domingo, 10 de janeiro de 2021

Descrição da conversão alemã do canhão 75 francês em função anti-carro

Um Pak 97/38 sendo rebocado por um trator Vickers Utility B belga capturado.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 10 de janeiro de 2021.

O seguinte relatório militar americano sobre a conversão alemã foi publicado em Tactical and Technical Trends, Nº 34, 23 de setembro de 1943. O Tactical and Technical Trends (Tendências Táticas e Técnicas) era um periódico do serviço de inteligência americano (U.S. Military Intelligence Service), inicialmente bi-semanal e depois mensal, que foi publicado de junho de 1942 a junho de 1945.

Os canhões franceses de 75mm, os famosos "soixante-quinze" que lutaram das guerras coloniais da era "Beau Geste" às Guerras Mundiais e além, e que até mesmo foram o pivô do Caso Dreyfus. O 75 era uma arma de tiro tenso, ou seja, fogo direto. Após a Batalha do Marne (1914), as armas de tiro direto foram ultrapassadas pela artilharia de fogo indireto para a guerra de trincheiras, com o 75 sendo usado em funções secundárias (como tiro anti-aéreo) e na Segunda Guerra Mundial como arma anti-carro (Canon de 75 Mle 1897/33).

"Honra ao nosso glorioso 75", cartão postal francês do anos 1910.

Canhões 75 Mle 1897/33 capturados em 1940.

Apesar da obsolescência provocada por novos desenvolvimentos nos projetos da artilharia, um grande número de 75 ainda estava em uso em 1939 em vários países, com 4.500 canhões apenas no exército francês e com 1.374 canhões no exército polonês, tornando-se de longe a peça de artilharia mais numerosa em serviço polonês.

A conversão alemã para a função anti-carro recebeu a designação Pak 97/38 (7.5 cm Panzerabwehrkanone 97/38), combinando o 75 com o reparo e escudo do Pak 38 alemão. Ele pesava 1.190kg em ordem de tiro e 1.246kg em ordem de marcha. Em 1942, a Wehrmacht recebeu 2.854 dessas peças.

Um Pak 97/38 exposto no Museu de Artilharia de Hämeenlinna, na Finlândia.

Retaguarda do mesmo canhão, mostrando a culatra.

Segue abaixo o relatório.

sábado, 9 de janeiro de 2021

VÍDEO - CAPITÃ DA USAF PILOTA F-35B DO USMC


Por Carlos Junior
A Capitã Melanie Ziebart, da Força Aérea dos Estados Unidos, piloto de caça F-16C Fighting Falcon, passou a pilotar o caça F-35B dos fuzileiros navais dos Estados Unidos. O F-35B é a versão de decolagem curta e pouso vertical (VSTOL) da família F-35, fruto do programa Joint Strike Fighter (JSF).


segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

FOTO: Assalto em avião no KASOTC

Operadores especiais jordanianos demonstrando o assalto em avião no Centro de Treinamento de Operações Especiais Rei Abdullah II (King Abdullah II Special Operations Training Center, KASOTC), em Amã, 26 de abril de 2010.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 4 de janeiro de 2021.

O KASOTC é um centro de operações especiais localizado em Amã, capital da Jordânia, e tornado operacional em 19 de maio de 2009.

O KASOTC sedia uma competição internacional anual de forças especiais: a Competição Anual de Guerreiros (Annual Warrior Competition). A Warrior é uma competição anual orientada para o combate, baseada na capacidade física, trabalho em equipe, comunicação e precisão individual. Na sua última edição, em 2019, a Warrior contou com 46 equipes de 26 países, com a vitória da equipe 1 de Brunei, seguida pelos jordanianos, e a equipe 2 de Brunei em terceiro lugar.

O 12º Concurso Anual de Guerreiros, agendado entre 29 de março de 2020 e 2 de abril de 2020, foi adiado como medida de precaução para minimizar a propagação do coronavírus e por fim cancelado. A previsão era de 25 equipes estrangeiras, além de três da nação anfitriã, se comprometeriam com o evento deste ano. As nações cujas seleções eram esperadas incluíam: Bahrein, Brunei, Bulgária, Geórgia, Alemanha, Hungria, Iraque, Itália, Cazaquistão, Kuwait, Jordânia, Kosovo, Letônia, Líbano, Omã, Portugal, Catar, Romênia, Arábia Saudita, Eslováquia e Ucrânia.

