domingo, 12 de setembro de 2021

COMENTÁRIO: O Exército de Madeira Compensada

Por Elliot Ackerman, The Atlantic, 17 de agosto de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 12 de setembro de 2021.

Uma década depois que as forças americanas chegaram ao Afeganistão, o quartel-general da Força-Tarefa de Operações Especiais Combinadas ainda era feito de madeira compensada, assim como a maioria dos outros edifícios que abrigavam as tropas americanas. Os recursos existiam para construir de concreto, mas por que faríamos isso? Em qualquer ponto da nossa odisséia de 20 anos no Afeganistão, estávamos sempre - em nossas mentes, pelo menos - apenas um ou dois anos fora de uma diminuição de tropas seguida por uma eventual retirada total. Claro, os afegãos perceberam isso. Em um posto avançado remoto perto da fronteira iraniana onde servi, o contratado afegão que trabalhava ao lado da minha equipe de operações especiais sempre zombava toda vez que uma aeronave trazia paletes de madeira compensada para nossos projetos de construção. “Guerras”, dizia ele, “não se ganham com madeira compensada”.

Muitos alegaram que a desintegração das forças de segurança afegãs prova que eram um exército de papel. Isso não é muito preciso. Eles provaram ser um exército de madeira compensada. A diferença entre os dois explica como um exército que antes era capaz de lutar contra o Talibã se dissolveu em questão de dias.

Em 8 de julho, em uma coletiva de imprensa na Casa Branca, quando Joe Biden foi questionado se uma tomada pelo Talibã no Afeganistão era inevitável, ele respondeu: “Não, não é. Porque as tropas afegãs têm 300.000 soldados bem equipados - tão bem equipados quanto qualquer exército do mundo - e uma força aérea contra algo em torno de 75.000 talibãs. Não é inevitável.” Durante anos, as forças de segurança afegãs travaram sua própria guerra civil contra o Talibã, sofrendo baixas e mantendo-se firme. Um exército de papel, que possui pouca ou nenhuma capacidade de luta, nunca poderia ter feito tanto. Seu desempenho permitiu que o número de tropas americanas e internacionais diminuísse de quase 150.000 há uma década para 2.500 este ano, sem a implosão total do país.

E ainda assim as forças foram e sempre foram um exército de madeira compensada, com a capacidade de cumprir a missão, mas com problemas fundamentais de recrutamento, administração e liderança. Os militares afegãos eram, por definição, uma força recrutada nacionalmente, o que significa que, normalmente, os soldados afegãos não lutavam em suas províncias nativas. Por causa da história de senhoria da guerra do Afeganistão, a decisão de criar um exército recrutado nacionalmente (em oposição a um recrutado regionalmente) foi tomada no início, com a ideia de que um exército afegão com fortes afiliações regionais e tribais ameaçaria sua própria existência.

Essa decisão também teve suas desvantagens. As estruturas tribais e familiares que formam a espinha dorsal da responsabilidade na sociedade afegã não foram transferidas para os militares. Isso criou desafios disciplinares consistentes dentro das fileiras. Também provou ser um problema ao travar uma contra-insurgência. Um soldado afegão etnicamente tadjique de Mazar-i-Sharif com a missão de lutar na província fortemente pashtun de Helmand se veria ali tão estrangeiro quanto qualquer americano. Nunca conseguimos integrar lealdades tribais e regionais em um exército nacional. Se tivéssemos feito isso, as forças de segurança afegãs teriam sido construídas sobre uma base muito mais sólida.

As duas outras áreas onde as forças de segurança afegãs se mostraram endemicamente fracas - administração e liderança - estão intimamente ligadas. Servi como conselheiro de várias unidades afegãs e vi como a negligência em sua administração - listas de tropas imprecisas e estoques de equipamentos incompletos, por exemplo - alimentou a corrupção endêmica. Com muita frequência, como americanos, comparamos a corrupção no Afeganistão com o fracasso moral da parte dos afegãos, embora raramente questionemos nossa própria cumplicidade na criação de condições que fomentassem a corrupção. Mais tragicamente, nossa mensagem consistente de que estávamos saindo do Afeganistão encorajou os afegãos em posições de poder a abraçarem a corrupção - especificamente, o desvio de recursos para ganho pessoal - como o único meio claro e seguro de sobrevivência. A corrupção tornou-se um plano de contingência financeira, a escolha que qualquer afegão razoável faria para garantir um futuro seguro para seus filhos. Quando, a cada ano, os americanos prometiam que o ano seguinte traria uma retirada americana e eventual abandono ao Talibã, que escolha você faria?

