domingo, 8 de novembro de 2020

A Venezuela está comprando petróleo iraniano com aviões cheios de ouro


Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 8 de novembro de 2020.

O Irã recebeu ouro da Venezuela pelas cargas de combustível que Teerã enviou ao país latino-americano, disse um comandante do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC) no fim de semana, conforme noticiado pelo Middle East Monitor em setembro.

Cinco meses depois que as autoridades iranianas negaram o recebimento do pagamento pelo combustível enviado para a Venezuela, o mais alto assessor do líder supremo Ali Khamenei confirmou, em 27 de setembro, que o Irã recebeu ouro pelos carregamentos. Em 30 de abril desse ano, o representante especial dos EUA para a Venezuela, Elliott Abrams afirmou que “Os aviões que estão vindo do Irã e trazendo coisas para a indústria do petróleo estão voltando com os pagamentos por essas coisas: ouro”.

Notícias da época do relatório de Abrams afirmavam que havia uma ponte aérea entre o Irã e a Venezuela já em abril, quando as linhas aéreas iranianas Mahan realizaram vários vôos. A Mahan Air está sob sanções dos Estados Unidos por transportar armas e ser usada pela Guarda Revolucionária em suas operações no exterior. O Ministério das Relações Exteriores do Irã e outras autoridades rejeitaram os comentários de Abrams na época, dizendo que o objetivo de tais acusações era "exercer mais pressão" sobre o Irã.

Sem dinheiro e desesperado por ajuda para sustentar sua indústria de petróleo, a Venezuela está saqueando seus cofres de ouro e entregando toneladas de barras para seu exótico aliado, o Irã. De acordo com o Major General Yahya Safavi do IRGC, o Irã transportou o ouro da Venezuela para Teerã por meio de aviões a fim de "prevenir qualquer acidente durante o trânsito".

O Irã tem uma relação estreita com o governo venezuelano anti-EUA desde os dias do presidente Hugo Chávez, em meados dos anos 2000.

General Yahya Rahim-Safavi, IRGC.

Aviões no lugar de navios

Depois que o Irã entregou condensado à Venezuela por meio de um navio-tanque com bandeira do Irã, o mesmo navio-tanque carregou petróleo bruto venezuelano em um terminal no país latino-americano, informou a Bloomberg em setembro de 2020, citando um relatório de embarque. Irã e Venezuela também trocaram recentemente petróleo bruto, desafiando as sanções dos EUA.

Além de ajudar com os serviços de petróleo, o Irã declarou estar pronto para ajudar a Venezuela a lidar com sua severa escassez de gasolina e no início deste ano conseguiu enviar cargas de combustível para o país latino-americano, que detém as maiores reservas de petróleo do mundo.

A Guarda Costeira dos Estados Unidos interceptou e apreendeu quatro desses carregamentos de gasolina com destino à Venezuela em agosto. Isso forçou a mudança do modal de transporte marítimo para o aéreo. A transportadora Mahan Air, com sede em Teerã, já vôou com mais de meia dúzia de jatos para o país sul-americano apenas na última semana de abril.

A maioria entregou aditivos para gasolina, peças e técnicos para ajudar a consertar uma refinaria importante ao longo da costa noroeste da Venezuela. Enquanto isso, Mahan enviou outros aviões para o aeroporto internacional fora de Caracas, onde são carregados com as barras de ouro para serem levados de volta a Teerã, disseram fontes internas que pediram anonimato porque não estão autorizadas a falar publicamente sobre as transações.

Com grande parte do pessoal do banco central isolado em casa, o transporte das barras de ouro em carros blindados para serem levados ao aeroporto foi discreto e conduzido por funcionários e oficiais de segurança fortemente armados à partir dos cofres localizados no centro de Caracas.

Só na última semana de abril a Venezuela carregou 9 toneladas de ouro, no valor de cerca de US$ 500 milhões, em aviões para o Irã, em troca da ajuda iraniana para consertar refinarias em ruínas na Venezuela, disseram fontes internas à Bloomberg.

Com o colapso dos preços do petróleo, o ouro em Caracas é agora uma fonte ainda mais importante de riqueza para a Venezuela, que caiu na pobreza extrema sob o governo socialista de Maduro. Embora o país tenha cerca de 70 toneladas de ouro em seus cofres, vendê-lo está cada vez mais difícil, conforme noticiou o Bloomberg em sua seção de economia.