Forças especiais jordanianas, "boinas vermelhas".

As forças especiais jordanianas, consideradas as melhores no mundo árabe, são agrupadas no Grupo de Operações Especiais Rei Abdullah II.

Em 2018, as forças especiais jordanianas foram reorganizadas pela terceira vez (eram o Grupo de Forças Especiais em 2017-2018).
  • Diretório de Forças Especiais e Intervenção Rápida, comando e controle.
  • Grupo de Operações Especiais Rei Abdullah II, unidades especiais e contra-terrorismo.
  • Brigada de Intervenção Rápida e Alta Prontidão*, unidades de intervenção e aviação.
  • Escola de Operações Especiais Príncipe Hashim, coordena o treinamento da força.
* Seu nome completo é Brigada de Intervenção Rápida e Alta Prontidão Mohammed Bin Zayed Al Nahyan.

Bibliografia recomendada:



Leitura recomendada:



sábado, 2 de janeiro de 2021

FOTO: O fuzil sniper PSL na Nicarágua

Sniper nicaraguense de operações especiais da polícia armado com o PSL (Puşcă Semiautomată cu Lunetă) em patrulha em Monimbo, bairro da cidade de Masaya, durante manifestações anti-Ortega em 18 de julho de 2018.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 2 de janeiro de 2021.

O fuzil de precisão Puşcă Semiautomată cu Lunetă (P.SA.L./PSL, literalmente "fuzil semi-automático com luneta") é uma arma romena inspirada no SVD Dragunov russo, mas com o mecanismo do fuzil-metralhador RPK (PM md. 1964, versão romena idêntica). Esse fuzil foi visto na Nicarágua durante os protestos contra o ditador-presidente José Daniel Ortega Saavedra. 

Daniel Ortega governa o país direta ou indiretamente por 42 anos, desde a vitória sandinista sobre Somoza em julho de 1979, e as manifestações populares de 2018 foram reprimidas com violência. Em maio de 2018, as estimativas do número de mortos chegavam a 63, muitos deles estudantes manifestantes, e os feridos totalizavam mais de 400. Após uma visita de trabalho de 17 a 21 de maio, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos adotou medidas cautelares destinadas a proteger os integrantes do movimento estudantil e suas famílias, após testemunhos indicarem que a maioria deles havia sofrido atos de violência e ameaças de morte por sua participação. Em 18 de julho de 2018 iniciaram-se manifestações em massa em mais de 2 mil cidades nicaraguenses, sendo reprimidas violentamente. Em 2019, os mortos já se elevavam a 325, a maioria por armas de fogo das forças policiais, mais de 1.400 feridos e mais de 690 detidos.

Ortega expulsou do país o escritório do alto comissário de direitos humanos das Nações Unidas (United Nations High Commissioner for Human Rights, OHCHR) e a comissão interamericana de direitos humanos (Inter-American Commission on Human Rights, IACHR) por denunciarem a mão pesada do governo sandinista.

Operadores especiais da polícia nicaraguense durante as manifestações de 18 de julho de 2018. O operador à esquerda tem um PSL.

Desde a madrugada de 25 de fevereiro de 2020, a Polícia da Nicarágua manteve todas as entradas de Manágua tomadas no mesmo dia em que a oposição ao regime de Daniel Ortega pretendia se manifestar para exigir a libertação de presos políticos. Nos postos de controle, os policiais requisitam veículos particulares, ônibus e detinham pessoas para questioná-las sobre os motivos de sua visita à capital. Em vários lugares, a polícia agrediu cidadãos que protestavam e manifestavam seu desacordo com o governo autoritário de Ortega e nessas ações policiais e grupos civis ou paramilitares vinculados ao sandinismo agrediram e ameaçaram jornalistas. A violência contra jornalistas e membros eclesiásticos continuou em julho de 2020.

O impasse dos protestos ainda continua em 2021.

Bibliografia recomendada:

Out of Nowhere:
A history of the Military Sniper,
Martin Pegler.

Leitura recomendada:

FOTO: Soldado tcheco invencível

Soldados da República Tcheca durante um exercício, armados com o novo fuzil padrão CZ Bren 2 com miras ópticas.

