sábado, 12 de dezembro de 2020

VÍDEO: O Brasil poderia tomar a Guiana Francesa?

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 12 de dezembro de 2020.

O canal de análises militares Binkov's Battlegrounds, apresentado pela marionete Camarada Binkov, publicou ontem (11/12/2020) um vídeo de análise sobre uma hipotética invasão brasileira à Guiana Francesa, com a reação da França e com o possível desenrolar da guerra com os meios militares de cada um.

A análise segue o procedimento de jogos de guerra, com a distinção dos "players" (jogadores, os combatentes), os objetivos e os meios; estes são o número de tropas no local, número disponível de tropas a serem movidas para o teatro, meios de transporte e equipamentos. Os equipamentos variam em qualidade mas são adotados como em condições de operação. Armas nucleares francesas e aliados para ambos foram excluídos.

Resumidamente, ambos os lados teriam dificuldades em mover tropas para o teatro de operações (TO) e os combates seriam de pequenas unidades na selva, com intervenções de artilharia e aviação. O Brasil iniciou a invasão com um assalto paraquedista de forças especiais e paraquedistas tomando o aeroporto de Caiena, se beneficiando de superioridade local. Essa força inicial seria reforçada por fuzileiros navais e tropas do exército aerotransportadas para a região. A marinha francesa moveria uma força-tarefa anfíbia para o Caribe, onde possui ilhas, e tomaria as águas ao redor, sendo incomodada por sortidas de submarinos brasileiros.

Legionários da 2ª companhia do 3e REI com o míssil AAe Mistral durante o lançamento do foguete Ariane 5 em Kourou, na Guiana Francesa, em 17 de novembro de 2016.

Os franceses lançariam paraquedistas na Guiana e estes seriam reforçados por desembarques anfíbios de fuzileiros apenas marginalmente mais equipados que os paraquedistas. Uma discussão interessante foi o uso de carros de combate na selva pelos dois lados, assim como artilharia auto-propulsada (o que Binkov nota, o Brasil estaria em vantagem). Uma coisa que Binkov não notou foi o uso de carros de combate sobre rodas, o que é comum nos dois exércitos.

A aviação francesa teria superioridade aérea no mar e sobre o TO, mas não conseguiriam manter um guarda-chuva anti-aéreo o tempo todo e as forças francesas seriam incomodadas por bombardeiros à hélice fazendo sortidas ocasionais. A marinha brasileira seria obliterada e a sua força aérea reduzida à metade, mas o território permaneceria nas mãos brasileiras.

O veredicto foi a França tomando todas as ilhas brasileiras no saliente nordestino mas perdendo a Guiana para o Brasil. Esse resultado é muito otimista e assume que os brasileiros não teriam problemas de suprimentos, mas é provável que os militares brasileiros teriam dificuldade em negociar suas próprias linhas internas, demorando para trazer reforços e suprimentos (comida, munição, peças de reposição, etc) para o campo de batalha. Já a França, trazendo material pelo mar com depósitos posicionados na Martinica teria um acesso mais fácil. Seria interessante que o Camarada Binkov fizesse um segundo vídeo tratando das considerações logísticas de ambos os combatentes.

Vídeo:


A França como adversária do Brasil

Essa idéia veio com a publicação do Livro Branco da Defesa de 2020 que apontou a França como a principal ameaça ao Brasil na região. Essa decisão ecoou no mundo todo, trazendo surpresa à França, que sempre viu o Brasil como aliado. O anúncio não foi tomado como uma agressão vinda do Brasil e não teve maiores repercussões exceto uma "guerra de memes" na internet.

A última vez que o Brasil teve problemas diplomáticos reais com a França foi na "Guerra da Lagosta", uma ocasião onde as duas marinhas se encararam e uma marinha brasileira quase incapaz de fazer a navegação de cabotagem do Rio de Janeiro para o nordeste conseguiu defender os interesses nacionais pelo blefe. A última vez onde forças brasileiras de fato chegaram "às vias de fato" com os franceses foi na intrusão francesa no Amapá, em 1895. Tropas francesas comandadas pelo Capitão Lunier invadiram território brasileiro, sendo repelidos pelo general honorário do exército brasileiro Francisco Xavier da Veiga Cabral. Após a defesa do Amapá, Veiga Cabral se tornou um dos maiores heróis da história do estado. Na época, uma frase foi dita que acabou marcando o sentimento do povo do Amapá em relação a Veiga Cabral:

“Se é grande o Cabral que nos descobriu, maior é o Cabral que nos defendeu!”

Um enfrentamento de maior relevância ocorreu na invasão da Guiana Francesa em 1809, no âmbito das Guerras Napoleônicas. Nessa ocasião, a Brigada Real da Marinha desembarcou nas praias da Caiena, capital da então colônia francesa, sendo seguida por regulares da colônia brasileira e tropas portuguesas e britânicas, ocupando a Guiana Francesa até 1817.

Desembarque em Caiena, 1809.
Óleo sobre tela de Álvaro Martins.
Essa operação é considerada o batismo de fogo dos Fuzileiros Navais do Brasil.

As forças luso-brasileiras na operação contaram 550 fuzileiros navais (fuzileiros-marinheiros da Brigada Real da Marinha) e 2.700 regulares do exército colonial, e parte da guarnição de marinheiros e fuzileiros navais britânicos do HMS Confiance, enfrentando a pequena guarnição francesa de 450 regulares e 800 milicianos.