Depois de uma breve - e rara trégua - a moeda da Venezuela está mais uma vez em queda livre e a inflação recomeçou a subir, com a taxa anual subindo para cerca de 3.500%. Uma quarentena estrita para combater a pandemia do coronavírus está começando a apresentar rachaduras e o risco de maior agitação social está crescendo enquanto a Venezuela tenta freneticamente garantir comida e combustível.

Uma aliança, no mínimo, exótica

Comandos venezuelanos ativação do Comando Geral de Operações Especiais "General em Chefe Félix Antonio Velásquez" como parte da Operación Soberanía Bolivariana 2017; uma operação de defesa contra "a agressão imperialista" dos Estados Unidos.

As duas nações - ambas párias nos círculos internacionais - estão trabalhando juntas ainda mais enquanto tentam resistir às duras sanções dos EUA e ao colapso do preço do petróleo causado pelo coronavírus, sua principal fonte de receita. Para o Irã, os acordos fornecem uma nova fonte de receita. Para a Venezuela, eles garantem que seu fornecimento de gasolina não acabe totalmente.

Quando o antecessor de Maduro, o falecido Hugo Chávez, estava no poder, ele e o então líder iraniano Mahmoud Ahmadinejad fecharam acordos em uma variedade de projetos de energia, agrícolas e financeiros. Eles até abriram uma fábrica conjunta de montagem de automóveis a oeste de Caracas. O Irã também está ajudando a Venezuela na prevenção de ataques cibernéticos, disse o oficial militar iraniano. Irã e Venezuela, ambos sob sanções dos Estados Unidos que visam cortar suas exportações de petróleo, aumentaram a cooperação nos últimos anos.

O conselheiro de Khamenei também disse: “Hoje os venezuelanos são comunistas, mas se mantiveram firmes contra os americanos, então vamos ajudá-los”. Rahim-Safavi também revelou que Teerã está ajudando Caracas com softwares, “estabelecendo forças de mobilização popular” e “prevenindo ataques cibernéticos”. Ele acrescentou que “qualquer país muçulmano ou não-muçulmano que precisar de ajuda [contra os americanos], nós ajudaremos, mas eles terão que pagar por isso”.

Spetsnaz russo em um prédio público sírio.
Atrás dele os retratos do atual ditador Bashar al-Assad e seu pai, Hafez al-Assad.

Continuando seus comentários, o general do IRGC disse: “Recebemos dólares em dinheiro por cada assistência que prestamos ao Iraque. Com a Síria temos um acordo e recebemos certas coisas. Claro, os russos se beneficiam mais com a Síria do que nós.”

O Irã luta na Síria quase desde o início da guerra civil do país em 2011. Teerã mobilizou dezenas de milhares de forças de fachada que equipa, alimenta e paga. Algumas estimativas dizem que mais de US$ 15 bilhões foram gastos para apoiar o homem forte sírio Bashar al-Assad.

Vídeo recomendado:

Jack Ryan Is Lying About Venezuela
Jack Ryan está mentindo sobre a Venezuela


Bibliografia recomendada:

A Obsessão Antiamericana:
Causas e Inconseqüências.
Jean-François Revel,
da Academia Francesa.

Leitura recomendada:

O desafio estratégico do Irã e da Venezuela com as sanções13 de setembro de 2020.

A influência iraniana na América Latina15 de setembro de 2020.

O papel da América Latina em armar o Irã16 de setembro de 2020.

Poderia haver uma reinicialização da Guerra Fria na América Latina?4 de janeiro de 2020.

GALERIA: Ativação do Comando de Operações Especiais venezuelano30 de agosto de 2020.

Um olhar mais profundo sobre a interferência militar dos EUA na Venezuela, 4 de abril de 2020.

FOTO: O jovem cadete Hugo Chavez27 de março de 2020.

GALERIA: O T-72 polonês em direção à Lituânia

Tanques T-72 poloneses sendo transportados por via férrea para a Lituânia em 28 de outubro de 2020.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 8 de novembro de 2020.

De 28 de outubro até 6 de novembro, as tropas do 21BSP (21 Brygada Strzelców Podhalańskich/ 21ª Brigada de Fuzileiros Podhale) treinaram como parte da segunda fase do exercício Brilliant Jump 20, um exercício organizado pelo Comando de Operações Conjuntas da OTAN em Brunssum, na Lituânia.