Os soldados tchecos portam o fuzil vz. 58 (Samopal vzor 58, fuzil modelo 58), calibre 7,62x39mm. Este fuzil foi projetado na Tchecoslováquia na década de 1950 e, embora externamente o vz. 58 se assemelhe ao AK-47 soviético, é um projeto diferente baseado em um pistão a gás de recuo curto, e não compartilha peças com os fuzis Kalashnikov; nem mesmo o carregador.

O soldado no centro tem na banda do capacete as letras IDDQD, em alusão ao código de invencibilidade no jogo Doom.

Bibliografia recomendada:

Doom:
Knee-deep in the dead.

Leitura recomendada:

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

FOTO: Fuzis SKS capturados

Foyer (cantina) da 1ª companhia do 2e RPC na Argélia, adornado com dois fuzis SKS capturados dos egípcios na crise de Suez de 1956.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 1º de janeiro de 2020.

Os fuzis SKS egípcios capturados na operação de 1956 (Operação Mousquetaire) foram os primeiros exemplares do SKS capturados por forças ocidentais, e fotos mostram os paraquedistas franceses usando esses SKS com as baionetas caladas para controlar prisioneiros egípcios.

A placa tem os dizeres "Souviens toi.." (lembrem-se) com os nomes dos mortos da companhia na Guerra da Argélia. O Sargento Victor Bellon está marcado como morto no Porto Said, no Egito. O Sgt. Bellon saltou na Normandia em 1944 como parte do SAS francês.

Sargento Victor Bellon, morto ao chegar ao solo no salto de 5 de novembro de 1956.
Ele usa as asas francesas livres da época do exílio.

Paras franceses do 2e RPC (Régiment de Parachutistes Coloniaux), que saltaram no Porto Fouad, na região do Porto Said, inspecionam um fuzil SKS capturado dos egípcios, 1956.

Prisioneiros egípcios capturados pelo 2e RPC no Porto Fouad, novembro de 1956.

Noticiário inglês sobre a invasão do Porto Said em 1956


Bibliografia recomendada:

Histoire des Parachutistes Français:
La guerre para de 1939 à 1979.
Henri Le Mire.

Leitura recomendada:


FOTO: IS-3 no Egito de Nasser8 de novembro de 2020.

FOTO: Tiro com MP5

 

Um Guarda de Defesa de Aeródromo da RAAF observa atentamente uma militar de Segurança da USAF disparar uma submetralhadora MP5 como parte do Exercício Cope North, Base da Força Aérea de Andersen, Guam, 2019.

Bibliografia recomendada:


Leitura recomendada:

HUMOR: As 4 Fases da Mulher Policial, 21 de janeiro de 2020.

HUMOR: Higiene em banheiros públicos japoneses

Foto de um banheiro público japonês. Tradução: Muito obrigado por manter o banheiro limpo. Caso veja alguém bagunçando, me avise. Eu vou limpá-lo."

Bibliografia recomendada:


Leitura recomendada:

FOTO: Fuzil Lebel capturado no Afeganistão

Um policial de fronteira afegão segura um fuzil francês Lebel Modelo 1886 encontrado em uma gruta durante a Operação Southern Strike II, ocorrida no sul do Afeganistão em 13 de junho de 2012.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 1º de janeiro de 2021.

O Lebel Modèle 1886 é o primeiro fuzil moderno com pólvora sem fumaça (Poudre B), e foi usado extensivamente em guerras coloniais e foi o fuzil padrão do Exército francês na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), sendo utilizado por outros atores até mesmo durante a corrente insurgência no Iraque.

O Afeganistão é conhecido por apresentar uma coleção fascinante de armamentos antigos, legados de compras oficiais ou de posse privada. A região também é famosa pelas criações extravagantes em oficinas locais, especialmente na região do Passo de Khyber/Khaibar na fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão.


Bibliografia recomendada:


Leitura recomendada:

VÍDEO: O primeiro fuzil militar moderno, o Lebel Modèle 18866 de outubro de 2020.

FOTO: Comando francês com uma MG34 capturada, 22 de dezembro de 2020.

Como vídeos sobre armas de fogo antigas se tornaram um canal de sucesso no YouTube, 10 de março de 2020.

Armas vietnamitas para a Argélia14 de dezembro de 2020.

Garands a Serviço do Rei18 de abril de 2020.

Mausers FN e a luta por Israel23 de abril de 2020.

A submetralhadora MAS-385 de julho de 2020.


FOTO: Soldado francês em Scapoli

Em vila na linha de frente, um soldado francês guarda uma via de transporte em Scapoli, na Itália, em 14 de dezembro de 1943.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 1º de janeiro de 2021.