A deterioração das forças de segurança afegãs não ocorreu no campo de batalha tanto quanto ocorreu nas salas de negociação, nas quais os principais líderes tribais - como Ismail Khan em Herat - ou se renderam sem lutar ou fizeram acordos com o Talibã enquanto eles avançavam antes que qualquer batalha substancial por essas cidades pudesse ocorrer. O exército afegão estava lá - bem treinado, bem equipado - mas sem liderança política, pelo menos não mais.

No Afeganistão, existe um ditado: “Os americanos têm os relógios, mas o Talibã tem o tempo”. Desde a decisão do presidente George W. Bush de desviar as tropas do Afeganistão para o Iraque como parte da invasão de 2003, os Estados Unidos sempre tiveram um pé fora da porta. Nunca convencemos nossos aliados - ou adversários - de que possuíamos os relógios e o tempo. Ironicamente, isso nos levou a passar mais tempo no Afeganistão do que passaríamos se tivéssemos uma postura diferente. Se não tivéssemos insistido em construir em madeira compensada.

O anúncio do presidente Biden de uma retirada americana completa do Afeganistão no início deste ano desencadeou uma crise de moral entre os afegãos que resultou em suas forças de segurança desistirem sem lutar. Eles podem ter possuído superioridade numérica e material, mas sua crença em si mesmos desapareceu quando partimos.

O que estamos vendo agora no Afeganistão é o acúmulo de centenas de decisões erradas ao longo de duas décadas. No entanto, o que não consigo tirar da minha cabeça hoje é que escolhemos madeira compensada.

Bibliografia recomendada:

Guerra Irregular:
Terrorismo, guerrilha e movimentos de resistência ao longo da história.
Alessandro Visacro.

Leitura recomendada:




As submetralhadoras Hotchkiss

Soldado vietnamita com uma submetralhadora Hotchkiss Universal (Modelo 010) na Indochina.

Por Jean HuonSmall Arms Review, junho de 2009.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 10 de setembro de 2021.

Após a Segunda Guerra Mundial, o Exército Francês queria adotar uma nova submetralhadora para substituir as várias armas britânicas, alemãs e americanas com as quais suas tropas estavam equipadas. O pedido tinha uma sensação de emergência, pois uma nova guerra estava se formando na Indochina. Tanto as fábricas estatais em Châtellerault, Saint-Étienne, Tulle e o fabricante de armas privado Hotchkiss começaram a trabalhar neste projeto.

A Companhia Hotchkiss, fundada por Benjamin B. Hotchkiss em 1867, foi inicialmente dedicada à produção de munições de invólucro sólido durante a guerra de 1870-71. Mais tarde, ele desenvolveu o Canhão Rotativo Hotchkiss que foi usado por muitos países no final do século XIX. A arma de maior sucesso que a empresa já produziu foi a metralhadora Hotchkiss desenvolvida por Laurence Benét e Henri Mercié na virada do século XX e usada com grande efeito durante a Primeira Guerra Mundial.

Durante a década de 1920-30, a Hotchkiss desenvolveu metralhadoras leves, metralhadoras de infantaria, metralhadoras para aeronaves, armas de grande calibre e armas anti-carro para exércitos em todo o mundo. Depois de 1945, a empresa Hotchkiss produziu submetralhadoras para o Exército Francês e outros.

Informações gerais sobre as submetralhadoras Hotchkiss

A aparência geral e a operação das submetralhadoras Hotchkiss são as mesmas para todos os seus modelos. Elas têm uma estrutura cilíndrica com a alavanca de manejo e a janela de ejeção ambas localizadas no lado direito. Dependendo do modelo, podem ter coronha fixa ou dobrável, em madeira ou metal. Alguns modelos possuem um cano curto telescópico que pode ser empurrado para trás dentro da armação, enquanto outros possuem um cano fixo com uma camisa de resfriamento cilíndrica. O carregador é derivado daquele da MP 40 e está localizado em um porta-carregador dobrável. As armas funcionam com um ferrolho de recuo por gases com um percussor retardado. As armas são relativamente complicadas, por serem feitas com muitas peças. Os dispositivos de disparo são complicados e são feitos de muitas peças, com várias peças sendo feitas de chapa de metal estampada.

Modelo 011

Submetralhadora Hotchkiss Modelo 011.