O exercício Brilliant Jump 20 testou a logística da OTAN e sua capacidade de responder e movimentar a Força-Tarefa Conjunta de Prontidão Muito Alta (Very High Readiness Joint Task Force, VJTF) rapidamente em caso de crise. A Matriz do Corpo Multinacional Nordeste (HQ MNC NE) era responsável por realizar a Recepção, Colocação e Movimento Adiante (Reception, Staging and Onward MovementRSOM) das unidades que chegavam.

O planejamento do exercício, que entrou em sua fase final em 28 de outubro, teve início em meados de 2019. Realizado sob a égide do Comando da Força Conjunta Aliada Brunssum, o exercício Brilliant Jump foi projetado para demonstrar a prontidão e mobilidade da VJTF. Foram enviados para a Lituânia 2.500 soldados e 600 veículos usando recursos aéreos, terrestres e marítimos enviados da República Tcheca, Polônia e Espanha. 

O modal ferroviário é o melhor sistema de transporte terrestre que existe. Isto é particularmente verdadeiro em relação ao transporte de blindados.

O exercício Brilliant Jump 20 consiste em duas partes: uma fase marítima conduzida de 28 de setembro a 2 de outubro na costa do Reino Unido; seguida por uma fase de desdobramento terrestre de 28 de outubro a 6 de novembro na Lituânia.

"Nossos exercícios aproveitam as oportunidades para a OTAN e as nações aliadas aprimorarem suas habilidades de combate, concentrando-se em capacidades de ponta", disse o Vice-Almirante Keith Blount, comandante do Comando Marítimo da OTAN. "O exercício Brilliant Jump 20 mostra que continuamos preparados para operações em paz , crise e conflito e que estamos sempre prontos para desdobrar nossas forças onde for necessário, de forma rápida e eficaz.”

Transferir milhares de soldados de um lugar para outro é uma tarefa imensa e complicada. "Todo o processo RSOM é subdividido em várias atividades", indica o Ten-Cel Rene Srock da Divisão MNC NE J4. A coordenação de todos os esforços foi assegurada pelas Unidades de Integração de Forças da OTAN localizadas na Polônia e na Lituânia. Eles forneceram a ligação para seus respectivos ambientes militares e civis. Desta forma, o Comando RSOM em Szczecin teve a tão necessária Consciência Situacional para focar o apoio das Nações Receptoras Anfitriãs (Host Receiving Nations), ajustar os Planos de Movimento e apoiar a segurança para as diferentes fases e locais do RSOM.

"O maior desafio é mover as forças de acordo com os regulamentos de tempo de paz entre o tráfego civil normal. Todos os movimentos devem ser meticulosamente coordenados em tempo hábil", disse COL Miroslav Heger, Chefe RSOM MNC NE.

Independentemente de onde o RSOM é conduzido, os principais provedores de serviços são as Nações Receptoras Anfitriãs com suas capacidades militares e civis. Portanto, a execução bem-sucedida do processo RSOM é uma boa ilustração da coesão, interoperabilidade e prontidão da OTAN para reagir rapidamente em uma emergência.

Os T-72 poloneses estão sendo modernizados atualmente com visão noturna e térmica passiva, e sistemas de comunicação digital. Uma boa direção antes de substituí-los por MBTs modernos.

Os trens fornecem a maior capacidade de carga em todos os modais terrestres.

Este ano, o núcleo da "ponta de lança" da OTAN foi formado pela 21ª Brigada de Fuzileiros Podhale polonesa, com as unidades terrestres participantes incluindo um quartel-general de brigada, um batalhão de ponta-de-lança, forças especiais e o quartel-general da força-tarefa QBN da Polônia, um batalhão mecanizado da República Tcheca, uma companhia mecanizada da Lituânia e um batalhão de infantaria da Espanha.

Após a conclusão do Brilliant Jump 20, as unidades VJTF participarão do exercício liderado pela Lituânia, Iron Wolf (Lobo de Ferro), antes de serem transferidas de volta para suas bases.

Bibliografia recomendada:


Leitura recomendada:

FOTO: IS-3 no Egito de Nasser

Carro de combate pesado IS-3 egípcio desfilando no Cairo na década de 1960.
As lagartas fizeram um estrago na avenida.

O Egito era o maior aliado árabe da União Soviética desde os anos 1950, e recebeu grandes quantidades de material soviético até a Guerra do Yom Kippur, em 1973. Durante o início dos anos 1950, todos os IS-3s foram modernizados como modelos IS-3M. O Exército egípcio adquiriu cerca de 100 tanques IS-3M da União Soviética, que entraram em combate na Guerra dos Seis Dias (1967) na frente do Sinai.