Ao lado do soldado há uma placa com a inscrição "Attention - Observatoires Boches" (Atenção - Observatórios Chucrutes) com uma caveira com ossos cruzados. Boche era o apelido pejorativo francês para os alemães, de alboche, uma contração de allemand (alemão) e caboche (cabeça de repolho), em alusão à comida chucrute e para "cabeça dura", teimoso como um alemão. Popularizou-se na Primeira Guerra Mundial e continuou na Segunda.

O soldado tem um misto de equipamentos franceses e americanos. O capacete M26 Adrian francês foi camuflado com tinta, e ele porta o fuzil Springfield M1903, o mesmo usado pela Força Expedicionária Brasileira. O outro fuzil comumente usado pelos franceses nessa época era o Enfield M1917, uma versão americana do fuzil britânico P14 (Pattern 1914 Enfield). Esse fuzil era designado no serviço francês como "Fusil à répétition 7 mm 62 (C. 30) M. 17".

Bibliografia recomendada:

The French Army 1939-45 (1).
Ian Sumner e François Vauvillier.

The French Army 1939-45 (2).
Ian Sumner e François Vauvillier.

Leitura recomendada:

FOTO: Prisioneiros alemães na Itália26 de março de 2020.

FOTO: Partisans italianas em Castelluccio31 de março de 2020.

FOTO: Partisans italianos na Emilia-Romanha16 de dezembro de 2020.

FOTO: Cemitério alemão na Itália8 de abril de 2020.

quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

LIVRO: Como a Arábia Saudita destruiu sua rica história cultural

Uma vista aérea mostra a Grande Mesquita e a Torre de Meca em 24 de abril de 2020. (AFP)

Por Rosie Bsheer, Middle East Eye, 20 de outubro de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 31 de dezembro de 2020.

Novo livro, Archive Wars: The Politics of History in Saudi Arabia (Guerras de Arquivos: a política da história na Arábia Saudita), lança luz sobre como o Estado tem trabalhado para lançar as múltiplas histórias que não se conformam com sua auto-representação nacional.

No final de 2009, comecei a viajar regularmente de Riad para Meca. Eu estava na Arábia Saudita para conduzir pesquisas de arquivo, etnografia e história oral sobre a produção da história da Arábia Saudita e espaços memoriais no século XX.

Paralelamente à minha pesquisa, eu estava documentando visualmente as transformações espaciais que o distrito central de Meca estava experimentando na época. Com a câmera na mão, mudei-me de um bairro para o outro, começando com as áreas imediatamente circundando a Grande Mesquita de Meca (Masjid al-Haram) e, finalmente, alcançando vários quilômetros de lá. Nos três anos seguintes, à medida que eu conhecia melhor a agitada cidade, fiquei encantada com a história de seus diversos bairros, residentes multilíngues e arquitetura distinta.

Soldados do Exército Xarifiano (Exército Árabe) durante a Revolta Árabe de 1916-1918, carregando a bandeira da revolta, ao norte de Yanbu, Reino de Hejaz (atual reino da Arábia Saudita).

Durante uma de minhas primeiras viagens de filmagem, encontrei uma placa de uma escola que havia encontrado anos antes, e apenas de passagem: al-Sawlatiyya. Na época, pouco se escreveu sobre a escola, principalmente na imprensa árabe. Logo descobri que foi fundado pelo proeminente religioso indiano e estudioso anticolonial Rahmatullah Kairanawi. Depois de convocar a luta armada contra o domínio britânico na Índia em 1857, Kairanawi posteriormente buscou refúgio em Meca, onde socializou e politizou uma geração de residentes e transeuntes.

Pesquisas posteriores indexaram histórias esquecidas - ou melhor, silenciadas - que centraram o sul da Ásia, a Indonésia e outros ativistas e intelectuais não árabes no cerne da vida social, cultural, intelectual e urbana no final da era otomana e da era saudita. Os graduados de Sawlatiyya e outras escolas fundadas por intelectuais asiáticos e africanos na cidade contribuíram para a vida intelectual, cultural, social e política na Península Arábica e em outras partes do mundo. Como economistas e críticos literários, alguns graduados se envolveram e debateram estudiosos da Renascença Árabe, ou Nahda, e mais tarde se envolveram no negócio de construção do Estado após a Primeira Guerra Mundial. Vindos de diferentes partes do mundo, eles até moldaram o próprio wahabismo com o qual estamos familiarizados hoje.

