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segunda-feira, 14 de setembro de 2020

COMENTÁRIO: Os intelectuais são o poder

Mikhail Andreyevich Suslov, o "ideólogo do Kremlin".

Por Éder Fonseca, Warfare Blog, 13 de setembro de 2020.

Os intelectuais são o poder, e ninguém personificou melhor essa verdade que Mikhail Andreyevich Suslov, o "ideólogo do Kremlin" que ingressou no Partido Comunista da União Soviética (doravante denominado PCUS) em 1921 e atingiu o topo da hierarquia deste em 1946 - para só sair de lá em 1982, no caixão.

Suslov é um caso único de resiliência no ambiente político soviético, provavelmente o mais brutal da história da humanidade. Ele assistiu ao desfecho da Guerra Civil que consolidaria o poder bolchevique e à luta de poder pela sucessão de Lênin, sobreviveu à grande fome de 1932, aos expurgos de Stalin, à Grande Guerra Patriótica (2ª Guerra na denominação soviética) e conseguiu ser apadrinhado por líderes tão díspares como Stalin, Kruschev e Brejnev, superando a todos em longevidade.

Mais do que qualquer outro líder soviético, talvez incluindo Lênin e Stalin, Mikhail Suslov personificou a URSS, num caso de identidade tão umbilical que boa parte do apogeu e declínio daquele império podem ser associados à sua trajetória pessoal e traços de personalidade.

No entanto, ele era discreto em seu próprio país e um quase desconhecido no Ocidente. Apenas especialistas conseguiam identificar aquela figura obscura, quase sempre vestida de terno preto e óculos que aparecia nas fotografias do Politburo.

Suslov (segundo da esquerda na primeira fila) na abertura do 9º Congresso do Partido da Unidade Socialista, o governo da Alemanha Oriental, 18 de maio de 1976.

Dedicado em tempo integral à militância partidária a partir de 1931, Suslov caiu nas graças de Stalin após participar de expurgos bem sucedidos nos Montes Urais e na Ucrânia durante aquela década. Ascende rapidamente na hierarquia até chegar ao Comitê Central em 1941. Em 1944, o PCUS acusa o soviete lituano de "não combater com suficiente zelo os nacionalistas e burgueses na Lituânia". Stalin nomeia Suslov como o chefe da repressão soviética que produz, até 1946, um saldo de 100.000 vítimas políticas, entre execuções, prisões e deportações em massa para gulags na Sibéria. Problem given, problem solved.

Pelo "excelente" trabalho, Stalin premiou o ideólogo com a chefia do importantíssimo Departamento de Agitação e Propaganda (Agitprop) do Comitê Central do PCUS, a Ordem de Lênin e o título de Herói do Trabalho Socialista, destinado geralmente apenas a membros do Presidium. Como diretor do departamento de Agitprop, supervisionava absolutamente TUDO que era divulgado pelo partido e era o seu porta-voz oficial para assuntos doutrinários e políticos.

Rebelião na Hungria, 1956.

Em 1952, é nomeado um dos 11 membros do Politburo, o órgão máximo da URSS. Mesmo sendo um dos quadros mais próximos de Stalin, mantém seu prestígio sob a liderança de Kruschev, pois apoiara o golpe que acabou com o assassinato do odioso Lavrenti Beria. Teve influência decisiva na repressão ao levante húngaro de 1956, tornando-se amigo do embaixador soviético em Budapeste - ninguém menos que Iuri Andropov. Sua relação com o novo presidente soviético se deterioraria ao longo dos anos, por discordar da política de 'desestalinização' e de aproximação com o ocidente. Suslov também culpou Kruschev pela piora nas relações com a China comunista.

Ajudou, então, a articular o golpe bem sucedido que colocaria Brejnev na presidência, chegando ao apogeu de seu poder e influência. É descrito como o "número 2" da hierarquia, mas na prática é o número 1. Leonid Brejnev não gostava de se ocupar com assuntos de grande complexidade, e por isso Suslov foi ocupando espaços privativos do presidente. Participa de todas as decisões importantes, quando não as toma diretamente.

O Secretário Geral do PCUS, Leonid Brezhnev, e o Secretário do Comitê Central do PCUS, Mikhail Suslov, preparam-se para depositar uma coroa de flores no Monumento a Lênin, 1967.

O problema é que ele envelhece, e as estruturas de poder soviéticas envelhecem junto. No final dos anos 1970, quando Suslov já caminhava para se tornar um octogenário, a alta burocracia soviética era na verdade uma gerontocracia. Ele e Brejnev morrem em 1982, e até 1985 mais três membros do Politburo e Secretários-Gerais - Andropov, Chernenko e Gromyko - baixam à sepultura. Sua vontade férrea na defesa de um modelo estalinista a todo custo levam o bloco soviético ao empobrecimento e a disputas infrutíferas com o ocidente, as quais desgastariam o controle do Partido sobre as demais repúblicas.

A União Soviética envelheceu na mesma medida que Mikhail Suslov, sua personificação quase-anônima. Gorbachov foi uma injeção de juventude e novas idéias que veio tarde demais para mudar o destino daquele poder já decrépito. A morte formal da URSS se deu em 1991, mas não seria exagero afirmar que, em certo sentido, a 'morte espiritual' daquele império socialista se deu em 25 de janeiro de 1982.