Os tanques IS-3 foram incluídos em um regimento na 7ª Divisão de Infantaria egípcia, que assumiu posições defensivas ao longo da linha Khan Yunis-Rafah. Outros 60 tanques foram incorporados em outro regimento na 125ª Brigada de Tanques, 6ª Divisão Mecanizada, que foi desdobrada perto de Al Kuntillah. Os tanques IS-3 eram lentos e desajeitados demais para a guerra moderna de movimento executada pelos israelenses, disparavam muito devagar e seus motores quebravam rapidamente no deserto do Sinai. O fato dos egípcios não manobrarem, apenas servindo como casamatas móveis, sem qualquer iniciativa de pequenas unidades, apenas jogou à favor das colunas móveis israelenses.

A infantaria israelense e os paraquedistas tiveram considerável dificuldade com o IS-3M devido à sua blindagem espessa, que evitou os ataques das armas anti-carro normalmente orgânicas à infantaria, como a bazuca. Mesmo o projétil de 90mm perfurante disparado pelo canhão principal dos tanques Patton M48 das Forças de Defesa de Israel (IDF) não conseguiam penetrar a blindagem frontal dos IS-3 em distâncias normais de combate. Houve uma série de engajamentos entre os M48A2 Patton da 7ª Brigada Blindada das IDF e os IS-3 apoiando posições egípcias em Rafah, nas quais vários M48A2 foram destruídos durante o combate.

IS-3 destruído no Sinai em 1967, mostrando penetração no flanco da couraça, ao lado de um T-55.

No entanto, em um confronto entre um batalhão de IS-3 e M48A3 com canhões de 90mm, sete IS-3 foram destruídos. A baixa cadência de tiro, baixo desempenho do motor (o motor não era adequado para operações em clima quente) e controle de fogo rudimentar dos IS-3 provaram ser uma desvantagem significativa, e cerca de 73 IS-3 foram perdidos na guerra de 67.

A maioria dos tanques IS-3 egípcios foi retirada de serviço, com apenas um regimento de IS-3 mantido em serviço até a guerra de outubro de 1973. As IDF fizeram experiências com alguns tanques IS-3 capturados, mas os considerou inadequados para a guerra blindada movimento rápido característica do deserto; aqueles que não foram descartados foram transformados em posições defensivas estacionárias de casamatas na área do rio Jordão.

Tanque pesado IS-3 egípcio capturado no Museu Yad la-Shiryon, Israel.

Bibliografia recomendada:

Soviet T-10: Heavy tanks and variants.
James Kinnear e Stephen L. Sewell.

IS-2 Heavy Tank 1944-1973.
Steven J. Zaloga.

Arabs at War:
Military Effectiveness, 1948-1991.
Kenneth M. Pollack.

Leitura recomendada:


sábado, 7 de novembro de 2020

Chefe do estado-maior indiano não descarta "conflito maior" com a China sobre Ladakh

Por Laurent Lagneau, Zone Militaire Opex 360, 7 de novembro de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 7 de novembro de 2020.

Na região montanhosa de Ladakh, considerada estratégica e atravessada pela Linha de Controle Real (Line of Actual ControlLAC), cuja rota é objeto de uma disputa entre Nova Délhi e Pequim, forças indianas e chinesas se enfrentam desde o mês de maio, ainda mais num ambiente que não é dos mais hospitaleiros. Nos últimos meses, os dois países intensificaram a construção de infraestrutura ali, contribuindo para a situação atual, cada um acusando o outro de buscar melhorar o fluxo de tropas na fronteira.

Assim, tudo começou com uma incursão de 250 soldados chineses na área do lago Pangong Tso, parte do Ladakh indiano reivindicado por Pequim.

Este face-a-face degenerou de fato em junho, no vale de Galwan, com confrontos violentos que resultaram em cerca de quarenta mortes entre soldados indianos (e, sem dúvida, cerca de trinta no lado chinês, sem Pequim ter feito uma avaliação oficial).

Desde então, enquanto cada campo fortalece suas posições, o Exército de Libertação do Povo (PLA) tem estado particularmente ativo. Na verdade, foi relatado que desdobrou equipamento militar recente lá, como o tanque leve Tipo 15 que entrou em serviço em 2018, estabeleceu novas bases aéreas e enviou para Kashgar bombardeiros estratégicos H6 com mísseis de cruzeiro KD-63, suscetíveis de ameaçar os principais centros de decisão indianos.

Ao mesmo tempo, as negociações diplomáticas com o objetivo de acabar com essas tensões estão falhando uma após a outra, com Nova Délhi pedindo um retorno às posições pré-crise. Uma nova reunião - a oitava - ocorreu no dia 6 de novembro de 2020, em Chushul, localidade do distrito de Leh, capital de Ladakh.

No entanto, no mesmo dia, o General Bipin Rawat, Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas Indianas, descreveu a situação em Ladakh como ainda tensa e que o Exército de Libertação do Povo enfrenta "as consequências imprevistas" da sua "desventura" em Ladakh, que lhe valeu a "resposta firme das forças de defesa indianas". Ele insistiu: "Nossa postura é ambígua: não aceitaremos nenhuma alteração na LAC".

Mas o General Rawat foi ainda mais longe. Embora, disse ele, a "perspectiva de um conflito em grande escala seja improvável", em contraste, confrontos de fronteira, violações da LAC e ações militares táticas "não provocadas" (entenda-se: manobras e movimentos de tropas) provavelmente "se transformarão em um conflito maior". Em todo caso, esse risco não pode ser descartado, insistiu ele durante um evento online organizado pelo National Defense College (Escola Superior de Defesa Nacional).

Tal desenvolvimento poderia resultar em combates em outros pontos da fronteira sino-indiana, como no planalto de Doklam, também objeto de uma disputa entre os dois países, e onde suas respectivas forças se encararam face-a-face tenso em 2017. Isso também pode significar ações em outras áreas de conflito, como o ciberespaço ou espaço, ou mesmo no campo econômico.

Como um lembrete, Índia e China são duas potências nucleares com uma doutrina "sem empregar primeiro". Além disso, Pequim é um aliado próximo de Islamabad, o que pode ter consequências caso a situação em Ladakh piore ainda mais.

Enquanto isso, o general Rawat também enfatizou a necessidade da Índia se tornar auto-suficiente em suprimentos militares (atmanirbhar). “Conforme a Índia se afirma, os desafios de segurança aumentarão proporcionalmente. Devemos nos afastar da constante ameaça de sanções ou da dependência de outras nações para nossas necessidades militares e investir nas capacidades nacionais [...] para ter independência estratégica e poder militar decisivo para responder aos desafios atuais e emergentes”, disse ele.

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O T-14 Armata para a Índia?, 13 de setembro de 2020.

Exército indiano comprará mais 72.000 fuzis de assalto SIG 716 dos EUA, 6 de novembro de 2020.


FOTO: Iraquianos se rendendo a sauditas no Kuwait

Tropas iraquianas emergem de um bunker fortemente protegido para se renderem a soldados sauditas, armados com fuzis HK G3, durante a Operação Tempestade no Deserto no sudeste do Kuwait, 1991. (Laurent Rebours/AP)

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FOTO: Um burro na Tempestade do Deserto

Um sentinela francês da Divisão Daguet acompanha um beduíno, que cavalga em um burro, através do posto de comando divisionário no Iraque, março de 1991.
(Yann Le-Jamtel/ECPAD)

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sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Exército indiano comprará mais 72.000 fuzis de assalto SIG 716 dos EUA


Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 5 de novembro de 2020.

A Índia havia adquirido o lote anterior dos fuzis sob o programa de aquisição acelerada (FTP), mais um dos programas de compras de emergência indianos.

Em meio à disputa em andamento com a China sobre a questão da fronteira, o Exército Indiano vai fazer outra encomenda de 72.000 fuzis de assalto SIG 716 dos Estados Unidos. A encomenda do segundo lote de fuzis viria depois do primeiro lote de 72 mil fuzis, já entregue ao Exército para uso pelas tropas do Comando Norte e outras áreas operacionais.

"Vamos fazer um pedido de mais 72.000 desses fuzis sob os poderes financeiros concedidos às Forças Armadas", disseram fontes do Ministério da Defesa indiano à agência de notícias ANI.

O SIG 716 G2 Patrol é um fuzil de assalto aprimorado com cano de 16 polegadas, guarda-mão M-LOK e coronha telescópica de 6 posições. As armas estão sendo fornecidas ao Exército Indiano pelas instalações da SIG Sauer em New Hampsire, EUA. O modelo G2 Patrol é calibrado em 7,62x51 mm OTAN.

Soldados indianos no estande com os novos fuzis SIG 716 G2 Patrol.

O Exército Indiano recebeu o primeiro lote de fuzis de assalto SIG Sauer para impulsionar suas operações de contraterrorismo. A Índia havia adquirido os fuzis sob o programa de aquisição acelerada (fast-track procurement, FTP). Os novos fuzis substituirão os fuzis existentes do Sistema de Armas Leves (Indian Small Arms System, INSAS) da Índia, calibrados em 5,56x45mm, e usados pelas forças indianas e fabricados localmente pelo Ordnance Factories Board.

De acordo com o plano, os 144.000 fuzis importados devem ser usados pelas tropas nas operações de contra-terrorismo e nas funções de linha de frente na Linha de Controle (Line of Control, LoC), as forças restantes seriam supridos com os fuzis AK-203, os quais serão produzidos em conjunto pela Índia e pela Rússia na fábrica de munições Amethi. O trabalho no projeto ainda não começou devido a vários problemas processuais enfrentados pelas duas partes.

Indian Small Arms System (INSAS).

O Exército Indiano  vem tentando substituir seus fuzis INSAS por muitos anos, mas as tentativas falharam devido a uma multitude de problemas, geralmente baixo controle de qualidade na produção indiana e falta de recursos para importações.

O Exército Indiano desejava inicialmente 800 mil fuzis, reduzindo a encomenda para 250 mil fuzis em 2018 - apenas um terço de sua necessidade total - devido a restrições orçamentárias e à necessidade de acelerar as entregas. Com forças armadas contando 1,3 milhão de militares, a encomenda de 800 mil fuzis teria custado US$ 2,5 bilhões. Recentemente, o Ministério da Defesa fez um pedido de 16.000 metralhadoras leves Negev de Israel para mitigar a escassez dessas armas, um problema que já se arrasta por um bom tempo.

Índia e China estão em uma posição de impasse no leste de Ladakh, já que o exército chinês (PLA) desdobrou mais de 20.000 soldados na região desde a primeira semana de maio, gerando tensão e choques entre os dois países.

Fuzis "Made in India"

Soldados indianos com fuzis AK-47 romenos em Srinagar.

Em 2017, o Exército Indiano rejeitou os fuzis de assalto Trichy 7,62x39 mm, uma cópia da família AK e produzido localmente, que deveriam substituir os fuzis AK-47 e INSAS. As autoridades disseram que as armas eram de baixa qualidade e apresentavam várias falhas e travamentos, além de um poder de fogo ineficaz.

Este foi o segundo ano consecutivo em que o Exército rejeita um armamento fabricado na Índia. Em 2016, as forças armadas recusaram o uso de armas Excalibur 5,56 mm fabricadas localmente - outra variedade de fuzis de assalto - depois de não cumprirem os padrões exigidos.
Fuzil de assalto Trichy 7,62x39mm.

As armas, construídas pela Fábrica de Fuzis de Ishapore foram rejeitadas pelo Exército depois que falharam miseravelmente nos testes de tiro em julho de 2017. Havia um “número excessivo de falhas” nas armas e foi necessário um “redesenho completo do carregador” para considerá-las seguras para uso pelo Exército, disseram as autoridades. O Exército também observou “flashes e assinatura sonora excessivos” nos fuzis durante os testes. As autoridades disseram que os fuzis apresentavam várias falhas e travamentos que chegaram a mais de 20 vezes o padrão máximo permitido.

O Conselho de Fábricas de Munição (Ordnance Factory Board, OFB), um monopólio da indústria indiana sob o DRDO (Defence Research and Development Organisation, Organização de Pesquisa e Desenvolvimento de Defesa),  vem produzindo armas leves de baixa qualidade há décadas; e mesmo se mostrando incapaz de suprir a demanda de munição. Isto forçou o ministério da defesa indiano a realizar compras de emergência de fuzis e munições de fabricante estrangeiros, onerando sobremaneira o orçamento da defesa.

A adoção do INSAS em 1990 foi uma decisão problemática e, longe de solucionar a padronização indiana, apenas aumentou a diversidade de material (aumentando a dor de cabeça dos intendentes). Ainda usando os obsoletos fuzis Lee-Enfield ferrolhados quase até o século XXI, a Índia teve que adquirir 100.000 fuzis AKM de 7,62x39 mm da Rússia, Hungria, Romênia e Israel de 1990 a 1992 como compras de emergência enquanto a produção local tropeçava, e as entregas dos novos fuzis INSAS apenas começaram em 1997.

INSAS.