Xarife Hussein bin Ali.

Outros fundaram algumas das escolas, jornais e partidos políticos mais renomados da península no início do século XX e participaram da vida sociopolítica nas décadas seguintes. Kairanawi até contou entre seus discípulos Xarife Hussein bin Ali e o mufti Hanafi de Meca, Sheikh Abdullah Siraj, os principais orquestradores da Revolta Árabe de 1916 contra os Otomanos. Embora essas histórias variadas tenham surgido ultimamente, elas estão longe de causar impacto nas narrativas históricas convencionais (nação-cêntricas) da península, muito menos no Oriente Médio moderno.

Futuros possíveis


Meu livro Archive Wars: The Politics of History in Saudi Arabia (Guerras de Arquivos: a política da história na Arábia Saudita) Guerras começa por historicizar um fragmento dessa vida sociopolítica e cultural na Meca otomana tardia, a fim de recontar um dos muitos futuros possíveis que poderiam ter sido, mas nunca foram. Essa história, no entanto, informou muitos aspectos da nossa vida moderna.

Caminhando em Meca no final dos anos 2000, ainda se viam tênues traços desse “passado futuro”. Hoje, eles foram praticamente destruídos. Archive Wars mostra as maneiras sistemáticas em que o estado da Arábia Saudita, formado em 1932, bloqueou histórias não-sancionadas pelo estado em currículos escolares, museus e arquivos.

Em seguida, mostra como, na década de 1990, essa oclusão adquiriu um novo significado político e material. Após a Guerra do Golfo de 1990-91, a história se tornou um campo de batalha para reivindicações culturais, políticas e econômicas, tanto entre as elites governantes quanto entre elas e outros sauditas. Depois da guerra, aqueles nos escalões mais altos do poder, apesar de suas diferenças, fizeram um grande esforço para produzir, arquivar, comemorar e comercializar uma narrativa revisada e mais secular da história dos Al Saud.

Tenente-General Khalid Bin Sultan Bin Abdulaziz Al Saud, comandante das Forças Conjuntas na Arábia Saudita, discute as condições para um cessar-fogo com os generais iraquianos durante a Operação Tempestade do Deserto, em 1991. Atrás do General Khaled está o General H. Norman Schwarzkopf, comandante-em-chefe do Comando Central dos Estados Unidos.

Isso foi mais visível em Riad, onde uma indústria de patrimônio multibilionário que incluía museus, arquivos e locais históricos estava em pleno andamento na primeira década do século XXI.

O plano do pós-guerra também se centrava na destruição ativa, bem como na negligência, de locais e espaços históricos específicos que se opunham à história oficial da Arábia Saudita. A maior parte deles ocorria fora da capital - principalmente, mas não exclusivamente, em Meca. O apagamento de realidades históricas diversas e conectadas na Península Arábica estava intimamente ligada à gestão cultural do espaço urbano; durante minhas visitas, documentei visualmente parte da destruição em massa do distrito central de Meca.

Demolição acelerada

Uma rua que leva à Grande Mesquita é vista na cidade sagrada de Meca durante a peregrinação anual Hajj muçulmana em meio à pandemia de Covid-19, em 30 de julho. (AFP)

O início dos anos 2000 apresentou a demolição acelerada de locais sagrados e históricos no centro de Meca e a substituição de sua topografia milenar por imponentes arranha-céus de aço e vidro. No final da década, o distrito central parecia um canteiro de obras contíguo. Dezenas de empreendimentos de uso misto estavam em construção ao redor da mesquita. O caos urbano e ambiental prevaleceu. Guindastes pontilhavam os céus do local de nascimento do Islã, enquanto a poluição sufocava sua Grande Mesquita e os milhões de peregrinos que visitavam a cada ano.

Canteiros de obras e equipamentos pesados de terraplenagem tornaram-se parte da paisagem da cidade. Eles marcavam o movimento dos peregrinos por estradas densas que mais pareciam quebra-cabeças, apinhadas de pedestres, automóveis e ônibus. O tráfego era uma prova de nervosismo (e boas maneiras), era quase impossível encontrar vagas para estacionar e a poluição do ar e do barulho era insuportável.