Depois das Guerras Napoleônicas, o Brasil e a França têm uma história de estreita amizade, desde o reconhecimento do Brasil por Paris logo cedo até três missões militares de instrução francesas no Brasil (duas na Força Pública de São Paulo e uma no Exército Brasileiro). Aliados nas duas guerras mundiais, a França novamente mandou equipes de instrução durante o regime militar, até mesmo o Brasil recebendo o General de Gaulle durante o governo Castello Branco. 

Os dois países também vêm de uma longa história de compras militares e exercícios conjuntos (especialmente entre as duas marinhas). Culturalmente, a França vê o Brasil como o país sul-americano mais interessante e trata com surpresa os turistas brasileiros na França. O Brasil, sempre muito ligado à cultura francesa, vê a França como um país de sofisticação e progresso.

Uma fonte de estudo interessante é o livro do General Aurélio de Lyra Tavares sobre as relações dos dois países até a década de 1970.

Bibliografia recomendada:

Brasil França: Ao longo de 5 séculos.
General A. de Lyra Tavares.

Leitura recomendada:

O Estado-Maior Brasileiro considera a França a principal ameaça militar até 20409 de fevereiro de 2020.

PINTURA: Desembarque anfíbio em Caiena, 18094 de fevereiro de 2020.

FOTO: 14ª Reunião de Estados-Maiores entre o Brasil e a França2 de maio de 2020.

FOTO: Equipe de míssil anti-aéreo Mistral durante o lançamento do foguete Ariane 515 de janeiro de 2020.

A geopolítica do Brasil entre potência e influência13 de janeiro de 2020.

Relatório Pós-Ação de participação na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército Brasileiro5 de janeiro de 2020.

Legionários e gendarmes destruíram um grande acampamento de garimpeiros ilegais na Guiana7 de abril de 2020.

Chineses buscam assistência brasileira com treinamento na selva9 de julho de 2020.

VÍDEO: Estágio Jaguar na Guiana Francesa19 de setembro de 2020.

Bandeira de Israel e sinal de "Obrigado, Mossad" aparece no Irã após a morte de cientista nuclear

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 12 de dezembro de 2020.

A exibição no subúrbio de Teerã ocorreu em 8 de dezembro, 10 dias após o assassinato de Mohsen Fakhrizadeh, supostamente pela inteligência israelense.

Uma bandeira israelense e um cartaz em inglês com os dizeres “Obrigado, Mossad” foram colocados sobre um outdoor no Irã na segunda-feira 8 de dezembro de 2020, após o assassinato de um importante cientista nuclear iraniano no mês passado, supostamente por Israel.

Fotos da bandeira e placa em um subúrbio de Teerã - coladas sobre um anúncio de refrigerante em uma ponte - foram amplamente compartilhadas nas redes sociais.

 

Não ficou claro quem estava por trás da mensagem de elogio à agência de inteligência de Israel, mas as autoridades iranianas culparam Israel e o grupo de oposição exilado Mujahedeen do Povo do Irã (MEK) pelo assassinato de Mohsen Fakhrizadeh. O cientista iraniano é há muito considerado por Israel e pelos EUA como o chefe do programa de armas nucleares do Irã, considerado "rogue" (rebelde). O governo iraniano jurou vingança; Israel não comentou publicamente as acusações.

Fakhrizadeh, morto em 27 de novembro, foi nomeado pelo primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu em 2018 como diretor do projeto de armas nucleares do Irã. Quando Netanyahu revelou então que Israel havia removido de um depósito em Teerã um vasto arquivo iraniano detalhando seu programa de armas nucleares, ele disse: "Lembre-se desse nome, Fakhrizadeh".

Fakhrizadeh também foi oficial do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica do Irã, designado pelos EUA como organização terrorista. Há muito tempo Israel é suspeito de ter cometido uma série de assassinatos seletivos de cientistas nucleares iranianos há quase uma década, em uma tentativa de restringir o programa de armas nucleares do Irã.

Autoridades israelenses alertaram os cidadãos israelenses que viajam para o exterior que eles podem ser alvos de ataques terroristas iranianos após o assassinato, e alertaram em especial ex-cientistas nucleares israelenses que eles podem estar na mira dos iranianos.

Bibliografia recomendada:

"O Punho de Deus".
Frederick Forsyth.

Leitura recomendada:

Israel provavelmente enfrentará guerra em 2020, alerta think tank1º de março de 2020.

A Venezuela está comprando petróleo iraniano com aviões cheios de ouro8 de novembro de 2020.

O papel da América Latina em armar o Irã16 de setembro de 2020.

A influência iraniana na América Latina15 de setembro de 2020.

O desafio estratégico do Irã e da Venezuela com as sanções13 de setembro de 2020.

COMENTÁRIO: 36 anos depois, a Guerra Irã-Iraque ainda é relevante24 de maio de 2020.

Ex-intérprete do exército alemão acusado de espionagem para a inteligência iranianas25 de fevereiro de 2020.

O regime do Irã planeja destruir a tumba de Ester e Mordechai?21 de fevereiro de 2020.

A França dá sinal verde ético para soldados biônicos

 Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 11 de dezembro de 2020.

Em parecer divulgado no dia 4 de dezembro, o comitê de ética do Ministério da Defesa pediu que fossem iniciados os trabalhos sobre métodos “invasivos” para melhorar o desempenho físico dos militares.

O comitê de ética, composto por dezoito membros civis e militares, deu às forças armadas do país luz verde para começar a pesquisa sobre o desenvolvimento de "soldados aprimorados" para melhorar o desempenho no campo de batalha. Um relatório divulgado no início desta semana citou pesquisas sobre implantes que poderiam "melhorar a capacidade do cérebro", ajudando os soldados a distinguirem inimigos de aliados, de acordo com as informações da mídia francesa. Melhorias adicionais podem incluir tratamentos médicos para melhorar as capacidades físicas dos soldados e sua resistência ao estresse.

Os únicos métodos "invasivos" usados ​​hoje nos exércitos franceses são o uso de uma série de produtos que facilitem a recuperação após o exercício, reduzindo o estresse, ou medicamentos como os anti-maláricos, além da vacinação, conforme enfatizou o escritório do Ministério da Defesa. Mas, em 2030, de acordo com o comitê de ética, o "campo de possibilidades" pode se abrir amplamente.

Imagem fornecida pelo Ministério das Forças Armadas com a visão de como será o combatente do futuro em 2040/2050, com roupas conectadas, mais proteções e uma interface homem-máquina para auxiliar o combatente. A imagem foi criada por alunos da École de Design Strate pour l’Armée de Terre.

"Sim para a armadura do Homem de Ferro e não para o aprimoramento genético e mutação do Homem-Aranha." Eis o que acaba de anunciar a Ministra das Forças Armadas, Florence Parly, sobre o desenvolvimento dos chamados soldados "aprimorados" no seio do exército francês. A ministra emitiu o seu parecer na sequência de parecer, emitido a título consultivo, por uma comissão de ética da defesa. Este comitê é responsável por lançar luz sobre as questões éticas levantadas pelas inovações científicas e técnicas e suas possíveis aplicações militares. Fundado no final de 2019, este comitê de ética se reuniu pela primeira vez em 10 de janeiro de 2020. Foi para se manifestar sobre dois temas: o “soldado aprimorados” e “autonomia em sistemas de armas letais”, em outras palavras, os chamados "robôs matadores" (robots tueurs).

Sobre esta primeira questão, os membros do comitê exploraram o tema do uso de técnicas invasivas para melhorar o desempenho físico ou cognitivo do corpo humano pela absorção de moléculas, ou pela introdução de implantes subcutâneos ou no cérebro, como a DARPA (Defense Advanced Research Projects Agency/ Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa) experimentou em 2016. Com sua tecnologia, o implante permitiu que o cérebro se comunicasse diretamente com computadores. Na época, a ideia não era tanto "aprimorar" as capacidades dos soldados, mas permitir que os feridos em combate recuperassem as sensações auditivas ou visuais. Como outras técnicas invasivas e definitivas, há, por exemplo, o aumento da acuidade visual de forma cirúrgica para poder prescindir de visão de longa distância.

Esquemática do "Combatente 2020", já testada na Operação Barkhane, no Mali.

No seu discurso sobre este relatório, a ministra Parly, no entanto, qualificou o alcance destas técnicas invasivas para o soldado aprimorado, sublinhando que era necessário por enquanto "pôr fim a todas as fantasias" e especificando que "estas evoluções ditas 'invasivas' não estão na agenda dos exércitos franceses". Por outro lado, a ministro sublinhou que “nem todos têm os nossos escrúpulos e é um futuro para o qual devemos nos preparar”. A França, portanto, não diz não ao soldado aprimorado, mas escolhe suas modalidades. O princípio será sempre buscar alternativas para transformações invasivas. Assim, “em vez de implantar um chip sob a pele, buscaremos integrá-lo a um uniforme”, disse a ministra Parly. Os “aprimoramentos” mais invasivos terão necessariamente o consentimento dos militares. Claramente, a injeção ou absorção de substâncias, operações cirúrgicas ou a integração de chips sob a pele que podem enviar ou receber informações remotamente em um teatro de guerra. E, em todos os casos, esses aprimoramentos devem ser reversíveis e não colocarem em risco a saúde ou a segurança destes mesmos militares.

Se o exército mandatou esse comitê, é porque a França - assim como os americanos - está preocupada com os experimentos feitos por outros países em humanos. Este seria particularmente o caso da China, onde testes teriam sido realizados em soldados chineses para melhorar biologicamente suas capacidades; uma afirmação que a diplomacia chinesa chamou de "mentiras".

Mas, além do lado invasivo exercido sobre o soldado aprimorado, o exército francês e os industriais do setor estão desenvolvendo inúmeras tecnologias, como cintos equipados com vibradores para permitirem que um ou dois soldados e seus cães se comuniquem à distância, ou radares para detectar uma presença através de uma parede. No final das contas, o soldado aprimorado estará longe de ser um verdadeiro ciborgue.

O relatório afirmava ainda que, sem permitir a pesquisa dessas tecnologias, as forças armadas francesas estariam em desvantagem em relação aos exércitos de outros países. O comitê declarou que a França deve manter "a superioridade operacional de suas forças armadas em um contexto estratégico difícil", respeitando as regras que regem o direito militar e humanitário e os "valores fundamentais da nossa sociedade".

A declaração incluiu "linhas vermelhas" éticas a não serem cruzadas, incluindo eugenia ou alteração genética, e qualquer coisa que "pudesse comprometer a integração do soldado na sociedade ou o retorno à vida civil". A ministra Florence Parly, forneceu informações sobre as questões em torno dos lastros durante uma mesa redonda antes da divulgação do relatório.

Parly disse que as Forças Armadas francesas não permitiriam técnicas de transformação invasivas que cruzassem "barreiras corporais", tais como implantes de chips. No entanto, ela acrescentou, os chips podem ser instalados nos uniformes.

Explicando seu ponto com mais detalhes, Parly disse que as forças armadas francesas diriam sim ao Homem de Ferro, mas não ao Homem-Aranha, referindo-se à mutação genética deste último super-herói dos quadrinhos. Ela descreveu as condições sob as quais um soldado seria "aprimorado", o que inclui o consentimento prévio da pessoa submetida a tal aprimoramento. No entanto, ela acrescentou que pode haver falta de consentimento em circunstâncias "excepcionais", mas as circunstâncias têm de ser "justificadas".

A outra condição para permitir um aprimoramento no corpo de um soldado é que seja "reversível", disse Parley, para que o soldado possa voltar à sua condição corporal original assim que deixar as forças armadas.

Bibliografia recomendada:



Leitura recomendada:

O Exército Francês está contratando escritores de ficção científica para imaginar ameaças futuras3 de junho de 2020.

A arte da guerra em Tropas Estelares - 3 Para a glória da Infantaria Móvel17 de fevereiro de 2020.

A Arte da Guerra em Duna17 de setembro de 2020.

Israel dá um passo "revolucionário" com drones táticos3 de setembro de 2020.

Snipers chineses agora estão equipados com drones para melhor atingirem seus alvos16 de janeiro de 2020.

Soldados testam tecnologia israelense para impedir fogo-amigo3 de março de 2020.

COMENTÁRIO: Por que exoesqueletos militares continuarão sendo ficção científica20 de agosto de 2020.


sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

COMENTÁRIO: Uma cultura de apatia e desonestidade dentro do Exército Britânico


Por James Burton, Wavellroom, 9 de dezembro de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 10 de dezembro de 2020.

[Nota: As opiniões expressas nesse artigo pertencem ao seu autor e não representam, necessariamente, as opiniões do Warfare Blog.]

Escrevo este artigo de opinião a partir de uma posição de fortuna - tenho sorte de estar em um emprego onde trabalho e lidero cerca de cem jovens soldados do Exército Britânico. Esta oportunidade é empolgante e fascinante, no entanto, estou perfeitamente ciente de que faço parte de um sistema que está falhando. Vou passar dois anos pedindo a eles que treinem e potencialmente entrem em guerra com equipamentos que, na melhor das hipóteses, foram adquiridos antes de eu nascer e, na pior das hipóteses, foram adquiridos antes do nascimento de meus pais. Embora isso represente uma manifestação física de uma questão mais ampla, o Exército Britânico se tornou uma organização na qual a atividade, limitada por slogans de adesivos de pára-choque, tem primazia sobre os resultados e efeitos que, por sua vez, gerou uma "lacuna entre dizer e fazer" que está paralisando sua eficácia.

Este artigo tentará explicar por que o Exército Britânico tem uma "lacuna entre dizer e fazer". Por que, quando nossa alta liderança diz que algo é importante, isso é enfrentado por uma incapacidade de cumprir? A lacuna "lacuna entre dizer e fazer" é claramente evidente em como adquirimos "coisas", mas talvez seja mais importante na forma como tratamos nosso povo - ambos serão explorados.


A linguagem do absurdo

Em muitos aspectos, é surpreendente que 53% da população do Reino Unido acredite que o Exército Britânico é "inovador" e "líder mundial", mas talvez nem tanto quando um número tão elevado declara desinteresse por questões militares.[1] No entanto, essa narrativa de ser líder mundial e inovador não é ajudada pela linguagem de mudança do Exército, a qual se tornou cada vez mais impenetrável.[2] O impacto dessa linguagem desconcertante é composto por "presentismo militar" e uma cultura que parece cada vez mais modista em seu tom.[3] Tudo não pode ser adaptativo, inovador, transformador e modernizado... e isso antes de entrarmos nas mudanças de jogo, pivôs inteligentes e tiros para a Lua, ou os conceitos abstratos de vantagem da informação, manobra de informação e guerra de protótipos. Esses chavões de mudança se tornaram uma seleção suspensa nos discursos de nossas altas lideranças, com quase todas as comunicações internas e externas polvilhadas com essa linguagem sem sentido. [4]

[1] YouGov British Army Reputation Tracker Wave8 e MOD e pesquisas de reputação das Forças Armadas entre 2015-2020. Acessado em 15 de julho de 2020.
[2] O Major General Copinger-Symes demonstrando o que acontece quando a linguagem militar encontra a mídia social (link), não obstante, o discurso completo levantou alguns pontos úteis para o projeto de transformação da Defense Digital. (Transcrição completa aqui)
[3] Paul Barnes, ‘NEOPHILIA, PRESENTISM, AND THEIR DELETERIOUS CONSEQUENCES FOR WESTERN MILITARY STRATEGY’ maio de 2020, link.
[4] A robótica do Exército recebeu um aumento de £ 66 milhões, Gov.UK, 5 de março de 2019, link.

Por que isso é um problema? Porque estamos perdendo, e em alguns casos perdemos, a capacidade de comunicar nossa mensagem aos nossos senhores políticos, ao público a quem servimos e à nossa própria equipe. Precisamos ser claros sobre os problemas e ameaças e, se não tivermos credibilidade nessas mensagens, não devemos nos surpreender quando o público-chave simplesmente não entende. Essa linguagem impenetrável é uma barreira, não apenas para a compreensão, mas também para o debate - como podemos esperar que as pessoas discutam, critiquem e desenvolvam essas abordagens se elas nunca são claramente articuladas por aqueles que as defendem, ou entendidas por aqueles que precisam implementá-las? A linguagem do absurdo se tornou nossa cultura e parece que o Exército Britânico atingiu o "pico da besteira",[5] um momento em que a narrativa supera os resultados eficazes. A maior besteira para o Exército é um amálgama de conceitos mal definidos, em que os limites da pós-verdade e das notícias falsas são tão aplicáveis ​​à nossa narrativa quanto à negação russa de atividade. Como um relatório de 2015 sobre a cultura do Exército dos EUA descobriu, "o engano que ocorre na profissão das armas é encorajado" e o Exército Britânico não é diferente.[6]

[5] Evan Davis, ‘Post Truth’, pg. xv.
[6] Wong, Leonard, and Stephen J. Gerras. Relatório. Strategic Studies Institute, US Army War College, 2015 (link). Acessado em 24 de outubro de 2020.

Desonestidade intelectual

O Exército Britânico tem sido fortemente criticado por sua aquisição de veículos blindados. A recente audiência do Comitê de Defesa Selecionada (Defence Select Committee) sobre esta questão foi esclarecedora.[7] Embora seja difícil escapar da "idade crescente e obsolescência" de muitos tipos de equipamentos centrais - observando que estamos passando do status clássico para antigo para alguns recursos - o comitê tentou entenda o porquê.[8] Por que é que, com um orçamento de tanto, recebemos tão pouco?[9] A audiência do comitê não foi esclarecedora por causa das respostas oferecidas, mais ainda por causa da preponderância de linguagem evasiva para se infiltrar em respostas deliberadamente ofuscadas. Era quase como se ninguém fosse o responsável e ninguém tivesse tomado a decisão de assumir o problema de que tanto falamos.

[7] O Comitê de Defesa examina projetos de veículos blindados do Exército Britânico, Parlamento do Reino Unido, 15 de outubro de 2020, link.
[8] Ibid.
[9] Gastos militares do Reino Unido/Orçamento de defesa 1960-2020, Macrotrends, link.

O inquérito Chilcott 2016, que avaliou a decisão do Reino Unido de intervir no Iraque, dirigiu críticas significativas ao Exército Britânico pela decisão de continuar usando Snatch Land Rovers 20 anos atrás em face de uma "ameaça clara e crescente de dispositivos explosivos improvisados".[10] Tinha sido lento, e continua a ser, em compreender as lições e agir de acordo com elas. Lições do conflito na Ucrânia e do recente conflito do Nagorno-Karabakh demonstram que a proliferação de sensores e sistemas de armas interligados, guiados por um sistema de comando bem integrado, reduziu a capacidade de sobrevivência de pessoas e veículos no campo de batalha moderno. A eficácia dessas combinações, filmadas e editadas em clipes de mídia social, demonstrou uma humilhação pública das Forças Armadas da Armênia em tempo real ou quase em tempo real. De forma alarmante, a Armênia, operando perto de seus limites, tem lutado e às vezes foi totalmente derrotada. As táticas, técnicas e procedimentos do Exército Britânico podem ter corrido de alguma forma para corrigir esses problemas, no entanto, seu equipamento envelhecido e obsoleto, juntamente com os indivíduos que os tripulam, estariam em risco significativo. O que é mais preocupante é que as potenciais lições que estão sendo discutidas do conflito do Nagorno-Karabakh deste ano não são novas - elas foram identificadas em 2014 na Ucrânia, usadas em todo o Oriente Médio repetidamente desde então e, agora tendo sido aprimoradas, são mais eficazes do que nunca.

[10] Ben Farmer, ‘Chilcot: MoD and Army too slow on Snatch Land Rovers’, The Daily Telegraph, 17 de junho de 2016, link.

Challenger II desembarcando em Camp Lejeune, NC de um LCU MK10 durante o exercício Aurora 2004.

Nossas plataformas atuais, nem as que entrarão em serviço na próxima década, irão alterar esse dilema de sobrevivência de uma maneira completa. Vender este desafio para meus soldados não é um desafio de liderança, é um desafio moral. O Dr. Jack Watling educadamente sugere que "há uma tendência para os soldados ocidentais rejeitarem o que pode ser aprendido com esses incidentes".[11] Eu iria mais longe e sugeriria que há um nível substancial de arrogância nesta organização, que ignora os fatos com uma presunção de que a competência tática superará a proficiência técnica. Esta é uma suposição perigosa.[12]

[11] Jack Watling, 'The Key to Armenia's Tank Loss: The Sensors, Not the Shooters', RUSI Defense Systems, link.
[12] Ibid.

Como observou recentemente o Prof. Peter Roberts do RUSI (Royal United Services Institute), é raro encontrar alguém na linha de negócios de compras que não esteja "se esforçando para tentar fazer tudo funcionar". Então, onde está dando errado?[13] Desonestidade intelectual do problema é central. A Defesa, e o Exército em particular, prefeririam lançar outra iniciativa para tentar contornar esse processo, em vez de tentar reformar o processo de aquisições e desenvolvê-lo. Seja o Fundo de Transformação da Defesa (Defense Transformation Fund),[14] ou o Fundo de Inovação da Defesa (Defense Innovation Fund),[15] A defesa tem demência nos negócios, ignorando ou esquecendo os problemas reais e tentando estabelecer ainda mais iniciativas que tentam fazer as coisas "de maneira diferente" com pouco ou nenhum foco no núcleo problema. As iniciativas acima, complementadas por atividades admiráveis, como o Experimento de Combate do Exército (Army Warfighting Experiment) ou o financiamento de Inovação e Experimentação do Comandante de Campo do Exército (Commander Field Army’s Innovation & Experimentation) geram atividade, mas não resolvem o problema central sobre como adquirimos "coisas" de maneira oportuna e eficaz. Temos uma cultura em que preferimos arriscar a vida de nossos soldados do que tomar decisões difíceis na aquisição, evitando desafiar o processo e os procedimentos que envolvem essas questões. Há uma percepção de que ninguém tem a capacidade de decidir - com aprovações, comitês, programas e governança de projetos - as responsabilidades são ainda mais ofuscadas, sufocando qualquer oportunidade de adaptação no ritmo ou responsabilização das pessoas. As opções são avaliadas quanto ao risco de fazer algo, ignorando o fato de que o risco de não fazer nada muitas vezes é igualmente significativo. Não é apenas que essa "aversão ao risco está nos exaurindo", mas também alterando nossa capacidade de tomar decisões, gerando uma cultura em que fazer a coisa mais fácil, em vez de fazer a coisa certa, é tão frequentemente escolhida.[16]

[13] Western Way of War: Bad Procurement: A Peculiarly Western Issue? Uma conversa entre o Prof Peter Roberts e o Prof John Louth, podcasts do RUSI, terça-feira, 22 de outubro de 2020, link.
[14] Mobilising, Modernising & Transforming Defence, um relatório sobre o Programa de Modernização da Defesa, link.
[15] Advantage through Innovation The Defence Innovation Initiative, link.
[16] Digital Disruption: Discurso do Major General Copinger-Syme na Conferência Inaugural do Comando Estratégico do Reino Unido no RUSI, link.

Prédio do Quartel-General do Exército Britânico em Londres.

Há uma ironia no fato de que as governanças comercial e outras usadas para garantir valor para o dinheiro dos contribuintes impulsiona tais incentivos perversos que vêem o processo como rei. Por que o Quartel-General do Exército é tão grande? Em parte porque muitas vezes o pessoal do processo é priorizado em relação ao pessoal dos cargos que oferecem qualquer oportunidade real de promover mudanças significativas. Este é um desafio de liderança, mas é marcado por uma cultura que nunca apoiou e aparentemente nunca apoiará pensadores disruptivos ou aqueles com um dom para cumprir. O programa CASTLE tem aspirações louváveis e procura identificar como desenvolvemos e empregamos o nosso pessoal corretamente, tanto para maximizar o seu potencial como para resolver os problemas acima mencionados. Precisamos ser melhores em nossos empregos e o ciclo interminável de empregar amadores talentosos evidentemente não é mais adequado. Ironicamente, mesmo o Programa CASTLE, com apoio direto do topo e em seu terceiro ano, ainda está lutando para implementar algo significativo, e certamente nada que possa diminuir a indecisão crônica no centro de como o Exército Britânico gasta seu dinheiro.

A lacuna entre dizer e fazer

É um clichê dizer que nosso ativo mais importante é nosso pessoal.[17] Um cínico diria que um general não pode falar com um tanque, portanto, é claro que dirá que o "soldado britânico é o melhor equipamento que temos", no entanto, é claro que temos uma "lacuna entre dizer e fazer"... quando as ações não correspondem às palavras, o que por sua vez 'corrói a confiança e a credibilidade' em todos os níveis.[18] O anúncio de 2018 de que as mulheres poderiam se juntar a todas as armas do Exército Britânico foi uma mensagem muito direta e clara de que não apenas apreciamos a igualdade, mas entendemos que as mulheres tornam nossas forças de combate "mais eficazes".[19] Com isso em mente, parece estranho que as mulheres no Exército Britânico ainda não tenham uniforme adequado para elas.[20] O impacto real de fazer as mulheres usarem roupas masculinas pode ser discutível, o "e daí" de não ter um colete de armadura corporal que sirva os corpos das mulheres não. Isso demonstra diretamente que não nos importamos o suficiente. Se nós, como organização, acreditamos nessa mensagem, por que ela não é sustentada por dinheiro e ação? Mensagens claras como esta foram enfrentadas por inação e uma clara incapacidade de entrega e são, portanto, um indicador chave de que o Exército Britânico tem um problema cultural. Isso pode, deveria e deve ser tratado por meio de ações diretas de liderança.

Soldados britânicas com armadura corporal para o biotipo masculino.

[17] In Front, The British Army Newsletter, Vol 3, link.
[18] Mary Foster ‘Relationship Matter. Don’t be a turkey’, outubro de 2020. War Room, US Army War College.
[19] General Patrick Sanders, Comandante do Exército de Campo (Field Army) em 2018.
[20] Kate,’Let’s talk about sex’, 13 de setembro de 2020, link.

Conclusões

O mundo interconectado permite que nosso soldado mais jovem, até nossos generais mais antigos, a oportunidade de se comunicarem com um público cada vez maior, em uma variedade de plataformas. Central para a comunicação é a linguagem - ela deve ser clara, concisa e, o mais importante, devemos entendê-la nós mesmos. Temos um problema cultural em que não estamos dispostos a abordar e enfrentar os problemas reais - esse é o verdadeiro desafio de liderança da nossa geração. Devemos ter clareza sobre os desafios que enfrentamos e nossos planos para enfrentá-los - esses desafios e planos devem ser concisos e devem ser compreendidos. Um foco implacável sobre esses desafios deve ocorrer - eles não podem ser redefinidos, reorientados ou reescritos no capricho de nossos processos ou, como tantas vezes é o caso, de nossos ciclos de postagem. Foi-nos oferecida uma verdadeira "oportunidade de ouro" para realizar uma mudança significativa com o último aumento do anúncio de financiamento, mas devemos nos responsabilizar e a única maneira de fazer isso é parar de confundir a atividade com obter resultados e efeitos adequados.[21] Habilidades relevantes, em todas as áreas críticas de Pessoas, Processos e Tecnologia, serão a chave para o caminho à frente.[22] Resolver este desafio exigirá uma direção compreensível e firme, e até que essa linguagem absurda pare é muito difícil ver como essa cultura de apatia e a desonestidade dentro do Exército Britânico jamais mudará.

[21] Boris Johnson's historic spending increase is a golden opportunity for UK defence, The Telegraph, link.
[22] The British Army’s CIO on the Internet of Things, “Buzzword Bingo”, and True Digital Transformation, link.

Vídeo recomendado:


Bibliografia recomendada:


Leitura recomendada:


Garands a Serviço do Rei, 18 de abril de 2020.





quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

ANÁLISE: Os 5 piores fuzis AK já feitos (5 vídeos)

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 10 de dezembro de 2020.

Uma análise em 5 vídeos feita pelo conselheiro técnico Vladimir Onokoy, especialista nos sistemas Kalashnikov do Grupo Kalashnikov, na Rússia. Ele fez um ranking de cinco países que produziram os piores fuzis Avtomat Kalashnikova (Fuzil Automático Kalashnikov). As posições de piores "Kalash" ficaram:

  1. Paquistão
  2. Etiópia
  3. Estados Unidos
  4. Iraque
  5. China




Transcrição do vídeo sobre os AK americanos

"Os próprios americanos entendem essa situação muito bem e zombam dos fabricantes de tais cópias vagabundas muito mais do que eu." 
- Vladimir Onokoy.

Olá e bem-vindos ao curso de palestras da Kalashnikov Media! Meu nome é Vladimir Onokoy. Hoje vamos falar sobre as cinco piores variantes do AK já feitas.

Terceiro lugar: Estados Unidos.

Pode ser uma surpresa para muitos, mas os AK também são feitos nos Estados Unidos, com dezenas de empresas os fabricando. Algumas das variantes de melhor qualidade - e, curiosamente, também algumas das piores variantes vêm de lá. Como isso aconteceu? Inicialmente, até 1989, os AK para uso civil foram vendidos nos Estados Unidos sem restrições. Esses foram feitos principalmente no Egito, Finlândia e Hungria. As pessoas estavam super interessadas nas armas soviéticas e elas eram vendidas como rapidamente.

Exemplo de um anúncio de fuzis AK finlandeses de uso civil vendidos nos EUA.

Peças típicas de um kit vendido nos EUA.

Em 1989, foi aprovada a primeira lei que regulamentava a circulação e, o mais importante, a importação dessas armas, e foi quando os kits de peças chegaram ao mercado. Basicamente, eram fuzis normais com seus receptores serrados em três lugares. Ao chegar aos EUA, eles seriam remontados com novos receptores, mantendo os munhões, grupo do gatilho e o cano. Isso significou que uma indústria totalmente desenvolvida teve de ser estabelecida muito rapidamente nos Estados Unidos para acompanhar a demanda. Como mencionei antes, em 1993, os fuzis chineses pararam de vir para os EUA, o que causou um motivo ainda maior para iniciar a produção local.

Inicialmente, as pequenas empresas, também conhecidas como lojas personalizadas (custom shops), começaram a fazer um bom trabalho e cobraram taxas especiais por isso. No entanto, em 1994, a Proibição de Armas de Assalto (Assault Weapon Ban) foi aplicada e, até 2004, a circulação dessas armas tinha sido muito limitada. Em 2004, a proibição acabou produzindo absolutamente zero resultados e, nessa época, as guerras do Iraque e do Afeganistão haviam começado. Ao voltar para casa, os veteranos muitas vezes queriam armas que haviam encontrado no campo de batalha para sua coleção doméstica. Foi assim que surgiu uma demanda considerável pela produção de fuzis AK.

Fuzis AK apreendidos no Iraque, 2010.

"Century Arms: Porque mesmo macacos alcoólatras precisam de empregos."

Como eu disse, inicialmente isso estava sendo fornecido por pequenas lojas personalizadas. No entanto, com o tempo, as pessoas entraram nesse negócio com a única intenção de ganhar dinheiro. E foi assim que algumas das piores variantes do AK surgiram. Os próprios americanos entendem essa situação muito bem e zombam dos fabricantes de tais cópias vagabundas muito mais do que eu.