O batismo de fogo do INSAS na Guerra de Kargil (1999) não apresentou bons resultados. Os fuzis foram usados nas altas elevações do Himalaia e houve reclamações de engripamento, carregadores rachando devido ao frio e o fuzil entrando no modo automático quando colocado no modo de rajadas de três tiros. Havia também um problema de óleo espirrando no olho do operador. Também foram relatados alguns feridos durante treinamentos de tiro. Uma nova versão foi adotada em 2001 mas pouca coisa mudou.

Segundo o livro Military Industry and Regional Defense Policy: India, Iraq and Israel, de Timothy D. Hoyt (2006):

"No início dos anos 80, o DRDO assumiu o compromisso de desenvolver uma nova série de armas portáteis de 5,56 mm para as forças armadas indianas chamada INSAS. Tanto a Heckler & Koch da Alemanha quanto a Steyr da Áustria se ofereceram para suprir as necessidades imediatas da Índia e transferir tecnologia no valor de US$ 4,5 milhões gratuitamente. Essas ofertas foram recusadas e o DRDO passou a década seguinte, e aproximadamente 2 bilhões (cerca de US$ 100 milhões em 1990), reinventando uma família de armas portáteis baseada fortemente nas tecnologias Steyr e H&K. Enquanto isso, a Índia importou fuzis AK-47 de antigos países do Pacto de Varsóvia para atender aos requisitos. O INSAS finalmente entrou em serviço no final dos anos 90."

No mesmo período, a polícia e demais forças paramilitares indianas compraram 100 mil fuzis AK búlgaros (vários modelos AR-M). Um AK-47 búlgaro com seu distinto acabamento de plástico preto custava apenas 22.000 rúpias indianas em 2011. Isto era significativamente mais barato do que o AK russo feito em Izhmash e 5.000 rúpias a menos do que o fuzil INSAS. O fabricante búlgaro Arsenal executava três turnos por dia para atender à encomenda de emergência indiana.

Em novembro de 2014, o CRPF solicitou a retirada do INSAS como seu fuzil padrão devido a problemas de confiabilidade. O diretor-geral da CRPF, Dilip Trivedi, disse que o INSAS emperrava com mais frequência em comparação ao AK-47 e o X-95; com a substituição ocorrendo em abril de 2015. No início de 2017, foi anunciado que os fuzis INSAS seriam retirados de serviço e substituídos por fuzis calibrados em 7,62x51 mm OTAN.

Comando policial Pradesh com um AK-47 búlgaro.

O Exército Indiano ainda conta com um estoque de 450 mil fuzis AK de várias procedências. Aquisições de modernos fuzis bullpup também foram feitas com modelos Steyr AUG, Tavor TAR-21 e FN F2000. Tentativas de produzir o TAR-21 localmente foram anunciadas em 2016, com a IMI declarando que estava estabelecendo uma joint venture 49:51 com o Punj Lloyd para fabricar componentes de fuzis na Índia.

O SIG 716 na Índia

Soldados indianos armados com os fuzis SIG 716 em exercício conjunto com os franceses.

O novo fuzil de projeto alemão e fabricação americana é conhecido por sua qualidade e uma boa aquisição apesar dos problemas de aquisições de emergência originadas pelo mau planejamento indiano. Devido à urgência a compra foi "da prateleira" e teve que abandonar a iniciativa "Make in India" de fabricação local, enquanto evita a maldição tradicional de compras gradativas e "tapa buraco" provisórias do passado.

Com o primeiro lote de 10.000 fuzis SIG 716 entregue ao Comando Norte do Exército Indiano dezembro de 2019, seguido pelo segundo lote encomendado em julho de 2020 mas acelerados em setembro devido às tensões com a China, o novo fuzil é um excelente substituto ao problemático INSAS.

“A importância global deste contrato para a SIG Sauer é de longo alcance com base no tamanho, localização e força econômica da Índia no mercado global”, disse Ron Cohen, presidente e CEO da SIG Sauer, Inc. “Estamos muito orgulhosos, e honrados que o SIG 716 foi escolhido para uso pelas forças de combate do Exército Indiano, e estamos ansiosos para desenvolver uma forte parceria com o Ministério da Defesa da Índia.”

“Esta foi a primeira grande aquisição de armas de fogo do governo indiano em décadas, e a missão explícita para esta licitação era modernizar os soldados de infantaria do Exército Indiano com o melhor fuzil disponível”, disse Cohen em fevereiro passado. “Concorremos em um concurso público com fabricantes de armas portáteis de todo o mundo. O fuzil SIG 716 passou por um processo abrangente e exaustivo de testes e avaliação, onde superou a concorrência e foi escolhido por atender a todos os critérios, como o melhor fuzil para modernizar o Exército Indiano.”