O Modelo 011 tem uma coronha de madeira rígida, é muito simples na sua fabricação e é tão rudimentar quanto a submetralhadora Sten. A coronha triangular tem uma barra vertical no lado esquerdo para prender uma bandoleira. A coronha é montada com uma tampa que fecha a armação na parte traseira. O mecanismo de trancamento está localizado em uma caixa de formato triangular sob a estrutura do receptor. O compartimento do carregador também é um punho frontal que pode ser dobrado, permitindo que a arma seja carregada com um carregador carregado sob o cano. A janela de ejeção tem uma tampa que pode travar o ferrolho na posição aberta ou fechada e é usada como uma segurança secundária. O cano está localizado em um soquete que pode se mover para trás para o transporte, reduzindo assim o comprimento da arma. A alça de mira está localizada no topo da tampa da coronha e a massa de mira pode ser dobrada.

Este modelo foi desenvolvido em 1948 e foi usado por unidades locais na Indochina, como a Guarda de Supletivos do Bispo Phat-Diem.

Modelo 010 ou “Tipo Universal”

Submetralhadora Hotchkiss Modelo 010.

O Modelo 010 é provavelmente uma das submetralhadoras mais curiosas já feitas. A maioria dos componentes pode ser movida para reduzir o volume da arma para transportar:
  • A coronha tubular metálica pode ser dobrada sob a estrutura,
  • O punho da pistola pode ser dobrado para a frente, envolvendo o guarda-mato,
  • O compartimento do carregador pode ser dobrado para a frente sob o cano,
  • O cano também pode ser movido para trás.
A estrutura do receptor é tubular com uma aba para cobrir a janela de ejeção que está localizada no lado direito. A alavanca de manejo é esférica e também está localizada no lado direito. Ele segura uma tira de chapa para cobrir a ranhura sobre a qual se move. O ferrolho tem um percussor separado e a mola de recuo é helicoidal. A ignição da espoleta é retardada até o momento imediato após o ferrolho ser fechado e é acionada por uma alavanca. O alojamento do gatilho é uma caixa triangular localizada sob o receptor e contém um seletor de botão de pressão. O carregador está localizado em um alojamento dobrável para a frente. A coronha é feita de um conjunto de tubos com descanso de ombro em madeira. O punho da pistola é equipado com cabos de plástico marrom. A alça de mira dobrável tem duas aberturas e a massa de mira é protegida por um toldo.

A submetralhadora Hotchkiss Modelo 010 dobrada (acima) e desmontada.

A desmontagem da Hotchkiss Modelo 010 é simples:
  • Remova o carregador e limpe a arma,
  • dobre a coronha,
  • remova o plugue traseiro,
  • extraia a mola de recuo e o ferrolho.
  • Remonte na ordem inversa.
O Modelo 010 é uma arma muito complicada e não é fácil de usar; particularmente durante o manuseio, pois é fácil para os dedos ficarem presos e / ou prensados em qualquer uma das muitas partes dobráveis.

A arma foi fabricada entre 1949 e 1952. Foi testada pelo Exército Francês na Indochina por paraquedistas e pela Legião Estrangeira. Alguns países compraram algumas dessas armas, como Venezuela e Marrocos. O último Hotchkiss Modelo 010 em guerra foi encontrado no Afeganistão na década de 1980.

Paraquedistas venezuelanos marchando no desfile do Dia da Independência em Caracas, capital da Venezuela, em 5 de julho de 1955. (FAV-Club)

Modelo 017

Submetralhadora Modelo 017, provavelmente feita para a polícia.
Abaixo, com o carregador dobrado e com o número de série 401.

O Modelo 017 foi projetado como o Modelo 010, exceto por ter uma coronha fixa de madeira, um cano mais longo, uma camisa de resfriamento perfurada e o cabo da pistola não pode ser dobrado. Um dispositivo de segurança adicional é instalado próximo ao gatilho e quando ele está no lugar, o uso do gatilho não é possível. O Modelo 017 foi projetado para uso policial e foi testado pela polícia francesa; mas o MAT 49-54 foi escolhido em seu lugar. O modelo Hotchkiss 017 também foi testado pelo Marrocos.

Modelo 304

Submetralhadora Modelo 304 cano curto
Abaixo, cano curto e baioneta.

O Modelo 304 é uma evolução dos modelos anteriores. Possui coronha fixa de madeira e existem diversas variações:
  • Armação tubular do receptor, cano curto que pode ser retraído na armação e um mecanismo de caixa de gatilho retangular;
  • armação tubular do receptor, cano longo com uma camisa de resfriamento perfurada, mecanismo de gatilho de caixa retangular e uma baioneta pontiaguda reversível como no fuzil MAS 36;
  • armação em chapa de metal com tampa protetora contra poeira na janela de ejeção, cano longo com camisa de resfriamento perfurada, mecanismo de caixa de gatilho triangular e baioneta pontiaguda reversível como no fuzil MAS 36.

Submetralhadora Modelo 304 cano longo e baioneta.
Abaixo, com a baioneta e o carregador dobrados.

Características

Modelo 011
Munição: 9mm Luger
Comprimento total: 76cm
Comprimento do cano: 21cm
Comprimento: 67cm com o cano retraído
Peso: 3,3kg
Capacidade do carregador: 32 tiros

Modelo 010
Munição: 9mm Luger
Comprimento total: 780mm
Comprimento total: 53,8cm com a coronha dobrada
Comprimento do cano: 27cm
Comprimento: 67cm com o cano retraído
Peso: 3,43kg
Capacidade do carregador: 32 tiros

Modelo 017
Munição: 9mm Luger
Comprimento total: 94,5cm
Comprimento do cano: 40,5cm
Peso: 3,8kg
Capacidade do carregador: 32 tiros

Modelo 304 cano curto
Munição: 9mm Luger
Comprimento total: 86cm
Comprimento do cano: 27cm
Comprimento: 67cm com o cano retraído
Peso: 3,2kg
Capacidade do carregador: 32 tiros

Modelo 304 cano longo
Munição: 9mm Luger
Comprimento total: 92cm
Comprimento do cano: 30cm
Peso: 3,7kg
Capacidade do carregador: 32 tiros

Small Arms Review V12N9,
de junho de 2009.

Bibliografia recomendada:

Les Pistolets-mitrailleurs français.
Jean Huon.

Leitura recomendada:

Armas vietnamitas para a Argélia14 de dezembro de 2020.

Resultados dos testes do MAS 62, 1º de fevereiro de 2021.

A submetralhadora MAS-38, 5 de julho de 2020.


A Artilharia da FEB na rendição da 148ª Divisão de Infantaria alemã

Soldado Francisco de Paula carregando um obus 105mm com os dizeres
"A cobra está fumando...".
(Colorização de Marina Amaral)

Valmiki Erichsen

Capitão de Artilharia

Ex-comandante da 2ª Bateria do 3º Grupo

Estamos quase no fim da Campanha da Primavera. Os alemães, descontrolados e atacados por todos os lados, procuram fugir para o norte. A Infantaria Brasileira, sem dar tréguas, persegue o inimigo na sua carreira desenfreada.

O III Grupo de Artilharia, com suas três Baterias de Tiro acantonadas em um prédio escolar, acha-se em Bibbiano à espera das suas viaturas que foram requisitadas para o transporte dos nossos infantes. É nessa situação que no dia 27 de abril de 1945, à 1h, o Comandante da 2ª Bateria (Capitão Valmiki) foi acordado pelo Capitão Piza (ST), que fazia-se acompanhar do Major Molina da AD/I, para receber a seguinte ordem: "De ordem do Senhor General Comandante da AD [Artilharia Divisionária], o Comandante do Grupo designou a 2ª Bateria para se deslocar imediatamente a fim de apoiar um ataque que iria ser feito em Fornovo di Taro, por um Batalhão do 6º RI; os canhões seriam tracionados pelos tratores do IV Grupo, que para isso seriam requisitados, enquanto a Bateria se preparava para partir."

Às 3h, tudo pronto, partimos tendo o jipe do Major Molina como guia. Este deslocamento foi feito com muita cautela, tendo o guia que bater muitas vezes nas casas para saber o caminho, até chegarmos à estrada principal. Nesta, mesmo no escuro, era fácil a caminhada porque estava toda balizada. Ao chegarmos à Cidade de Parma, encontramos algumas ambulâncias que vinham conduzindo cadáveres alemães. Desta cidade em diante a marcha foi mais vagarosa porque era necessário tomar mais precauções, pois nada se sabia da situação. Às 5h chegamos às proximidades de Collecchio e paramos, pois o inimigo havia se retirado desta localidade há 18 horas. Imediatamente depois de tomar todas as providências de segurança, segui com o Major Molina e o Capitão Piza para receber as ordens do Coronel Nelson de Mello, Comandante do Destacamento, que era o Comandante do Batalhão que ia efetuar o ataque. Como a chegada do Batalhão estava prevista só para às 9h e vendo que não havia perigo iminente, fui buscar a Bateria para dentro da cidade, onde, aproveitando a oportunidade, servi a primeira refeição aos pracinhas.

Às 9h chegou o Major Gross a quem me apresentei como Oficial de Ligação e Comandante da Bateria que veio apoiar o ataque. Quero aqui salientar que foi um prazer apoiar pela primeira nesta guerra o Batalhão do meu antigo companheiro de trabalho na EEFE [Escola de Educação Física do Exército]. Ficou então assentado que o ataque só seria desencadeado depois das 12h e que eu tomaria posição antes do início do movimento para estar em condições de atirar a qualquer momento e, mais ainda, que a Companhia de Obuses do 6º RI, comandada pelo Capitão Ventura, iria à retaguarda e só entraria em posição quando fosse necessário. Desta forma procurei logo, na redondeza, um bom lugar para ocupar posição e verifiquei pela carta que podia, se necessário fosse, bater sem mudar de posição até o objetivo final que era Fornovo.

Como toda a cidade estava situada em uma região plana, escolhi uma posição ao lado da estrada por ser de fácil acesso e por ficar abrigada pelas árvores. Abrindo um parêntesis, direi que, ao percorrer esta localidade para a escolha de posição, entrei no castelo que ali existe e fui encontrar, deitado numa cama de campanha, junto à lareira, o cadáver de um tedesco [alemão] com a cabeça enrolada em gaze e com a fisionomia perfeita, parecendo ter falecido àquela madrugada, evidenciando-se que os tedescos, na sua fuga precipitada, não tiveram nem tempo de levar todos os feridos. Ocupada a posição, como não tínhamos dados topográficos, foi a Bateria apontada pela Bússola, ficando os Tenentes Observadores Avançados encarregados de regular o tiro assim que estivessem em condições. A Bateria não havia trazido muitos tiros porque os tratores não comportavam mais do que 35 granadas.

Antes de começar o desenvolvimento do Batalhão, reuni os dois Observadores Avançados, Tenente Sá Earp, que atuaria com a 2ª Cia, e o Tenente Valença, com a 3ª Cia. Estudamos a carta, que aliás quase nada nos indicava pois era na escala de 1/100.000, e tiramos os alcances para os pontos mais fáceis de serem identificados. Tivemos que assim proceder porque era a única carta que tínhamos, tendo portanto os Observadores que seguirem para suas missões verdadeiramente no escuro. A única coisa que fiz foi dar a seguinte ordem: "Agarrem um italiano da região para identificar os pontos." Cada Observador levava a sua equipe e só nos entendíamos pelo rádio.

Às 13h começou a se movimentar pela estrada o Batalhão. Tive a impressão de estar em uma boa poltrona de um dos nossos cinemas, pois foi uma avançada cinematográfica ao encontro do inimigo. Os nossos pracinhas, alegres e cantarolando, apinharam-se em cima dos tanques americanos [M4 Shermans do 760º Batalhão de Tanques] que estavam à disposição do Batalhão. Talvez nenhum dos nossos pracinhas estivessem pensando que a morte poderia surpreendê-los a 2km à frente. Logo atrás vinham os jipes dos Comandantes Avançados. Dos lados das estradas desenvolvia-se a outra Companhia em coluna por um e a Companhia de Obuses ia após os jipes. Assim, ao lado do Comandante do Batalhão, assisti ao desenvolvimento de todos os elementos do Batalhão.

Segui em seguida com o Major Gross para o seu Posto de Comando (PC) Recuado, situado a 1km à frente do ponto de partida, onde almoçamos rapidamente e seguimos logo após para o PC Avançado, a mais 1km. Este PC que era uma casa e serviu também como meu Observatório, pois dali vi o desenrolar dos acontecimentos. Quando os tanques chegaram um pouco além do PC Avançado, começaram a receber tiros dos tedescos, tendo que desbordar para a margem esquerda da estrada. Os Infantes da 2ª Cia começaram a dar combate e progredir em direção a Talignano. A 3ª Cia se deslocou mais para a esquerda, a fim de procurar envolver o inimigo. A Artilharia continuava silenciosa, pois ainda não havia para os Observadores campo de observação. A chuva que desabou repentinamente muito atrapalhou a progressão dos Observadores, porque, com o terreno escorregadio, o transporte do rádio é bastante difícil. Desta forma, só os tanques e a Companhia dos Morteiros auxiliavam os Infantes. Foram os mesmos progredindo até que se apossaram de Talignano e desta forma, pôde o Tenente Sá Earp pedir os primeiros tiros para regular a Bateria.

Eram já 5h e a chuva tinha passado. Ocupada esta localidade, o Tenente seguiu para Gayano juntamente com o Pelotão que para lá se dirigia, não sendo possível chegar tal a intensidade do fogo inimigo. O Tenente Sá Earp presenciou uma triste ocorrência quando o Tenente Monteiro, Comandante do Pelotão de Minas do 6º RI, que ia a seu lado, foi atingido por diversos estilhaços de uma granada que arrebentou em cima deles. Gravemente ferido, foi o Tenente Monteiro logo transportado para a retaguarda. Mais tarde, vim a saber que, ao voltar a si, mandou este recado para sua progenitora: "Diga à mamãe que nunca tive medo." Hoje, o Tenente Monteiro já é Capitão e acha-se completamente restabelecido.

Do meu Observatório, que era o forro da casa, apreciei os tedescos retirando-se de Segalara. Eles corriam para fora da casa, deitavam-se, e logo depois, levantando-se, atiravam com as bazucas [Panzerschreck] contra os nossos pracinhas. Os Generais Cordeiro e Zenóbio, que estiveram lá toda a tarde, observaram também estas cenas.

Certa ocasião, quando os dois Generais acima citados com mais alguns Oficiais se dirigiam para uma casa mais avançada, os tedescos deram uma rajada de metralhadora na direção do PC, que por pouco não os atingia. Em frente ao PC, atrás de uma casa, os nossos morteiros não paravam um instante de atirar.

O Tenente Valença, que estava com a 3ª Cia, continuava desbordando pela esquerda, até que conseguiu, cerca das 20h, chegar a Segalara. Já estava escurecendo e o Tenente Valença pediu tiro fumígeno a fim de poder chegar a Gayano, que era o local de onde partiam os tiros dos tedescos. O Tenente Valença, por ser achar debaixo do fogo inimigo, custou um pouco a regular e, como a insistência dos pedidos para que a Artilharia atirasse era tão contínua, eu, ao lado do Major Gross, sem nada estar vendo, comandei uma rajada para a linha de fogo a fim de mostrar aos tedescos que possuíamos artilharia e acalmar um pouco os nossos. Mais tarde vim a saber que estes tiros foram bastante eficientes, pois o número de soldados inimigos era tão grande que em qualquer lugar que os mesmos caíssem eram sempre eficazes.

Suportaram os nossos Infantes dois contra-ataques dos tedescos e o Tenente Valença, com sua calma peculiar, satisfez todos os pedidos de tiros solicitados. Assim, ajudamos muito a Infantaria a não recuar um palmo sequer.

Cessada um pouco a violência do combate, apareceram na estrada três Oficiais alemães que vinham em nome do General Picô [Otto Fretter-Pico] propor a rendição da já célebre 148ª.

Estava eu no PC Recuado depois de ter ido à Bateria para me alimentar quando estes Oficiais lá chegaram. Daí foram levados ao Coronel Nelson de Mello em Collecchio e começaram então os entendimentos para a rendição. A Bateria atirou até às 5h da manhã do dia 28, hora em que o Comandante do III Grupo deu ordem ao Tenente Rapozo, Comandante da Linha de Fogo, para suspender os tiros.

Tenente-General Otto Fretter-Pico (à esquerda, com binóculos) rendendo-se formalmente ao General Olímpio Falconière da Cunha em nome da divisão expedicionária, 29 de abril de 1945.

Colunas de prisioneiros alemães da 148ª e da 90ª.

Soldado brasileiro, com a cobra fumando no braço, balizando prisioneiros alemães.

Esta noite dormi no PC Avançado juntamente com o Comandante do Batalhão e, à meio-noite, quando conversávamos com o Tenente Americano, que comandava o Pelotão de Tanques, o Major comunicou que talvez não tivéssemos mais que lutar, ocasião em que o Tenente Americano exclamou: "Fine".

Para os artilheiros foi um prazer saber que um dos primeiros pedidos dos Oficiais tedescos era para que os tiros de artilharia cessassem. Na manhã do dia 28 chegaram ao local do PC Avançado o Comandante da Força Expedicionária Brasileira e o Generais Zenóbio Falconière, que vieram receber a rendição.

Às 17h começou o espetáculo que nunca sairá da memória dos que tiveram a felicidade de apreciá-lo:

ERA A RENDIÇÃO DA 148ª

O Coronel Otto von Kleiber em conversações com o Major Altair Franco Ferreira para a rendição da 148ª Divisão de Infantaria, 29 de abril de 1945.
(Colorizada)

- Capitão Valmiki ErichsenA Artilharia na Rendição da 148ª Divisão de Infantaria Alemã, Revista do Exército Brasileiro, Rio de Janeiro, 122 (3): pg. 56-59, julho-setembro de 1985.

A rendição de Fornovo

(Sala de Guerra)

Bibliografia recomendada:

FEB pelo seu Comandante.
Marechal J.B. Mascarenhas.

A FEB por um soldado.
Joaquim Xavier da Silveira.

Leitura recomendada:



A FEB e os jipes12 de março de 2020.



FOTO: Alemães capturados pela 10ª Divisão de Montanha13 de agosto de 2021.

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

FOTO: Guardando o Campo de Batalha

Nguyen Thi Hien, 19 anos, chefe do grupo de combate da milícia em Yen Vucno Vietnã do Norte, 1966.
(Colorizada)

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 8 de setembro de 2021.

Nguyen Thi Hien era chefe do grupo de combate da milícia em Yen Vuc, na província de Thanh Hoa, no Vietnã do Norte. Ela sobreviveu a mais de 800 ataques aéreos e foi enterrada viva quatro vezes em ataques de bombardeiros B-52 americanos.

Esta foto, chamada Di Truc Chien (Guardando o Campo de Batalha), foi uma das fotos mais famosas da Guerra do Vietnã, tirada pelo fotógrafo Mai Nam.

Foto original em preto e branco.

O fotógrafo Mai Nam, nascido como Nguyen Huu Thong, em 1931 na província de Bac Ninh, no Tonquim. Ele se juntou à revolução contra os franceses aos 14 anos de idade. Em 1949, trabalhou como membro do sindicato de jovens na Base Revolucionária do Viet Bac, onde escolheu pela primeira vez uma câmera. Em seguida, trabalhou como jornalista no jornal Tien Phong (Vanguarda). Durante a fase americana da guerra, Mai Nam trabalhou como jornalista de guerra para o jornal e capturou muitos confrontos ferozes no campo de batalha, incluindo na província central de Quang Tri. Suas fotos famosas, incluindo Di Truc Chien (Guardando o Campo de Batalha) e Du Kich (Guerrilhas) foram tiradas nessa época.

Durante a década de 1960, ele foi designado para tirar fotos do presidente Ho Chi Minh; criando uma coleção de quase 200 fotos do presidente.


Mai Nam recebeu o prêmio de Membro Honorário da Associação de Artista Fotográfico do Vietnã e Artista Especial da Associação de Artista Fotográfico do Vietnã. Sua coleção de três fotos com soldados vietnamitas durante a "Guerra Americana" (como é conhecida no Vietnã), a saber Canh Giac (Alerta Máximo), Chay Dau Cho Thoat (Sem Escapatória) e Di Truc Chien (Guardando o Campo de Batalha), recebeu o Prêmio Estadual de Literatura e Artes em 2007 .

O veterano fotógrafo e jornalista Mai Nam morreu aos 85 anos em janeiro de 2016.

Bibliografia recomendada:

Rolling Thunder in a Gentle Land.
The Vietnam War Revisited.
Andrew Wiest.

Leitura recomendada:


terça-feira, 7 de setembro de 2021

O sucesso de Belmondo em "Peur sur la ville" fez o GIGN ser conhecido do grande público

O ator Jean-Paul Belmondo içado de um helicóptero Alouette da Gendarmerie, no filme "Peur sur la ville", lançado em 1975.

Por Pierre-Marie Giraud, Lessor de la Gendarmerie Nationale, 7 de setembro de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 7 de setembro de 2021.

É um dos sucessos mais famosas de Jean-Paul Belmondo. Suspenso de um Alouette da Gendarmerie, o ator quebra a janela de sacada de um apartamento em uma torre para libertar reféns. Um espetacular sucesso, destaque do filme Peur sur la ville (Medo Sobre a Cidade, 1975), rodado com a ajuda do muito jovem GIGN. Christian Prouteau se lembra.

1974: O primeiro canal de televisão, que se tornará o TFI, dedica uma reportagem sem precedentes ao Grupo de Intervenção da Gendarmaria Nacional (Groupe d'intervention de la gendarmerie nationale, GIGN), criado alguns meses antes, em novembro de 1973, por Christian Prouteau. O diretor Henri Verneuil, que vai rodar Peur sur la ville com Belmondo no outono, viu esta reportagem e deseja a ajuda do GIGN para as cenas finais do filme. Christian Prouteau disse ao L'Essor que o tiroteio ocorreu acima da Tour Keller, a primeira torre construída na frente do rio Sena em Paris (30 andares e cem metros de altura). Suboficiais do grupo e seu comandante Christian Prouteau são filmados descendo de rapel no telhado do prédio com uma corda pendurada sob o Alouette da Gendarmerie pairando a 120 metros. “Uma descida em poucos segundos, manobra inventada pelo GIGN e desde então copiada por todas as unidades de intervenção”, sublinha Christian Prouteau.

Outra cena, a mais famosa, mostra Belmondo pendurado sob o Alouette. Com um movimento de pêndulo, ele atinge uma janela saliente para entrar no apartamento onde está ocorrendo uma tomada de reféns. Christian Prouteau pedirá então à produção que lhe pague pelas cordas utilizadas.

"Salut, Flic ou voyou…" (Oi, policial ou bandido...)

O Ás de Ases, o Magnífico (L’As des As, le Magnifiqueencontrará o Único (l’Unique): Tac Tac Boom Boom Vai balançar lá em cima!

O rapel de Jean-Paul Belmondo no filme Peur sur la ville, 1975.

O filme totalizará 4 milhões de bilheteria na França após seu lançamento em 1975. Ele também tornará o GIGN conhecido pelo público em geral. No ano seguinte, em fevereiro de 1976, o GIGN saiu na primeira página, desta vez por uma operação muito real, a da libertação dos reféns de Loyada, perto do Djibouti.

“Tive então a oportunidade de rever Jean-Paul Belmondo em várias ocasiões”, acrescenta Christian Prouteau. “Ele tinha uma admiração sem limites pelo GIGN”. "Encontrei-o há menos de dois anos, na Rotonde de Montparnasse, um dos seus refeitórios." Christian Prouteau foi então saudado pelo ator que disse à cantonada: "Eu filmei com ele e o GIGN, esses aqui são homens".


O Grupo também prestou homenagem em suas redes sociais ao ator, falecido na segunda-feira, 6 de setembro de 2021.


Bibliografia recomendada:

GIGN:
Nous étions les premiers.
Christian Prouteau e Jean-Luc Riva.

Leitura recomendada:



FOTO: Armadilha Punji na Indochina

Um soldado francês mostra o as estacas Punji, armadilha vietnamita feita de bambu partido, sobre as quais um de seus colegas soldados foi vítima durante uma patrulha em dezembro de 1953.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 7 de setembro de 2021.

Durante a Guerra da Indochina, o Viet-Minh lançou mão desde armadilhas arcaicas - como as estacas punji - até armadilhas mais sofisticadas, envolvendo explosivos. Os Viet-Minh até mesmo improvisaram armas de fogo em oficinas subterrâneas. Era comum que as estacas punji fossem revestidas com fezes humanas para infeccionarem os pés da vítima, que teria de ser evacuada por meio de marchas longas e árduas pela selva até atingir qualquer tipo de transporte (caminhão, navio ou avião) que o levasse para um hospital.

O General Giap descreveu o Exército Francês como um poderoso tigre que seria sangrado lentamente por incontáveis mosquitos sugando seu sangue, até que o grande tigre caísse de exaustão.

Pistola improvisada e capacete Viet-Minh no Museu da Legião Estrangeira em Aubagne, França.
(Foto do Autor)

Estacas punji preservadas no Museu da Legião Estrangeira em Aubagne, França.
(Foto do Autor)

Bibliografia recomendada:

Street Without Joy:
The French Debacle in Indochina.
Bernard B. Fall.

Leitura recomendada:

FOTO: Hotchkiss M1926 com reparo anti-aéreo

Soldados gregos praticando fogo anti-aéreo com um fuzil-metralhador Hotchkiss M1926.

Os soldados usam capacetes de cortiça Adrian franceses e a metralhadora Hotchkiss está no reparo anti-aéreo, o que dá grande ângulo ao tiro.

Bibliografia recomendada:

Hotchkiss Machine Guns:
From Verdun to Iwo Jima.
John Walter.

Leitura recomendada:

A submetralhadora MAS-38, 5 de julho de 2020.

O Chauchat na Iugoslávia26 de outubro de 2020.