Tumba de Mikhail Suslov na Necrópole da Parede do Kremlin.

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quinta-feira, 3 de setembro de 2020

FOTO: Contra-terrorismo clássico

Operadores do GEO espanhol durante uma operação contra-terrorista contra os GRAPO, em 18 de janeiro de 1985.

Por Filipe do A. MonteiroWarfare Blog, 3 de setembro de 2020.

O Grupo Especial de Operaciones (GEO) capturou cerca de 20 terroristas nessa operação.

Os Grupos de Resistência Anti-fascista Primeiro de Outubro (Grupos de Resistencia Antifascista Primero de Octubre, GRAPO) foram um grupo clandestino marxista-leninista espanhol com o objetivo de formar um estado republicano espanhol. Além do anti-capitalismo, ele era anti-imperialista, opondo-se fortemente à adesão da Espanha à OTAN.

Até o momento, a última ação violenta infligida pelos GRAPO data de 2006. Depois de ter sido bastante ativo no final dos anos 1970 e início dos anos 1980, atualmente o número cada vez menor de seus militantes, a falta de qualquer apoio social e a ação policial permitiu que as autoridades espanholas reivindicassem um número de vezes a dissolução dos GRAPO depois que os poucos militantes restantes do bando foram capturados. De acordo com a polícia espanhola, os GRAPO foi dissolvido depois que seis de seus militantes foram presos em junho de 2007, mas, formalmente, o grupo não anunciou sua dissolução e os GRAPO permanece incluído na lista da União Europeia de pessoas e organizações terroristas.

Símbolo dos GRAPO.

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quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Os amantes cruéis da humanidade

Uma viúva em luto chorando sobre um saco plástico contendo os restos mortais do marido, em fevereiro de 1968. Ele foi morto durante o massacre de Hue, quando as forças viet congs ocuparam a cidade durante a Ofensiva do Tet; ele encontrado em uma vala comum nos arredores da cidade. (Larry Burrows/ LIFE Magazine)

Por Paul Johnson, Wall Street Journal, 5 de janeiro de 1987.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 28 de setembro de 2018.

[Nota: Datas entre colchetes não estão no original.]

Nos últimos 200 anos, a influência dos intelectuais cresceu de forma constante. Ele sempre esteve lá, é claro, pois em suas encarnações anteriores, como sacerdotes, escribas e adivinhos, os intelectuais reivindicaram guiar a sociedade desde o começo. Desde o tempo de Voltaire [1694–1778] e Rousseau [1712–78], o intelectual secular preencheu a posição deixada pelo declínio do clérigo, e está se mostrando mais arrogante, permanente e acima de tudo mais perigoso que sua versão clerical.

Foi Percy Bysshe Shelley quem, em seu tratado de 1821 “Em Defesa da Poesia”, articulou pela primeira vez o que eu poderia chamar de Direito Divino dos Intelectuais. “Poetas”, escreveu ele, “são os legisladores não reconhecidos do mundo”. Essa alegação é agora tomada como garantida pelo grande corpo amorfo que se vê como “os intelectuais” ou “a intelligentsia”. A influência prática dos intelectuais se expandiu enormemente desde então. Como Lionel Trilling [1905–75] coloca, “o intelecto se associou ao poder como talvez nunca antes na história, e agora é reconhecido como um tipo de poder”.

Socialismo: por que matar e essencial?


Eu acredito que a porção reflexiva da humanidade é dividida em dois grupos: aqueles que estão interessados nas pessoas e se preocupam com elas; e aqueles que estão interessados em ideias. O primeiro grupo forma os pragmatistas e tende a fazer os melhores estadistas. O segundo são os intelectuais; e se o seu apego às ideias é apaixonado, e não apenas apaixonado, mas programático, é quase certo que abusem de qualquer poder que adquiram. Pois, em vez de permitir que suas ideias de governo emerjam das pessoas, moldadas pela observação de como as pessoas realmente se comportam e o que realmente desejam, os intelectuais invertem o processo, deduzindo suas ideias primeiro do princípio e tentando impô-las a homens e mulheres vivos.

Quase todos os intelectuais professam amar a humanidade e trabalhar por sua melhoria e felicidade. Mas é a ideia de humanidade que eles amam, em vez dos indivíduos que a compõem. Eles amam a humanidade-em-geral, ao invés de homens e mulheres em particular. Amando a humanidade como uma ideia, eles podem então produzir soluções como ideias. Aí reside o perigo, pois quando as pessoas entram em conflito com a solução-como-ideia, elas são primeiro ignoradas ou descartadas como não-representativas; e então, quando as pessoas continuam a obstruir a ideia, elas são tratadas com crescente hostilidade e categorizadas como inimigas da humanidade-em-geral. Assim, o caminho é aberto para o que W.H. Auden [1907–1973], um típico intelectual cabeça-dura de seus dias, chamou com aprovação de “o assassinato necessário”. “A liquidação de inimigos de classe”, para usar a expressão leninista, e “a solução final”, como dizem os nazistas, são o ponto terminal do processo intelectual.

José "Pepe Caliente" Rodriguez, ex-cabo do exército de Fulgêncio Batista, recebe os últimos ritos do padre Domingo Lorenzo no castelo de San Severino, em Matanzas, 17 de janeiro de 1959.

A insensibilidade às necessidades e opiniões de outras pessoas é, de fato, uma característica daqueles apaixonadamente preocupados com ideias. Pois seu principal foco de atenção é, naturalmente, a evolução dessas ideias em suas próprias cabeças; eles se tornam, no sentido pleno, egocêntricos. A indiferença ou hostilidade do intelectual não se dirige apenas àqueles que não se encaixam em seus esquemas para a humanidade-em-geral, mas também àqueles em seu próprio círculo que, por uma razão ou outra, se recusam a desempenhar seus papéis atribuídos na sua vida.

O Explorador Hábil

Quanto mais estudo as vidas dos principais intelectuais, mais percebo a devastação de um flagelo comum e debilitante, que chamo de crueldade das ideias. A ascensão do novo intelectual secular produziu alguns espécimes notáveis.

Shelley (1792–1822) foi o protótipo, no que diz respeito aos países anglo-saxões, do moderno intelectual progressista ocidental. Ele cunhou a noção do direito dos intelectuais de influenciar eventos públicos. O poeta, e por extensão a classe intelectual como um todo, era o verdadeiro legislador, porque tinha uma pureza em sua devoção a idéias, não aberta aos homens do mundo, o barro comum: Ele era desinteressado. Mas Shelley exibiu, em sua própria vida, o que pode ser visto como uma falha característica dos intelectuais progressistas: a incapacidade de igualar sua benevolência geral a seu comportamento particular. Seu tratamento em relação a praticamente todo ser humano sobre o qual ele era capaz de exercer algum poder emocional ou físico era, pelos padrões do barro comum que ele desprezava, atroz. Qualquer mariposa que chegasse perto de sua feroz chama era chamuscada. Sua primeira esposa, Harriet, e sua amante, Fay Godwin, cometeram suicídio quando ele as abandonou. Em suas cartas, ele denunciou suas ações por lhe causar aflição e inconveniência. Parece que ele estava prestes a abandonar sua segunda esposa, Mary (a autora de “Frankenstein”), quando sua morte por afogamento acabou com seu poder de machucar. Seus filhos com Harriet foram feitos guardas da corte. Ele os apagou completamente de sua mente, e eles nunca receberam uma única palavra de seu pai. Outra filha, uma bastarda, morreu em um hospital em Nápoles, onde ele a abandonou.

Shelley foi particularmente hábil em explorar mulheres e criados. Ele arruinou a vida de uma professora, Elizabeth Hitchener, seduzindo-a tanto para a sua cama quanto para seus esquemas políticos, meteu-a em problemas com a polícia, pegou emprestado 100 libras de suas economias (que nunca foram pagas) e depois a abandonou, denunciando a sua visão estreita e egoísmo. Ele deixou um rastro de outras vítimas, a maioria proprietárias humildes e comerciantes. Ele sempre teve criados, mas poucos foram pagos.

As depredações de Shelley nunca abalaram sua soberba confiança no que ele chamou de “minha integridade testada e inalterável”. Críticas, não obstante bem documentadas, tornavam-no frio: “Eu rapidamente recuperei a indiferença”, escreveu ele, “que a opinião de qualquer coisa ou de qualquer pessoa que não seja a nossa consciência merece.” Explicando a um amigo por que ele estava abandonando sua esposa e fugindo com outra mulher, ele escreveu: “Estou profundamente convencido de que, assim habilitado, [eu] me tornarei um amigo mais constante, um amante mais útil da humanidade, um defensor mais ardente da verdade e da virtude.”

Karl Marx.

Karl Marx (1818–1883) foi outro exemplo de um homem que se convenceu de que era seu dever colocar ideias na frente das pessoas. Daí a sua implacável e muitas vezes irrefletida crueldade para com aqueles que o rodeavam tornou-se uma espécie de longínquo presságio da crueldade em massa que as suas ideias promoveriam quando finalmente se tornassem o modelo da política estatal soviética. Seu pai, que tinha medo dele, detectou a falha fatal: “Em seu coração”, ele escreveu a seu filho, “o egoísmo é predominante". Marx era particularmente odioso com sua mãe, que o repreendeu por sua imprevidência financeira e tentativas incessantes de cobrar dinheiro. Que pena, ela observou, que ele não tentou adquirir capital em vez de escrever sobre ele.

Havia uma enorme lacuna entre as ideias igualitárias de Marx e o modo como ele realmente se comportava. De uma forma ou de outra ele herdou somas consideráveis de dinheiro. Ele nunca teve menos de dois criados. Ele tinha horror ao que chamou de “uma configuração puramente proletária”. Ele fez sua esposa mandar cartões de visitas em que ela foi descrita como “née Baronesse Westphalen”. Ele não deixou suas três filhas se formarem em nenhuma profissão ou aprenderem qualquer coisa, exceto tocar piano. Ele manteve as aparências, empenhando a prata e até mesmo os vestidos de sua esposa. Ele seduziu a criada de sua esposa, com quem teve um filho, e então obrigou Friedrich Engels a assumir a paternidade. A filha de Marx, Eleanor, uma vez soltou um cri de coeur [grito do coração] em uma carta: “Não é maravilhoso, quando você chega a olhar as coisas diretamente no rosto, quão raramente parecemos praticar todas as coisas boas que pregamos — para os outros?” Mais tarde ela cometeu suicídio.

Marx, Engels e as filhas de Marx.

Toda a vida de Marx foi um exercício de exploração emocional ou financeira — de sua esposa, de suas filhas, de seus amigos. Estudar a vida de Marx nos leva a pensar que as raízes da infelicidade humana, e especialmente a miséria causada pela exploração, não estão na exploração por categorias ou classes — mas na exploração de um-para-um por indivíduos egoístas. Tampouco essa indiferença para com os outros é uma mera falha humana em um grande homem público. É central para o trabalho de Marx. Ele não estava realmente interessado em seres humanos reais, como eles se sentiam ou o que eles queriam. Ele nunca conheceu um membro do proletariado, exceto do outro lado da tribuna do orador em uma reunião pública. Ele nunca fez uma visita a uma fábrica de verdade, rejeitando as ofertas de Engels para organizar uma. Ele nunca procurou encontrar ou interrogar um capitalista, com a exceção solitária de um tio na Holanda. Da primeira à última, sua fonte de informações eram livros, especialmente os livros de relatórios governamentais.

Um bom homem, mas…

Vladimir Ilyich Ulianov "Lênin".

Não é por acaso, penso eu, que Lenin [1870–1924] nunca pôs os pés em uma fábrica até se tornar o ditador soviético, e nunca, até onde sabemos, teve qualquer contato real com os trabalhadores cujas vidas ele reivindicou o direito de transformar. Ele, também, era um socialista de biblioteca. Stalin tampouco procurou o operário ou o camponês para descobrir o que ele realmente queria; ele também era um grande devorador de colunas estatísticas. Que massa de fatos esses monstros ingeriram antes de irem devorar carne humana! Pode-se dizer que o caminho para o Gulag é pavimentado com teses de doutorado não-escritas.

Muitos, é claro, lamentaram a maneira como o marxismo reflete a indiferença de seu fundador em relação às pessoas como seres humanos vivos e emocionais. Se apenas, diz-se, Marx fosse capaz de ler Sigmund Freud! Mas se examinarmos a vida de Freud, encontramos a mesma dicotomia: uma lacuna intransponível entre teoria e prática, entre ideias e pessoas. Agora Freud (1856–1939), ao contrário de Shelley e Marx, era em muitos aspectos um homem bom — até mesmo um homem heróico.

Minorias étnicas sendo executadas pela NKVD em um Gulag na Sibéria.
(Desenho de Danzig Baldaev/ Drawings from the Gulag)

Mas este, também, foi outro caso de um homem que nunca permitiu que suas ideias penetrassem em seus relacionamentos pessoais ou melhorassem suas relações com as pessoas. Ao contrário de Marx, ele não olhou para os livros de relatórios; ele olhou em sua própria mente, e lá encontrou infinitas razões para a justiça. Freud foi o macho patriarcal dominante durante toda a sua vida. Sua esposa era pouco mais que sua criada, até mesmo espalhava a pasta de dente em sua escova de dentes, como um valete à moda antiga. Ele nunca discutiu seu trabalho ou teorias com ela, e nunca a encorajou a aplicar seu trabalho na criação de seus filhos. Nem ele mesmo o fez. Ele enviou seus filhos ao médico da família para aprender os fatos da vida. Sua grande família girava inteiramente em torno de suas próprias necessidades e hábitos. Quando um visitante levantou uma questão freudiana, a esposa de Freud respondeu enfaticamente: “Não discutimos nada disso aqui”.

Houve uma distensão de exploração, tanto em sua vida familiar e ainda mais em seu tratamento dado aos seus seguidores . Homens como Adler [1870–1937] e Jung [1875–1961] foram acusados de “traição” e repudiados como “hereges”. Pior, ele escreveu sobre sua “insanidade moral”. Ele não podia acreditar que alguém que uma vez esteve sob sua influência e depois se afastou poderia ser totalmente são. Ele achava que heresiarcas como Jung precisavam, na realidade, de tratamento psiquiátrico.

Fotografia mostrando prisioneiros de um campo de trabalho forçado soviético - Gulag - construindo o Canal do Mar Báltico, em 1933.
Milhares morreram no processo, de fome e problemas de saúde.

Intelectuais progressistas modernos são igualmente frustrados por aqueles que não compartilham suas ideias. Eu tenho lido um livro de Robert L. Heilbroner chamado “A Natureza e a Lógica do Capitalismo”. Não há evidência de que o autor, mais do que Marx, realmente saiba alguma coisa sobre os capitalistas ou o que os motiva. Heilbroner simplesmente assume que o capitalismo é principalmente sobre o exercício do poder sobre as pessoas. Isso parece-me um completo absurdo. Inclino-me para a crença contrária do Dr. Samuel Johnson [1709–84] quando ele observou: “Senhor, um homem raramente é tão inocentemente empregado como quando está recebendo dinheiro”. A opinião de Johnson foi compartilhada por John Maynard Keynes [1883–1946]. “É melhor”, escreveu ele, “que um homem deva tiranizar sobre sua conta bancária do que sobre outros seres humanos”.

Johnson e Keynes estavam entre os muitos intelectuais que não sucumbiram ao desejo de intimidar os outros, um desejo que também pode afetar os intelectuais sobre o que a maioria chamaria de direita. Por exemplo, Ayn Rand [1905–82], a romancista-filósofa que defendeu a dignidade do homem e o direito do indivíduo de ser livre do controle por outros, humilhou e dominou muitos que vieram a conhecê-la em particular.

Mas há boas razões pelas quais a maioria dos intelectuais compartilha um terreno comum com os socialistas. Keynes chega ao cerne da questão, pois a avareza é muito menos perigosa do que a vontade do poder, especialmente o poder sobre as pessoas. Não é a formulação de ideias, por mais mal orientada que seja, mas o desejo de impô-las aos outros que é o pecado mortal do intelectual. É por isso que eles se inclinam pelo temperamento de tal forma para a esquerda. Pois o capitalismo simplesmente ocorre, se ninguém fizer nada para detê-lo. É o socialismo que deve ser construído e, como regra, imposto à força, proporcionando assim um papel muito maior para os intelectuais em sua gênese.

Sepulturas em massa no ossuário de Choeung Ek, no Camboja.

O intelectual progressista hospeda habitualmente as visões de Walter Mitty de exercer poder. Freud, por exemplo, costumava descrever-se como um pretenso conquistador (era a palavra que usava), empunhando a caneta em vez da espada e mudando a história através de exércitos de seguidores em vez de soldados. Precisamente, talvez, porque levam vidas sedentárias, os intelectuais têm uma curiosa paixão pela violência, pelo menos no abstrato.

Aplausos das poltronas

Cemitério do Gulag de Vorkuta.

No século XX, baseando-se nas fundações do século XIX, o apetite pela violência na busca e realização de ideias tornou-se o pecado original do intelectual. Considere, por exemplo, a repetida expressão de admiração dos intelectuais por homens de ação implacáveis e sua longa sucessão de heróis violentos: Stalin, Mao Tsé-tung, Castro, Ho Chi Minh. Intelectuais ocasionalmente questionam a quantidade de abates, o grande número de “assassinatos necessários”; eles quase sempre aceitaram o princípio de que as utopias socialistas devem, se necessário, ser erguidas em bases violentas. Lembro-me bem de meu antigo editor, Kingsley Martin, escrever no New Statesman, por meio de uma gentil reprimenda a Mao Tsé-tung, que acabara de massacrar três milhões de pessoas: “Era realmente necessário que o presidente matasse tantos?” Isso provocou uma carta de seu velho amigo liberal Leonard Woolf. O Sr. Martin poderia gentilmente informar os leitores, ele questionou, “o número máximo de mortes que ele consideraria apropriado?

Enquanto os homens de violência da poltrona no Ocidente aplaudiam e toleravam, intelectuais de outros lugares participavam e muitas vezes dirigiam os grandes massacres dos tempos modernos. Muitos ajudaram a criar a Cheka, a progenitora da atual KGB. Os intelectuais eram proeminentes em todos os estágios dos eventos que levaram ao holocausto nazista. Os acontecimentos no Camboja na década de 1970, em que entre um quinto e um terço da nação morreram de fome ou foram assassinados, foram inteiramente obra de um grupo de intelectuais, que na maior parte eram alunos e admiradores de Jean- Paul Sartre [1905–1980] — “Filhos de Sartre”, como eu os chamo.

Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre (auto-proclamado "humanista") assistem à cerimônia do 6º aniversário da Fundação da China Comunista em Pequim, em 1º de outubro de 1955, na praça Tiananmen (Praça da Paz Celestial).

Onde quer que os homens e os regimes busquem impor ideias às pessoas, onde quer que o processo desumano da engenharia social seja colocado em ação — cavando carne e sangue ao redor como se fosse solo ou concreto — lá você encontrará intelectuais em abundância. Intimidar as pessoas é a atividade característica de todas as formas de socialismo, seja o socialismo soviético, ou o nacional-socialismo alemão, ou, por exemplo, a forma peculiar do socialismo étnico, conhecido como apartheid, que encontramos na África do Sul; esse conjunto sinistro de ideias, vale notar, era totalmente invenção de intelectuais reunidos no departamento de psicologia social da Universidade de Stellenbosch. Outras ideologias totalitárias africanas são igualmente trabalho de intelectuais locais, geralmente sociólogos.

Então, uma das lições do nosso século é: cuidado com os intelectuais. Não apenas devem ser mantidos longe das alavancas do poder, mas também devem ser objetos de suspeita peculiar quando procuram oferecer conselhos coletivos. Cuidado com comissões, conferências, ligas de intelectuais! Pois os intelectuais, longe de serem pessoas altamente individualistas e não-conformistas, são de fato ultra-conformistas dentro dos círculos formados por aqueles cuja aprovação eles buscam e valorizam. É isso que os torna, em massa, tão perigosos, porque lhes permite criar climas culturais, que muitas vezes geram cursos de ação irracionais, violentos e trágicos.

Lembre-se sempre que as pessoas devem sempre vir antes das ideias e não o contrário.

Fuzilamento de prisioneiro em Cuba


O Sr. Johnson é autor do livro “Uma História dos Judeus” (Harper & Row). Este texto é baseado em uma palestra realizada no Instituto de Estudos Contemporâneos.

Bibliografia recomendada:

O Livro Negro do Comunismo:
Crimes, terror e repressão.

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quarta-feira, 17 de junho de 2020

FOTO: Armamentos capturados na Coréia

Soldado de 1ª Classe Julias Van Den Stock, da Companhia A, 32ª Equipe de Combate Regimental, 7ª Divisão de Infantaria do Exército dos Estados Unidos na Colina 902 (Hill 902) próxima a Ip-Tong, na Coréia, em 25 de abril de 1951.

Ele está armado com uma carabina M1 ou M2 com o bocal de granadas em uma posição chinesa capturada. Ao seu lado uma metralhadora leve DP-28 soviética. Os comunistas chineses eram equipados majoritariamente com armamento soviético, além de sobressalentes de guerra japoneses e americanos.


Bibliografia recomendada:

A Guerra da Coréia: Nem Vencedores, Nem Vencidos.
Stanley Sandler.

Leitura recomendada:

FOTO: Filipinos na Coréia14 de março de 2020.






sexta-feira, 1 de maio de 2020

A Guerra Sino-Vietnamita de 1979 foi o crisol que forjou as novas forças armadas da China

Soldados vietnamitas sobre um Tipo 59 do 8º Exército Chinês, 1979.

Por Charlie Gao, National Interest, 5 de janeiro de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 1º de maio de 2020.

Uma grande perda leva a reformas necessárias.

Ponto-chave: nas palavras de um general chinês, o conflito na fronteira "permitiu que ele realizasse seu sonho de travar uma guerra moderna por métodos modernos".

Quando a guerra sino-vietnamita terminou em 16 de março de 1979, dificilmente seria uma resolução definitiva do conflito. Ambos os lados reivindicaram a vitória, e o Vietnã continuou a pressionar os aliados da China no Camboja e na Tailândia. Como resultado, o PLA (Exército de Libertação Popular chinês) continuou a pressionar o Vietnã ao lançar ataques através da fronteira vietnamita ao longo dos anos 80. Embora as baixas tenham sido pequenas em relação às dezenas de milhares de pessoas que morreram durante a guerra de 1979, as operações em escala regimental e divisional na fronteira infligiram baixas significativas nos dois lados.

As operações chinesas contra o Vietnã na década de 1980 são frequentemente divididas em quatro fases. Na primeira, chineses e vietnamitas entrincheiraram mais suas posições ao longo da fronteira. Isso durou até 1981. A segunda e terceira fases consistiram na escalada de operações ofensivas na fronteira entre 1981 e 1987, aumentando gradualmente a intensidade. A última fase envolveu a retirada do PLA da região de fronteira. Os objetivos políticos das incursões chinesas eram "punir" o Vietnã por sua contínua beligerância em relação à Tailândia e ao Camboja. Desde que as tropas vietnamitas estavam entrando no Camboja, as tropas chinesas continuariam fazendo o mesmo. Militarmente, a China viu o conflito na fronteira como uma maneira de evoluir o PLA de uma força de combate antiquada para uma moderna, testando novas doutrinas e equipamentos na fronteira.

Miliciana vietnamita guardando prisioneiros chineses, 1979.

O desempenho do PLA na guerra de 1979 foi tão ruim que até os comandantes vietnamitas ficaram surpresos, segundo algumas fontes. Isso foi resultado da sua dependência das táticas de ataque de infantaria no estilo da Guerra da Coréia, devido à inflexibilidade operacional e estagnação do pensamento militar no PLA. A disposição da estrutura de comando e a infraestrutura que a apoiava não podia suportar a guerra de manobras por unidades menores de forças de melhor qualidade.

Após a guerra de 1979, muitas reformas e reorganizações ocorreram dentro do PLA. A liderança antiga foi removida e um novo conjunto de novos oficiais foi trazido. Finalmente, em 1984, a situação se apresentou para um teste dessas reformas. No final de 1983, Deng Xiaoping se encontrou com o príncipe Norodom Sihanouk, do Camboja. O príncipe queria ajuda, pois os soldados vietnamitas estavam obtendo ganhos significativos dentro do Camboja. Como resultado, Deng decidiu mobilizar o PLA para uma operação ofensiva significativa em 1984. Os objetivos da ofensiva eram capturar as áreas de Laoshan e Zheyinshan. Após barragens preparatórias durante a maior parte de abril de 1984, a ofensiva terrestre foi finalmente lançada em 28 de abril. Cinco regimentos de infantaria atacaram posições no topo de colinas ao redor de Laoshan, tomando-as uma a uma. Esta não foi uma história de sucesso total, pois esses regimentos sofreram pesadas baixas e usaram táticas inflexíveis semelhantes àquelas de 1979. Os dois regimentos designados para atacar Zheyinshan se saíram melhor. O comando flexível permitiu que os ataques fossem adiados até o momento oportuno, e o ataque foi um grande sucesso, com todas as posições vietnamitas sendo capturadas. O comandante da divisão encarregado desses regimentos foi logo promovido para comandar o Décimo Primeiro Exército, e o ataque foi citado como um exemplo didático do que o PLA poderia agora realizar.

Os vietnamitas lançaram contra-ataques na campanha MD-84, na tentativa de recuperar as posições que perderam na ofensiva de Laoshan. Contra-ataques ocorreram contra as posições chinesas em Laoshan ao longo de junho e julho. Os relatórios pós-ação dessas ofensivas sugerem que a modernização militar chinesa provou ser uma possível razão para o sucesso. Veteranos vietnamitas se lembraram de serem bombardeados pela artilharia chinesa mesmo durante a noite, devido à utilização de novos dispositivos de visão noturna chineses na linha de frente. Além disso, a logística chinesa alcançou novos níveis de eficiência. Um comandante de artilharia chinês observou que, ao repelir os contra-ataques, ele poderia executar tantas missões de tiro quanto desejasse, sem se preocupar com o suprimento de munição pela primeira vez em sua carreira.

As operações no setor de Laoshan também foram o catalisador do desenvolvimento de uma maior capacidade de ação direta entre as unidades de reconhecimento do PLA. Depois que uma unidade comando Dac Cong vietnamita destruiu um radar da contra-bateria do PLA em 1984, Deng Xiaoping pediu ao Estado-Maior do PLA que criasse capacidades semelhantes. Todas as regiões militares chinesas receberam ordens de organizar brigadas de reconhecimento, que depois foram rotacionadas em todo o setor de Laoshan. Quinze brigadas de reconhecimento foram criadas, das quais três a cinco foram desdobradas no setor a qualquer momento. Essas brigadas foram muito ativas na invasão de áreas da retaguarda, e a experiência adquirida por elas foi mais tarde usada pelo PLA para ajudar a criar suas próprias forças de operações especiais.

Demonstração de comandos Dac Cong (sapadores de assalto) vietnamitas camuflados com lama negra. (Ngoc Thanh)

No geral, embora as guerras fronteiriças sino-vietnamitas possam parecer insignificantes, elas provaram ser um campo de teste eficaz para as reformas do PLA. Testes de fogo no setor de Laoshan permitiram ao PLA criar um novo quadro de liderança com visão de futuro. Novas tecnologias e estruturas organizacionais também foram testadas e reformadas, e foi adquirida experiência de combate que levou à criação das SOF chinesas. Nas palavras de um general chinês, o conflito fronteiriço "permitiu que ele realizasse seu sonho de travar uma guerra moderna por métodos modernos". O conflito fronteiriço sino-vietnamita de 1979 a 1990 pode ser visto como o crisol no qual nasceu o moderno PLA, reformado do pesado e desajeitado exército que atacou o Vietnã em 1979.

Charlie Gao estudou ciência política e da computação no Grinnell College e é um comentarista frequente em questões de defesa e segurança nacional.

Bibliografia consultada:

Chinese Military Strategy in the Third Indochina War: The Last Maoist War (Asian Security Studies), Edward C. O'Dowd, 2007.

Deng Xiaoping's Long War: The Military Conflict between China and Vietnam, 1979-1991 (The New Cold War History), Xiaoming Zhang, 2015.

quarta-feira, 8 de abril de 2020

Preocupações do Pacto de Varsóvia: A Polônia e Alemanha Oriental não eram exatamente os melhores dos "aliados"

Foto de propaganda demonstrando a solidariedade no Pacto de Varsóvia.

Por Michael Peck, The National Interest, 25 de setembro de 2016.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 8 de abril de 2020.

A história recente parece ter causado algumas tensões problemáticas em uma aliança-chave da Guerra Fria.

Em 1969, os alemães ainda pensavam que os poloneses eram inferiores. Os poloneses ainda pensavam que os alemães eram nazistas.

Marechal da União Soviética Igor Kulikov, General Wojciech Jaruzelski e General Heinz Hoffmann assistindo exercícios militares combinados dos exércitos do Pacto de Varsóvia.

Apesar da imagem da irmandade comunista fraterna que Moscou procurava retratar, verifica-se que nem tudo era harmonioso no Pacto de Varsóvia. Aquelas nações que se odiaram antes da Segunda Guerra Mundial e continuaram a se odiar depois.

Caso em questão: um relatório do Exército polonês sobre tropas da Alemanha Oriental que realizavam manobras em território polonês durante o exercício Oder Neisse 69 do Pacto de Varsóvia em outubro de 1969. O exército da Alemanha Oriental se comportou mais como o exército de Hitler, segundo o relatório, um trecho que está incluído no livro A Cardboard Castle: An Inside History of the Warsaw Pact 1951-1991 (Um Castelo de Papelão: Uma história interna do Pacto de Varsóvia 1951-1991).


Que o relatório foi escrito pelos poloneses é óbvio a partir do primeiro parágrafo do trecho, que afirma que "as atitudes do NVA DDR (Nationale Volksarmee der Deutschen Demokratischen RepublikExército Popular Nacional da República Democrática Alemã) foram dominadas por sentimentos de culpa causados pelo período histórico anterior".

Infelizmente para os poloneses, essa culpa não durou muito. O relatório continua observando que, durante as reuniões entre oficiais alemães-orientais e poloneses, os alemães se vangloriavam de suas políticas econômicas superiores e de um padrão de vida mais alto, que eles atribuíam à "diligência da nação alemã".

Exército Popular Polonês (Ludowe Wojsko Polskie, LWP).

Exército Popular Nacional (Nationale Volksarmee, NVA).

Os oficiais alemães "exibiram níveis excessivos de autoconfiança, principalmente superestimando os seus e subestimando nossas habilidades organizacionais", observou o exército polonês.

Para qualquer um que saiba alguma coisa sobre como as forças armadas alemãs de 1939 a 1945 viam os eslavos e os europeus orientais como untermenschen preguiçosos e tolos, isso definitivamente parece familiar.

Infantaria do NVA em treinamento.

Infantaria do LWP em treinamento.

Fica melhor. Os poloneses reclamaram que os alemães orientais gostavam de “atirar doces para as crianças e fotografar esses jovens enquanto eles pegavam os doces, o que causou reações desagradáveis e reminiscências entre os civis”.

Lembre-se de que em 1969, qualquer polonês com mais de 35 anos teria lembranças da invasão e ocupação alemãs, da fome dos anos de guerra, enquanto a Alemanha saqueava a nação, as execuções e o trabalho forçado.

Salto da 6ª Divisão de Assalto Aéreo Pomerana, LWP.

Helicópteros Mi-24 Hind da Luftstreitkräfte der Nationalen Volksarmee.

Depois de 1945, os soviéticos refizeram as fronteiras da Polônia, com a União Soviética anexando uma faixa do leste da Polônia e depois compensando a Polônia com uma faixa do leste da Alemanha. Essa mudança aparentemente não se encaixou bem com os soldados da Alemanha Oriental. “Durante as reuniões oficiais, os oficiais do NVA DDR fazendo apresentações nunca usaram frases que tratam do título histórico da Polônia em suas terras ocidentais e do norte. Não há dúvida de que isso é resultado de muitos anos submetendo os soldados do NVA DDR durante o treinamento político à teoria de que 'Hitler perdeu esses territórios'.”

Ao ler o relatório polonês, percebe-se que os alemães orientais não o teriam, recapturando aquela terra.

Infantaria mecanizada do NVA.

Tiro em marcha desembarcado.

De fato, os alemães pareciam se comportar como se fossem donos da Polônia. Na cidade de Poznan, soldados da Alemanha Oriental "sob a influência de álcool enojam as pessoas que andam nas ruas da cidade". Enquanto isso, um “Coronel Leisner, vice-comandante da 9ª Divisão Blindada do NVA DDR, depois de beber demais na cidade de Charzykow, e sem os sapatos e o uniforme, tentou invadir a sala das datilógrafas soviéticas, o que exigiu intervenção.”

Nem todo incidente terminou de forma tão cômica. O relatório do Exército polonês cita um caso em que um sargento da marinha alemã-oriental estuprou uma mulher polonesa.

Blindados PT-76 e OT-62 TOPAS da 7ª Divisão de Assalto Naval Łużycka, LWP.

ASU-85 aero-lançável da 6ª Divisão de Assalto Aéreo Pomerana, LWP.

Para ser justo, relações tensas entre aliados não são novas. "O americano feio" tornou-se um símbolo de insensibilidade americana em terras estrangeiras. Civis britânicos reclamaram que soldados americanos estacionados na Grã-Bretanha durante a Segunda Guerra Mundial eram "pagos em excesso, fazem sexo em excesso e estão aqui". Os civis do Vietnã do Sul se ressentiram do comportamento grosseiro dos militares americanos e okinawanos ainda desejam que as bases americanas na ilha desapareçam. As tropas de ocupação soviética nem sempre se mostraram amáveis com os locais na Europa Oriental, enquanto os soldados afegãos ocasionalmente atiram nas costas dos seus congêneres americanos.

UAZ-469 do NVA.

Coluna de tanques T-55 poloneses durante o exercício Soyuz-81.

Não obstante, o fato é que, aos olhos da Polônia, os alemães de 1969 se comportaram como as tropas de assalto marchando em passo do ganso de 1939. O que nos faz pensar como esses dois "aliados" do Pacto de Varsóvia teriam cooperado entre si, mesmo sob os olhos atentos dos soviéticos. Não é difícil imaginar um regimento alemão-oriental deixando de apoiar seus camaradas poloneses, ou uma unidade polonesa que acidentalmente lançou algumas granadas de artilharia nas posições alemãs.

Talvez os soviéticos não se importassem tanto. Melhor os alemães e poloneses atirarem uns nos outros do que atirarem nos russos.

Tanquistas polonês, soviético e alemão em frente a carros T-72 poloneses.

Leitura recomendada:




FOTO: T-55 polonês8 de abril de 2020.