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FOTO: Gendarmaria na Costa do Marfim

Gendarmes franceses disparando o FAMAS em treinamento de tiro de resposta em Abidjan, na Costa do Marfim, em 25 de março de 2006.

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quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Ataque de Villejuif: Sid Ahmed Ghlam condenado à prisão perpétua

 

Sid Ahmed Ghlam em seu julgamento, 5 de outubro de 2020. (Benoit Peyrucq/ AFP)

Por Aude Bariéty, Le Figaro - Société, 5 de novembro de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 5 de novembro de 2020.

O jovem de 29 anos foi considerado culpado pelo assassinato de Aurélie Châtelain, 32, em 19 de abril de 2015.

Após um mês de audiência, aplauso do fim do julgamento de Sid Ahmed Ghlam. O argelino de 29 anos, que compareceu perante o tribunal especial de Paris por um ataque fracassado a uma igreja em Villejuif (Val-de-Marne) e pelo assassinato de Aurélie Châtelain, foi finalmente condenado na quinta-feira, 5 de novembro, à prisão perpétua, acompanhada de uma sentença de segurança de 22 anos e da proibição definitiva de permanência em território francês.

Em 2 de novembro, os advogados gerais haviam solicitado a prisão perpétua contra o jovem. O advogado deste último, Gilles-Jean Portejoie, pediu a absolvição dois dias depois.

“Esta condenação não é nem mesmo uma satisfação; é o mínimo”, reagiu pelo Figaro, Gérard Chemla, advogado da Federação Nacional das Vítimas de Ataques e Acidentes Coletivos (Fédération nationale des victimes d'attentats et d'accidents collectifs, Fenvac). "Estamos perante um terrorista determinado que matou uma jovem e que poderia ter causado uma carnificina, porque tinha um verdadeiro".

Sid Ahmed Ghlam durante a reconstrução dos fatos em 20 de março de 2016 em Villejuif. (Fred Dugit/ LP)

Arrependimentos

Na manhã de hoje, em suas últimas palavras, o acusado expressou pesar, sem tomar conhecimento dos fatos, segundo a AFP. “Lamento amargamente minha carreira. [...] vou me sentir culpado a vida toda”, declarou notavelmente.

Aurélie Châtelain, professora de fitness de 32 anos, foi morta a tiros em seu carro, em um estacionamento em Villejuif, no domingo, 19 de abril de 2015. O DNA de Sid Ahmed Ghlam foi encontrado no veículo e na arma do crime, descoberta em sua posse.

Nove outras pessoas - incluindo duas por omissão - estavam sendo julgadas ao lado do argelino. Nesta quinta-feira, eles receberam sentenças que variam de cinco anos de prisão, incluindo três anos de reclusão à prisão perpétua.


Post Script: Atentado à faca em Villejuif em 2020

Em 3 de janeiro de 2020, em Villejuif, Val-de-Marne, um homem matou uma pessoa e feriu outras duas com uma faca antes de ser morto a tiros pela polícia.

Às duas da tarde, um homem em um parque em Villejuif gritou "Allahu Akbar" e tentou esfaquear um homem, mas parou porque o homem disse que era muçulmano e fez uma oração. Em seguida, o agressor atacou três outras pessoas, matando um homem e ferindo gravemente sua esposa na garganta. Uma segunda mulher, que estava correndo na área, também recebeu várias facadas nas costas. O agressor então tentou esfaquear o zelador e um sem-teto, mas eles escaparam sem ferimentos.

O ataque ocorreu fora de um supermercado e os alvos foram escolhidos ao acaso. Foi relatado que o agressor usava uma djellaba (um roupão magrebino), e estava descalço. Ele gritou "Allahu akbar" quando da chegada da polícia da Brigada Anti-Criminalidade (Brigade Anticriminalité, BAC). Eles atiraram nele uma vez; ao se levantar, colocando a mão no bolso, foi novamente alvejado com um fuzil de assalto, pois suspeitou-se que estava usando um cinto de explosivos; isso acabou por não ser o caso.

Um polonês-francês de 56 anos foi morto enquanto defendia sua esposa, que ficou ferida durante o ataque junto com uma mulher de 30 anos que estava correndo no parque.

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