Renovação ocorrendo em 2010 em parte de uma estrutura pensada para ser o Palácio de Salwa, adjacente ao distrito de al-Bujairi. (Rosie Bsheer/ MEE)

O projeto multibilionário de Desenvolvimento do Projeto de Dotação do Rei Abdulaziz, ainda em construção na época, dava para a Grande Mesquita. Abrigando uma torre do relógio, o projeto bloqueou o acesso ao sol ao sudoeste da mesquita. No lado norte ficava uma magnífica cratera com quilômetros de profundidade, estendendo-se por três quilômetros quadrados, que se tornaria o projeto de desenvolvimento Al-Shamiyya. É aqui que a escola original de Sawlatiyya foi construída pela primeira vez.

Junto com o projeto de desenvolvimento Jabal Omar, que estava bem encaminhado a oeste da mesquita, os megaprojetos foram nomeados em homenagem aos bairros históricos que substituíram - os quais, desde os tempos otomanos, abrigavam algumas das escolas proeminentes da região e marcos culturais e políticos.

O Desenvolvimento do Projeto de Dotação do Rei Abdul Aziz fotografado em Meca em 2010. (Rosie Bsheer/ MEE)

Deslocamento forçado

Esses bairros com mega-desenvolvimentos também incluíam casas e empresas de pessoas. O desenvolvimento de Meca no pós-guerra forçou dezenas de milhares de residentes de diferentes classes sócio-econômicas a deixarem suas casas. Os ex-residentes receberam uma indenização insuficiente em troca e ficaram sem recursos legais.

Alguns foram realocados para novos assentamentos mais distantes nos limites da cidade, de onde era difícil visitar regularmente o centro de Meca. Muitos acabaram em favelas a pouco mais de um quilômetro da Grande Mesquita, escondidas pelos arranha-céus ao redor. Por trás da fachada e da promessa de brilho estava uma cidade movimentada e diversificada, cujo tecido social e urbano estava sendo desarraigado e desmontado.

Não foi à toa que em 2010 - depois que grande parte dos bairros do distrito central já haviam sido arrasados - o governador de Meca, Príncipe Khalid bin Faisal, submeteu a cidade a um processo de arabização, pelo qual todas as ruas e edifícios perderiam seus nomes não-árabes.

A não-arabidade de Meca (junto com sua não-sauditude) ameaçava seus governantes sauditas. Isso funcionou em conjunto com a destruição da vida material da cidade e a evidência de sua diversidade passada e história cosmopolita, tanto religiosa quanto secular. Juntos, eles se opuseram às reivindicações históricas dos Al Saud, as quais pressupunham a conquista de grandes partes da Arábia pela família governante após o fracasso dos otomanos e das forças locais em modernizarem a península e resgatá-la da "era da ignorância" (jahiliyyah) na qual ela supostamente estava.

Pilares da política moderna

Esses esforços para demolir as múltiplas histórias da Arábia contrastam fortemente com a produção e preservação meticulosa da história e herança dos Al Saud em Riad. No entanto, essas formas burocratizadas e cotidianas de violência são os pilares da política moderna e da soberania, como argumento em meu livro.

Isso nos permite colher as alianças inconstantes e o antagonismo entre os principais membros da elite governante, as inúmeras batalhas que travaram e as maneiras pelas quais os sauditas comuns resistiram ou foram apanhados nessas lutas, com grande custo.

Soldados sauditas lutando para entrar no subterrâneo de Qaboo sob a Grande Mesquita de Meca, durante a crise de 1979.

Como todos os estados modernos, a Arábia Saudita trabalhou para se livrar das múltiplas histórias que não se conformavam com sua auto-representação nacional e para colocar em primeiro plano aquelas que o faziam. Contextualizar essas práticas lança luz sobre a formação do Estado e as múltiplas rivalidades embutidas.

Não podemos compreender totalmente a formação da história e do estado na Arábia Saudita - muito menos a vida social, cultural e política na península - sem atentar para as muitas maneiras pelas quais essas histórias foram apagadas, materializadas e re-embaladas a serviço do estado moderno.

Rosie Bsheer é uma historiadora do Oriente Médio moderno. Os seus interesses de ensino e investigação centram-se nos movimentos intelectuais e sociais árabes, no petro-capitalismo e na formação do Estado, e na produção de conhecimento histórico e espaços comemorativos. Ela é autora do livro Archive Wars: The Politics of History in Saudi Arabia (Stanford University Press, agosto de 2020).

Bibliografia recomendada:



Leitura recomendada: