, onde também existe uma fortaleza construída em torno das bases que a Rússia tem na Síria. Este bastião levantino pertence à linha de defesa do sul da Rússia, da qual é uma projeção além do estreito turco.

(1) Hans M. Kristensen & Matt Korda, “Russian nuclear forces, 2020” [Forças nucleares russas, 2020], Bulletin of the Atomic Scientists, 76: 2, p. 111, 2020. Os Estados Unidos teriam 500 ogivas nucleares táticas. Amy F. Woolf, "Nonstrategic Nuclear Weapons" [Armas Nucleares Não-Estratégicas], CRS Report, maio de 2020.

OTAN/RÚSSIA: Forças em presenças em 2018.

A última versão da doutrina militar russa (2014) qualifica a eclosão de uma conflagração armada na qual a Rússia estaria implicada como improvável (2). Por outro lado, Moscou considera muito mais provável o surgimento de conflitos locais e regionais, inclusive em sua vizinhança imediata. Posteriormente, ela formatou sua ferramenta militar, que hoje lhe dá supremacia absoluta sobre todos os seus vizinhos - excluindo a China.

(2) Doutrina Militar da Federação Russa, 26 de dezembro de 2014, p. 4-5. Disponível no site do Kremlin (Link).

O plano de armamento 2018-2027: prioridades continentais

Além do esforço voltado para a tríade nuclear, que se santifica, o programa de armamentos 2018-2027 visa manter a liderança que a Rússia tem em nichos de excelência (guerra eletrônica, defesa antiaérea, mísseis anti-navio …) Que por acaso estão no coração dos “bastiões” russos. Em segundo lugar, o plano 2018-2027 visa reduzir a lacuna com os exércitos da OTAN em outros segmentos: munições de precisão guiadas, drones, C4ISR... Finalmente, em terceiro lugar, os esforços continuarão em áreas que apresentam grandes obstáculos tecnológicos para o complexo militar-industrial russo: construção de grandes embarcações de superfície, extensão da área de mergulho para submarinos, etc. Sobre este terceiro objetivo, o programa 2018-2027 prepara o terreno para seu sucessor, que cobrirá parte da década de 2030.

Estimado em cerca de 20 trilhões de rublos (quase US$ 330 bilhões no momento de sua preparação), o orçamento para o plano de armamentos 2018-2027 é estável em comparação com o do último programa (3). No entanto, como a inflação corroeu o valor do rublo durante a década de 2010, este envelope é na prática menos generoso do que o anterior. Lembre-se de que a grande maioria dos contratos de armas assinados pelo Ministério da Defesa da Rússia são com fabricantes nacionais e são expressos em rublos. Portanto, essas ordens não são afetadas pelas flutuações da taxa de câmbio do rublo em relação ao dólar. A repartição dos fundos sugere prioridades do programa que diferem daquelas do plano anterior. O Exército se beneficiaria assim do maior apoio orçamentário - estamos falando de um quarto do financiamento total - enquanto a Marinha, a grande vencedora do plano 2011-2020 com quase 25% de seu orçamento, está desta vez muito pior, com quase metade dos fundos (cerca de 2.600 bilhões de rublos).

(3) US$ 600 bilhões na taxa de câmbio da época.

A modernização da tríade nuclear continua, apesar dos atrasos (entregas lentas de novos SSBN do tipo Boreï), das dificuldades (adiamento do programa de mísseis balísticos intercontinentais RS-26 Rubezh; retrocesso no desenvolvimento do míssil de cruzeiro estratégico com motor nuclear Burevestnik) e suspensões de projeto (míssil balístico intercontinental sobre trilho Barguzin). A Rússia está continuando o desenvolvimento do míssil balístico intercontinental ensilado Sarmat (RS-28) - capaz de colocar em ação o planador hipersônico Avangard - cuja produção em série pode começar em 2021. O componente aéreo da tríade é baseado no programa de modernização dos bombardeiros estratégicos Tu-160M ​​e Tu-95MS, que recebem o novo míssil de cruzeiro Kh-102 para substituir o Kh-55. Além disso, Moscou anunciou em janeiro de 2018 o pedido dos bombardeiros estratégicos Tu-160M2, uma plataforma que se apresenta como uma versão modernizada do Tu-160M ​​com maior discrição. O vôo da primeira unidade está previsto para 2021, enquanto um primeiro lote de 10 aeronaves deve ser entregue até 2027. Quanto às forças navais, o programa SSBN do tipo Boreï está em andamento com 4 unidades já em serviço e 4 cascos em diferentes estágios de construção. Esses SSBN colocam o míssil balístico intercontinental Bulava em serviço e têm como objetivo apoiar os submarinos estratégicos da classe Delta IV durante a década de 2020, antes de substituí-los na década seguinte.

Quanto aos programas convencionais, o Exército deve continuar a receber blindados T-90M e alguns T-14 mais caros, que eventualmente substituirão os T-72B3M. Os programas de novos veículos blindados (veículos de combate de infantaria, transportadores de pessoal) Kurganets-25 e Boomerang continuam, os testes deste último modelo - ao que parece destinado ao mercado de exportação - terminam em 2021. Massivamente usada na Síria para apoiar forças leais, a artilharia não deve ficar parada. O Ministério da Defesa russo continua adquirindo vários lançadores de foguetes Tornado-S, já que os canhões autopropulsados Koalitsiya devem entrar em serviço na década de 2020, para complementar os canhões Msta de concepção soviética. Há também a reativação da artilharia nuclear. O Exército poderia receber durante a primeira metade dos obuses autopropulsados ​​2S7M Malka da década de 2020, que são uma versão modernizada do canhão Pion soviético, e 2S4 Tiulpan ("Tulipa") modernizados, ambos capazes de disparar granadas atômicas. Livre das restrições do Tratado de Forças Nucleares Intermediárias (1987), do qual Washington se retirou em agosto de 2019, a Rússia também poderia desdobrar mísseis de alcance intermediário - incluindo o míssil de cruzeiro 9M729 acusado pelos americanos - em lançadores móveis terrestres Iskander. Por fim, novos sistemas devem ver a luz do dia, como o robô de combate desenvolvido por Konzern Kalashnikov com o codinome “Soratnik” [Parceiro], cujo projeto ainda está engatinhando. As defesas aéreas do país serão consolidadas com o fornecimento de 18 novas brigadas equipadas com os sistemas Tor-M2, Tor-M2DT (Teatro Ártico), Buk-M3 e S-300V4. Não se espera que o novo S-500 faça sua estreia até 2025.

As Forças Aeroespaciais (VKS) continuarão a receber caças multifuncionais Su-35S, bombardeiros táticos Su-34 e aeronaves de combate multifuncionais Su-30SM, a uma taxa de cerca de dez unidades por ano durante a primeira metade da década de 2020. As VKS também devem receber, embora em pequenas quantidades, caças multifuncionais de nova geração Su-57, bem como aeronaves MiG-35 multifuncionais. A frota aérea de apoio deverá ser objeto de atenção especial com a entrada em serviço de aviões de transporte militar de médio e longo alcance Il-76MD-90A, que continua em virtude de encomendas feitas em 2012 e 2020 para 27 unidades disponível a partir de 2028 (4). Da mesma forma, as VKS estão aguardando um novo avião-tanque - o Il-78M-90A - que agora está em estágio de protótipo avançado, enquanto a atual frota de aviões-tanques está sendo gradualmente atualizada (Il-78M2). Finalmente, a Rússia experimentou um verdadeiro "boom" no campo dos drones nos últimos anos, o que permitiu aliviar o atraso considerável que havia acumulado nesta área em relação aos países ocidentais. Depois que uma primeira série de drones de observação viu a luz do dia no início de 2010, graças à cooperação frutífera com Israel - incluindo o modelo Forpost, usado em particular na Síria - os fabricantes russos agora estão oferecendo uma nova geração de aparelhos, como os projetados por Zala ou o drone Orion (grupo Kronstadt), dos quais o exército russo recebeu um primeiro lote de 3 unidades em abril passado, que usará em caráter experimental. Prevê-se que a sua integração nas forças armadas continue enquanto se aguarda a chegada dos drones de ataque que ainda faltam, mas alguns modelos dos quais já realizaram vôos de teste nos últimos meses (Okhotnik e Altius da Sukhoi).

(4) 6 unidades foram entregues até o momento.

Em grande parte privada do programa 2018-2027, a Marinha verá seu desenvolvimento de capacidade girar em torno de plataformas capazes de disparar mísseis de cruzeiro. O míssil Kalibr será usado por navios de patrulha, corvetas e fragatas, enquanto se aguarda a entrada em serviço do míssil hipersônico Tsirkon em novos edifícios (fragatas, SSGN) de 2021-2022. O programa da fragata do tipo Almirante Gorchkov - que se caracterizou por grandes atrasos durante o último plano de armamento - continua, com um alvo de cerca de dez navios (dois em serviço no momento desta redação). Deslocando quase 5.500 toneladas, é o maior navio de combate de superfície construído na Rússia desde 1991. Por outro lado, o programa 2018-2027 não prevê a atracação de uma frota oceânica, mas no máximo a continuação dos trabalhos preparatórios do futuro porta-aviões. Da mesma forma, o desenvolvimento do projeto do destróier Lider (Projeto 23560) de 14.000 toneladas parece congelado, assim como o da fragata “super Gorchkov” (Projeto 22350M, 8.000 toneladas de deslocamento). No entanto, espera-se que os fundos continuem a irrigar a construção dos SSGN do Projeto 885A: uma unidade está em serviço - o K-560 Severodvinsk - enquanto seis outras estão em vários estágios de conclusão. Uma das armas mencionadas por Vladimir Putin em março de 2018, o torpedo nuclear autônomo intercontinental Poseidon deve ver seu porta-aviões submersível, o submarino nuclear Khabarovsk, ser admitido em serviço ativo durante a primeira metade da década de 2020. Depois que o lote de seis submarinos de ataque convencionais do tipo Kilo foi lançado n'água para a Frota do Pacífico, um submarino semelhante pôde ser encomendado para a Frota do Báltico.

O dispositivo militar russo.

Esse novo equipamento será pago a um exército que se tornou amplamente profissional durante a década de 2010. Desde 2015, a proporção de soldados profissionais - os kontraktniki - excedeu a de conscritos. A proporção de kontraktniki permanece mais alta dentro das unidades com a vocação de se projetarem, como forças especiais, tropas aerotransportadas (VDV) ou infantaria naval (5). De acordo com o porta-voz do Comitê de Defesa do Parlamento Russo, Vladimir Shamanov - ele próprio um ex-comandante-em-chefe das VDV -, o número de kontratniki deveria aumentar no final de 2019 para 475.600 homens, para um exército de 798.000 soldados (6). A meta é atingir um índice de profissionalização das VDV em torno de 80% em 2020, enquanto aquele da infantaria terrestre deve ser de 60% (7).

(5) Isabelle Facon, "Que vaut l’armée russe?", [Quanto vale o exército russo?], Politique étrangère, Nº. 1, Primavera de 2016, pg. 151-163.

(6) Dados do Portal de Informações das Forças Armadas Russas (Link).

(7) "Shamanov: pri perekhode armii na kontraktnuyu osnovu nuzhno ostavit 'v VDV 20% srochnikov" [Shamanov: o processo de profissionalização do exército deve levar à retenção de 20% dos recrutas nas VDV], TASS, 13 Maio de 2019.

Uma modernização sob restrição

O orçamento de defesa russo aumentou durante a década de 2010: depois de ultrapassar a marca de 3% do PIB em 2014, atingiu um pico de pouco mais de 4% em 2016, antes de contrair cerca de 2,8% do PIB no final da década. Frequentemente anunciado como em torno de US$ 60 bilhões por ano, esse orçamento é na verdade mais do que isso, porque, mais uma vez, a conversão para dólares realmente não faz sentido. Como os gastos são feitos em rublos, é aconselhável pensar na paridade do poder de compra, o que resulta em um orçamento anual na faixa de US$ 150 bilhões a US$ 180 bilhões (8). Na medida em que a recuperação do atraso acumulado durante os anos 1990 e 2000 em termos de fornecimento de equipamentos seja alcançada durante os anos de 2010, os gastos com defesa deveriam atingir um alto patamar. Além disso, Vladimir Putin fez saber que um teto de 3% do PIB parece razoável, especialmente porque ele pretende dedicar seu quarto e a priori último mandato a reformas sociais caras e impopulares. Nesse sentido, o apoio dado pela população russa à política externa perseguida pelo Kremlin tende a se desgastar desde 2018, mas o exército continua sendo a instituição mais popular entre os russos (9).

(8) Michael Kofman, “Os gastos com defesa da Rússia são muito maiores e mais sustentáveis ​​do que parece”, Defense News, 3 de maio de 2019.

(9) "Rossiyane doveryayut prezidentu men’she, chem armii" [Os russos confiam mais em seu exército do que em seu presidente], Vedomosti, 23 de outubro de 2019.

A presença militar russa no estrangeiro.

O orçamento de defesa é baseado em previsões do PIB que, para os mais otimistas dentre eles, prevêem um crescimento anual "lento" de cerca de 2% para o início de 2020. Para impulsionar esse crescimento, a Rússia embarcou em um ambicioso programa de "grandes projetos nacionais" keynesianos com um orçamento de 25,7 trilhões de rublos (aproximadamente US$ 430 bilhões) em favor dos setores do futuro (saúde, educação, demografia...). A crise da COVID-19 e o relançamento de setores econômicos atingidos podem colocar pressão financeira sobre um orçamento de defesa já ameaçado pelo choque do petróleo de 2020. O colapso dos preços do petróleo bruto observado desde o inverno de 2020 pode realmente forçar o governo a confiar em previsões muito mais modestas para o preço do barril nos próximos dois a três anos - provavelmente na ordem de US$ 25 (US$ 42 por barril para o presente orçamento). Ainda nas fileiras dos freios econômicos, o complexo militar-industrial russo acumulou nos últimos anos uma dívida colossal. No verão de 2019, estimava-se em 2 trilhões de rublos (cerca de US$ 35 bilhões) em créditos nos bancos russos. No final de 2019, Vladimir Putin teria assinado um ukase secreto eliminando cerca de um terço dessa soma, sendo o restante reestruturado (10). Vejamos o caso do consórcio de construção naval OSK: sua dívida é estimada em 68 bilhões de rublos (pouco mais de 900 milhões de euros). No início de maio de 2020, soubemos que ele poderia se beneficiar de uma recapitalização com uma injeção de fundos públicos de cerca de 30 bilhões de rublos. O restante da dívida será reestruturada (11).

(10) "Kostin rasskazal o zakrytom ukaze Putina po spisaniyu dolgov predpriyatiy OPK" [Kostin, no ukase secreto de Putin sobre alívio da dívida para empresas de defesa], Kommersant, 23 de janeiro de 2020.

(11) “Verfi splavlyayut dolgi” [Os estaleiros se livram de suas dívidas], Kommersant, 15 de maio de 2020.

O complexo militar-industrial russo também está encontrando extrema dificuldade para superar certos obstáculos tecnológicos, especialmente após o colapso da cooperação técnico-militar com o Ocidente após a crise ucraniana. É o caso, por exemplo, dos drones submarinos dedicados à guerra contra minas. Os industriais também estão buscando laboriosamente o desenvolvimento de um extensor de alcance de mergulho (obviamente voltado para baterias de íon-lítio) para os submersíveis russos clássicos. Apesar do esforço de rearmamento, existem "pontos cegos", como a área da guerra anti-submarina (ASM), onde as capacidades russas dependem de plataformas ex-soviéticas em um número insuficienteNa ausência de uma nova plataforma dedicada à luta ASM no mar e no ar, a Marinha optou pela modernização de algumas embarcações em serviço, como as grandes embarcações de luta livre ASM do Projeto 1155, que são "fragatas". Por fim, se a experiência adquirida durante o conflito sírio foi maciça no VKS e significativa para a frota, o exército - que não foi exposto ao fogo - não poderia se beneficiar dela nas mesmas proporções. O destacamento de alguns batalhões de "boinas vermelhas" em regime de rotação como força de interposição e observação (perto das Colinas de Golã, por exemplo), bem como as patrulhas realizadas em conjunto com o exército turco na região de Idlib foram capazes, no entanto, de contribuir para aumentar o conhecimento do terreno.

O exército russo na década de 2020 será semelhante a uma força expedicionária regional capaz de responder ao aumento das capacidades da OTAN nas fronteiras da Rússia, percebidas como ameaçadoras, ao mesmo tempo em que será capaz de lidar com um conflito que explodiria no espaço pós-soviético. Na ausência de uma aliança militar entre Moscou e outra potência de categoria aproximadamente equivalente - e apesar das especulações generalizadas sobre a relação russo-chinesa - seu exército continua sendo o melhor aliado da Rússia.

Igor Delanoë é doutor em história e vice-diretor do Observatório Franco-Russo.

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quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

FOTO: Comandantes das forças armadas francesas e líbanesas

General de Exército François Lecointre, Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas francesas, sendo recebido em Yarzé pelo Comandante-em-Chefe do Exército Libanês, General Joseph Aoun, em 23 de dezembro de 2020. (Exército Libanês/ Twitter)

Por Filipe do Amaral, Warfare Blog, 24 de dezembro de 2020.

General François Lecointre, Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas francesas (Chef d'état-major des armées, CEMA), foi recebido na quarta-feira (23/12) pela manhã pelo Comandante-em-Chefe do Exército Libanês, General Joseph Aoun em Yarzé. O General Lecontre presidiu uma delegação que incluiu a embaixadora francesa Anne Grillo, para discutir a "cooperação entre os dois exércitos".

O General Lecointre chegou terça-feira à tarde ao Líbano para uma visita oficial, em particular ao contingente francês da Força Provisória das Nações Unidas no Líbano (Force intérimaire des Nations Unies au Liban, FINUL/UNIFIL). Inicialmente, foi o presidente francês Emmanuel Macron, que deveria viajar a Beirute em 22 de dezembro, para sua terceira visita desde a dupla explosão mortal no porto de Beirute em 4 de agosto, e para passar a véspera de Ano Novo com capacetes azuis franceses, mas ele cancelou sua viagem na quinta-feira passada, depois de um teste positivo para o coronavírus. O Gal. Lecointre foi acompanhado em seu desembarque no Líbano por uma delegação oficial francesa, informa a Agência Nacional de Informações (ANI, libanesa).

Durante esta visita, o general francês é também esperado no sul do país, na fronteira com Israel, na sede da UNIFIL em Nakoura e na base militar de Deir Kifa. A tradição dita que durante as férias as autoridades militares e políticas francesas visitam soldados destacados em missões no exterior. A visita do General ao Líbano é uma forma de reconciliar esta tradição, de reafirmar a importância da cooperação militar franco-libanesa, nomeadamente na luta contra o terrorismo e na segurança marítima. Também não se sabe se o General Lecointre se encontrará ou não com as autoridades políticas libanesas durante a sua estada no âmbito da iniciativa francesa lançada por Emmanuel Macron.

Marinha do Brasil em ação na região do porto de Beirute, no Líbano, atingida pela explosão.

O chefe do estado-maior dos exércitos franceses já estava no Líbano há um mês durante uma visita oficial. Ele foi notavelmente para o porto de Beirute, para o local da explosão dupla. O exército francês lançou a Operação "Amitié" no início de agosto para ajudar o Líbano após esta tragédia.

Em 1º de setembro, durante sua segunda estada no Líbano, Emmanuel Macron anunciou um roteiro para uma saída da crise, retomando as reformas cruciais esperadas pela comunidade internacional para liberar fundos destinados a tirar o país da crise financeira e econômica agudo que passa. Este documento prevê, entre outras coisas, a formação de um governo de "missão" composto por especialistas. Mas quase quatro meses após a renúncia do gabinete de Hassane Diab em 10 de agosto, Saad Hariri, primeiro-ministro designado em 22 de outubro, ainda não conseguiu formar sua equipe; colocando a iniciativa francesa mais do que nunca num impasse, ou mesmo enterrada, de acordo com alguns observadores.

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FELIZ NATAL!


O WARFARE Blog deseja a todos os leitores e colaboradores que participam do projeto WARFARE, um feliz natal e que o espírito real desta data encha seus corações de esperança para o futuro e de gratidão pelo que já conquistaram.

Um forte abraço a todos


Carlos Junior
Editor chefe - Warfare Blog


terça-feira, 22 de dezembro de 2020

DOCUMENTÁRIO: Manchúria, a vitória esquecida


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FOTO: Comando francês com uma MG34 capturada

Tenente Senée da Tropa nº 6 (Francesa) posando com uma MG34 capturada na cabeça-de-ponte no rio Orne, Normandia, em junho de 1944.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 22 de dezembro de 2020.

Tenente Senée da Tropa nº 6 (Francesa) posando com uma MG34 capturada na cabeça-de-ponte no rio Orne, Normandia, em junho de 1944. O Tenente Senée se distinguiria no comando da Seção nº 1 da Tropa nº 6 durante combates de rua em Flushing, em 1º de novembro de 1944; ele seria morto em combate anos depois na Indochina.

Durante a Operação Overlord, as Tropas nº 1 e 8 francesas foram incorporadas ao Comando nº 4 (No. 4 Commando, Ten-Cel Dawson) como Tropas nº 5 e 6 respectivamente, sob a 1ª Brigada de Serviço Especial (1st Special Service Brigade, Lord Lovat).

No Dia D, a 1ª Brigada de Serviço Especial do Lord Lovat esteve sob o comando da 6ª Divisão Aerotransportada britânica. O objetivo do Comando nº 4 (No.4 Cdo) era atacar uma bateria de costa com 6 canhões em Ouistreham na margem leste do rio Orne e do Canal de Caen,  na extrema esquerda da Praia Sword (Sword Beach); os 177 franceses foram encarregados do ataque ao ponto forte do Cassino Bella Riva no sul da bateria.

Desembarcando às 7:32h do dia 6 de junho de 1944 na praia Queen Red em La Breche, as tropas francesas realizaram o assalto que foi retratado no filme "O Mais Longo dos Dias" (The Longest Day, 1962).

O aguardado contra-ataque alemão se materializou pesadamente no dia 8, com artilharia, snipers e unidades de reconhecimento. Os comandos franceses sofreram pesadamente de fogo de snipers e morteiros; os comandos ouviram a aproximação de dois panzers e o Major Kieffer moveu todos os seus PIAT para engajar a ameaça. Duas companhias alemãs do Infanterie-Regiment 857 da 346. Infanterie-Division lançaram um ataque contra as posições francesas com o objetivo de romperem a linha e atingirem o Orne, com a cabeça-de-ponte sendo colocada sob pressão crescente. O combate atingiu a distância do corpo-a-corpo, o Cabo Laot lutou com três alemães e matou dois antes de ser baionetado. Patrulhas alemãs continuaram sondando agressivamente as posições francesas durante o dia 9 de junho. O Major Kieffer foi evacuado depois que seus ferimentos tornaram-se sépticos e o Tenente Lofi assumiu o comando.

No dia 10, os alemães lançaram o primeiro de vários ataques pesados contra a 1ª Brigada de Serviço Especial, atingido o No. 6 Cdo próximo a Bréville e então o No. 4 Cdo em Hauger. O próximo caiu sobre o No. 3 Cdo, seguido por um ataque contra os franceses no centro. A luta intensa atingiu novamente o combate aproximado, com tanques Panzer IV da 21. Panzer-Division infiltrando o perímetro. O combate continuou intensamente por todo o dia, mas a cabeça-de-ponte foi mantida. Até então, os comandos franceses haviam perdido 7 mortos e 22 feridos, com 70 homens ainda de pé. Durante a noite uma patrulha francesa ocupou a encruzilhada de Écarde para impedir incursões do Infanterie-Regiment 744 vindo do oeste.

Bibliografia recomendada:

No. 10 Inter-Allied Commando 1942-45:
Britain's Secret Commando,
Nick van der Bijl BEM e Rob Chapman.

Leitura recomendada:

FOTO: O mais novo voluntário da Legião Francesa de Voluntários contra o Bolchevismo, 18 de dezembro de 2020.

PINTURA: Assalto anfíbio soviético nas Ilhas Curilas24 de novembro de 2020.

FOTO: Soldado russo da Wehrmacht31 de outubro de 2020.

FOTO: Soldados Soviéticos nas ruínas do Reichstag2 de dezembro de 2020.

GALERIA: Manobra dos comandos navais no Tonquim9 de outubro de 2020.

Mais de 70 cadetes de West Point foram acusados de trapacear em exame


Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 22 de dezembro de 2020.

Segundo noticiado pela Associated Press, mais de 70 cadetes em treinamento na Academia Militar de West Point, formadora dos futuros oficiais do exército americano, foram acusados de trapacear em um exame de matemática feito online quando estudavam remotamente por causa da pandemia do coronavírus.

O Tenente-Coronel Christopher Ophardt, porta-voz da academia, afirmou hoje (22/12) que 73 cadetes foram acusados de trapacear no exame de cálculo em maio de 2020, depois que os instrutores notaram irregularidades nas respostas. Todos, exceto um, eram calouros, ou "plebes" (plebeus), em uma classe de 1.200 alunos. O outro era um estudante do segundo ano.

“O código de honra de West Point e o programa de desenvolvimento de caráter permanecem fortes, apesar do aprendizado remoto e dos desafios trazidos pela pandemia”, disse Ophardt. “Os cadetes estão sendo responsabilizados por quebrarem o código.”

Depois de uma investigação por um comitê de honra formado por cadetes treinados, dois casos foram arquivados por falta de provas e quatro foram arquivados porque os cadetes renunciaram, disse Ophardt. Dos 67 casos restantes, 55 cadetes admitiram trapacear e foram matriculados em um programa de reabilitação de seis meses com foco na ética. Eles ficarão em liberdade condicional pelo resto do tempo na academia. Mais três cadetes admitiram trapacear, mas não foram elegíveis para o programa de reabilitação.

Os cadetes restantes acusados de trapacear enfrentam audiências administrativas para determinar se violaram o código de honra e recomendar penalidades, que podem incluir expulsão.


O escândalo de trapaça é o maior em West Point desde 1976, quando 153 cadetes renunciaram ou foram expulsos por trapacearem em um exame de engenharia elétrica. O caso de 1976 é considerado mais sério, disse Ophardt, porque foram os veteranos que planejaram, colaboraram e executaram a trapaça. “Todo o sistema quebrou”, disse Ophardt.

No escândalo de trapaça de 1976, o secretário do Exército nomeou uma comissão seleta chefiada pelo ex-astronauta Frank Borman para revisar o caso e mais de 90 dos pegos trapaceando foram reintegrados e autorizados a se formarem, disse Ophardt.

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domingo, 20 de dezembro de 2020

COMENTÁRIO: O Culto à Mediocridade

Por Capitão Murphy Parke, Inkstick, 6 de fevereiro de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 19 de dezembro de 2020.

A experiência de um militar da aeronáutica envolvendo alto desempenho e baixa resiliência na Força.

Hoje, encontro-me tentando conciliar duas realidades extremamente diferentes. Quando alguns olham para o meu 2019, ficam convencidos de que foi “um para o livro dos recordes” - eles vêem dois prêmios da Força Aérea e um de um MAJCOM (Major Command); um dos seis oficiais selecionados pelo general superior da Força para um programa especial; e aquele que recebeu ordens fora do ciclo para uma verdadeira contratação pelo nome de um Oficial-General. No entanto, quando aqueles mais próximos de mim olham para o meu 2019, eles vêem uma alma esgotada e um corpo lutando contra problemas induzidos pelo estresse - a ponto do meu irmão mais novo me puxar para uma intervenção improvisada, dizendo: “Olha, eu não vou receber o telefonema dizendo que você enfiou uma bala na cabeça!” Como essas realidades opostas podem existir simultaneamente?

Por uma questão de transparência e corretagem honesta, serei o primeiro a admitir que, profissionalmente, 2019 foi um ano positivo para minha carreira. Esse sucesso foi o culminar do ímpeto resultante dos esforços deliberados dos meus pais, mentores, professores, família e amigos que me incentivaram nos bons momentos e me apoiaram nos piores momentos. Mas o que devemos perceber como uma Força Aérea (especialmente quando lutamos para reter talentos) é o simples fato de que nem sempre há uma relação proporcional entre as métricas de desempenho e a resiliência de um indivíduo.

Embora possamos pensar que aqueles de alto desempenho têm tudo em ordem e que devemos concentrar os esforços de resiliência em subgrupos específicos e estereotipados como “solitários” e “socialmente desajeitados”, esse é um perigoso equívoco. Ao contrário, muitas vezes vejo uma relação inversa entre as realizações dos verdadeiros artistas da USAF e sua resiliência para continuar de uniforme mais um dia - e é exatamente nesse lugar que me encontrava no final de 2019.

Por quê? Depois de muita introspecção cuidadosa, eu atribuí isso a duas causas raízes: "liderança tóxica" e "mediocridade institucionalizada". Uma vez que a "liderança tóxica" pode ser subjetiva e, francamente, se tornou um clichê usado em excesso, vou concentrar minha análise na "mediocridade institucionalizada". Como acadêmico de carreira e instrutor, você deve me perdoar por definir o termo:

Mediocridade institucionalizada (substantivo)

m·e·d·i·o·c·r·i·d·a·d·e i·n·s·t·i·t·u·c·i·o·n·a·l·i·z·a·d·a

  1. Um sistema de liderança organizacional em que o status quo é mantido ativamente a todo custo, onde os padrões são fluidos e aplicados ou não com base no(s) estado(s) final(is) político(s) desejado(s) e onde o feedback honesto e corretivo ou a inovação são desencorajados a fim de preservar o atual inércia.
  2. Uma cultura organizacional que busca “relevância” em vez de “excelência” - essas organizações rejeitam modelos de feedback orientados para o cliente e, em vez disso, presumem que seu produto ou serviço é impecável. Qualquer feedback contrário é considerado irrelevante.
Exemplo: uma organização que prega ativamente o mantra "não faça nada estúpido, perigoso ou diferente" - no entanto, continuamente realiza ações que são "estúpidas" e/ou "perigosas" e o faz porque fazer qualquer outra coisa seria "diferente”.

Meu ambiente de trabalho atual é definido pela mediocridade institucionalizada. Para piorar as coisas, essa mediocridade é incorporada e apoiada pelo corpo de oficiais a tal ponto que um cabo muito astuto (Senior Airman, E-4) me disse recentemente: “Sabe, eu olho em volta e vejo a quem eles dão os postos de O-4 e O-5 [major e tenente-coronel] e percebi que ficarei bem se um dia eu receber uma comissão de oficial.”

Correndo o risco de soar cínico (e de minar meu próprio termo), minhas circunstâncias específicas podem ser melhor compreendidas não como “mediocridade institucionalizada”, mas sim como um subproduto do Culto da Mediocridade. A mediocridade é venerada e quase adorada em minha organização atual; a lógica é suspensa e os “sucessos” únicos (usando esse termo vagamente) do passado são usados para justificar incoerentemente as táticas, técnicas e procedimentos do presente.

Essa mediocridade é tão arraigada que observei termos doutrinários usados deliberadamente de maneira incorreta e os níveis O-6 de liderança literalmente excluem declarações verdadeiras ou inserem declarações falsas em relatórios de desempenho, condecorações, etc. para "mensagem estratégica" para o resto da Força Aérea quanto ao que "fazemos" e "não fazemos".

Aqueles que têm dificuldade ou falham em cumprir os padrões (por exemplo, habilidade técnica, segurança e disciplina) ou regulamentos (por exemplo, proteção de informações classificadas), muitas vezes têm suas transgressões varridas para baixo do tapete para escorar enganosamente as métricas de prontidão relatadas para quartéis-generais - é politicamente mais vantajoso para alguns comandantes fechar os olhos do que resolver o problema. Pacotes de prêmios falsificados ou altamente embelezados são extravagantes. A certa altura, alguns de nós estavam sob uma “ordem de silêncio” de mídia social dirigida pelo O-6 (Brigadeiro-General), enquanto uma certa comunidade tentava realocar itens de linha orçamentária para bônus de pessoal e queria fazer isso sem chamar a atenção dos representantes do Congresso.

Falando sobre o ponto do militar acima mencionado, as recomendações de promoção e estratificações são frequentemente atribuídas àqueles que melhor vendem os produtos da mediocridade, e aqueles que não são "escolhidos" carregam uma quantidade desproporcional da carga de trabalho, colhendo muito pouco em retorno.

É precisamente nesse status de "não-escolhido" no qual me encontrei enquanto fui designado aqui (não confunda uma contratação pelo nome de fora da organização com a aceitação de dentro) e isso me fez lutar para questionar minha própria sanidade, desamparo ou depressão profissional, e muitas das doenças físicas relacionadas a essas lutas intangíveis: ranger de dentes, dificuldade para dormir, ganho de peso, dores nas costas/pescoço, etc. Dito de outra forma, a cultura e o clima desta organização criaram uma interminável luta entre minha ética de trabalho altruísta e a pragmática da realidade (de que adianta fazer o bem abnegado se estou jogando em um sistema fraudado?) - uma luta que me deixou física, emocional e mentalmente exausto.

Quanto à liderança tóxica, mencionei anteriormente que não quero perpetuar clichês a ponto de perder minha intenção com este artigo. Embora eu receba o crédito por padronizar e definir a “mediocridade institucionalizada”, gente como J.Q. Public e Ned Stark me superaram no proverbial soco na liderança tóxica e trataram disso de maneiras muito mais eloqüentes do que eu jamais poderia. No parágrafo acima, vinculei alguns dos resultados da liderança tóxica à mediocridade institucionalizada - mas outras referências anedóticas de minhas experiências incluem militares que tomam crédito pelo trabalho de outros em uma tentativa de serem promovidos (então, mais tarde, publicamente e sistematicamente caluniando a pessoa que realmente fez o trabalho) e "desdobrando" (outro termo usado vagamente) pessoal desnecessário em locais extremamente gucci (às custas do contribuinte), deixando aqueles que estão fazendo o trabalho sofrendo como "um fundo" ou sem ninguém para ajudar a arcar com a carga. Em qualquer caso, as consequências resultantes para aqueles de alto desempenho são as mesmas da mediocridade institucionalizada - faz com que se sintam confusos, exaustos, esgotados e, muitas vezes, procurando uma saída.

É essa noção de "procurar uma saída" com a qual quero concluir - uma vez que é precisamente por isso que comecei apontando para a justaposição aparentemente impossível de alto desempenho e baixa resiliência. Dito isso, devo ser muito cuidadoso ao encerrar essa linha de pensamento. “Procurando uma saída” é muitas vezes um eufemismo para suicídio, mas isso é apenas parte do que estou falando neste artigo. No entanto, quero fazer uma pausa neste artigo entre parênteses e dizer categoricamente que tirar a própria vida nunca é a resposta - se você precisa falar com alguém, fale com alguém. Tive um membro da família, um conhecido de infância e um ex-subordinado que cometeram suicídio... não resolve nada e apenas deixa em seu rastro mais dor. Não se sente em silêncio porque não há vergonha em pedir ajuda.

Dito isso, e correndo o risco de soar insensível, o que nós, como líderes militares, temos que aceitar é o fato de que encontrar "uma saída" para uma situação ruim (neste caso, a vida na Força Aérea) não só se manifesta em ideações suicidas. Também pode assumir a forma de um cabo de muito competente que opta por não se alistar novamente, apesar do seu número para a promoção de sargento, ou o oficial de alto potencial (High Potential OfficerHPO) que renuncia ao cargo de capitão em busca de melhores perspectivas. Do ponto de vista da prontidão, qualquer "saída" da Força Aérea significa um guerreiro a menos para atender ao chamado da Nação em tempos de dificuldade. Mais uma vez, por favor, não entenda mal - não estou equivocando o problema do suicídio dos militares com a crise de retenção de talentos da USAF; isso estaria errado. No entanto, pediria humildemente que considerasse a possibilidade de que seria igualmente incorreto dizer que não há soluções que se sobreponham que possam ajudar a aliviar os dois problemas.

Terminando onde comecei, estou otimista com o que 2020 tem a oferecer, mas também estou desanimado por estar absolutamente exausto e rebaixado. Consequentemente, nesta temporada de férias, eu (pela primeira vez em minha vida profissional) deliberadamente tentei ajoelhar-me e passar um tempo com minha família para tentar chegar a um estado mental, emocional e espiritual melhor. Para meus colegas de alto desempenho que estão se perguntando se "vale a pena" estar na Força Aérea, eu digo o seguinte: É 100% normal estar cansado, mas se você for embora, quem vai manter a linha contra a mediocridade institucionalizada e a liderança tóxica?

Para a liderança sênior da USAF, eu digo o seguinte: por favor, entenda que você não pode legislar moralidade - o arquivo de recomendação de promoção de duas linhas (Promotion Recommendation FilePRF), mudanças no OPR ou qualquer outra mudança de procedimento não resolverão os “líderes egocêntricos” (o termo final que usarei vagamente) que colocam a política acima do dever. Quando suas “entradas” estão corrompidas, as “saídas” também estarão, independentemente de quão sofisticado seja o mecanismo que você conceber. Para o resto dos meus irmãos e irmãs de armas, por favor, aceite estas verdades inegáveis: Você é importante e não há vergonha em pedir ajuda.

O Capitão Murphy Parke (pseudônimo) é um membro da Força Aérea dos Estados Unidos há 8 anos, com experiência operacional em todo o mundo, e de combate  no Iraque e no Afeganistão. Ele se formou na Escola de Armas; um instrutor/avaliador em sistemas de armas múltiplas; e viajante ávido. Sua liderança e profissionalismo nos ambientes de Operações Especiais, Conjuntos e Multilaterais garantiram-lhe elogios nos mais altos níveis do Departamento de Defesa e sua experiência em equipes de alto desempenho o fundamentou na noção de que "melhor" é o inimigo de "bom o bastante".

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