Um desses infames fabricantes americanos de AK foi a empresa Inter Ordnance (IO). Eles decidiram ganhar dinheiro rápido produzindo um AK vagabundo e começaram a lançar sua versão AKM (alegadamente feita de acordo com um desenho técnico polonês). De alguma forma, esse projeto não funcionaria se um amortecedor de borracha estivesse faltando no conjunto de recuo. Na ausência de um, o conjunto do ferrolho simplesmente ficaria preso na parte de trás do receptor [caixa da culatra]. O fabricante simplesmente ignoraria as perguntas sobre se algo assim já aconteceu com os fuzis poloneses. Suas armas eram mal-feitas e com toneladas de problemas. Os ferrolhos se desintegrariam. Os rebites nos munhões costumavam ser muito defeituosos. Alguns daqueles fuzis eram tão tortos que alguém pensaria que foram projetados para atirar do canto de uma esquina. Naturalmente, depois que os clientes tiveram uma ideia do que fazia uma AK de qualidade, a IO viu suas vendas despencarem. E, no momento, eles não estão mais produzindo fuzis AK.

Sua única qualidade restante era a garantia vitalícia. Isso significava que você poderia ter sua arma de fogo reparada ou substituída gratuitamente, caso ela estragasse. No entanto, assim que pararam de fabricá-los, a garantia vitalícia também acabou. Tudo o que restou foram clientes descontentes e o merecido prêmio pelo pior AK já feito nos EUA.

Fuzil AK da IO com os cano e mira totalmente desalinhados.

Existem também muitas oficinas de garagem que montam fuzis AK a partir de peças. Onde as pessoas amam o que estão fazendo, geralmente há bons resultados. No entanto, às vezes as coisas acontecem de maneira diferente. Certa vez, um amigo meu comprou um AKMS [Avtomát Kalášnikova modernizírovannyj, AK modernizada; S de Skladnoy, dobrável/rebatível] de uma dessas [oficinas]. Depois de um tempo, coisas estranhas começaram a acontecer com ele: depois do primeiro tiro, o conjunto do ferrolho ficou preso na posição mais recuada e não havia praticamente nada que você pudesse fazer a respeito. Ele substituiu o conjunto do ferrolho, mas nada mudou. "Você é um armeiro! Faça alguma coisa", ele me disse.

Ok, comecei a investigar e não pude acreditar nas descobertas iniciais. O cão (martelo que bate no percussor) era tão grande que qualquer recuo curto ou apenas puxar o conjunto do ferrolho para trás faria o retém do conjunto prender no cão e emperrar. Achei que o motivo não poderia ter sido tão fácil. Como alguém monta um fuzil que essencialmente não pode atirar? Ou melhor, pode disparar uma vez, mas invariavelmente emperra. Acabei tendo que raspar pelo menos meio centímetro de aço do cão. Não meio milímetro. Não alguns mícrons. Meio centímetro de aço foi o que eu tive que tirar antes que a arma começasse a funcionar corretamente. Portanto, como costuma acontecer com essas oficinas de garagem, as peças que elas produzem não podem ser disparadas duas vezes seguidas. Para fazê-los atirar como pretendido, é preciso usar uma lima ou, melhor ainda, uma furadeira Dremel neles.

Vladimir na oficina Rifle Dynamics de Jim Fuller produzindo fuzis AK.

Há também uma empresa chamada Century [Arms] que importava armas estrangeiras para os EUA e montava algumas com peças importadas, e não havia problemas com elas.Em dado momento, eles decidiram que queriam fazer seus próprios AK. Agora, eles são conhecidos como "compre um e ganhe dois" - isto é, um fuzil e uma granada-de-mão. No entanto, são diferentes das granadas de mão porque podem explodir aleatoriamente, pois seus receptores costumam ser de qualidade questionável. O que é realmente surpreendente é que seus fuzis só pioram a cada nova versão.

Quem gosta de assistir a vídeos de treinadores de armas de fogo americanos pode estar familiarizado com James Yeager, que certa vez decidiu fazer um teste honesto com fuzis novos em folha da Century. O teste foi curto, pois os dois fuzis morreram após 1.500 tiros. Em um deles, era possível remover o pino que prende o cano no lugar usando apenas um martelo e uma ferramenta de punção leve. Acho que era o mesmo fuzil cujo cano se movia para frente e para trás depois de dar uma boa batida no concreto. Você poderia alterar a folga entre o cartucho e a munição nele e meio que trazê-lo de volta ao normal, quebrando a arma no chão. O cano agora vivia uma vida independente, movendo-se livremente. O treinador acabou declarando que não iria mais testar aqueles fuzis, pois as pessoas começaram a xingá-lo, e isso só iria incomodar ainda mais a empresa e os telespectadores.

Carabina Saiga em uma loja de armas americana custando 1.349 dólares.

Como resultado de tudo isso, verdadeiros conhecedores de AK nos Estados Unidos estão limitados a comprar peças importadas; antes das sanções, as nossas Saigas eram uma escolha popular. Eles estão atualmente cobrando uma pequena fortuna por eles; eu os vi custando US$ 1.300 (por volta de R$ 6.534), e os preços certamente subiram ainda mais agora. A alternativa é gastar ainda mais, cerca de 2-2,5 mil, em um fuzil personalizado montado por pessoas que realmente amam nossas armas e têm uma ideia adequada do que é controle de qualidade.

Falando francamente, a partir de 2019, nem uma única arma padrão AK atualmente produzida em massa nos EUA deveria ser chamada de Kalashnikov.

Bibliografia recomendada:

AK-47:
A Arma que Transformou a Guerra.
Larry Kahaner.

The AK-47:
Kalashnikov-series assault rifles.
Gordon L. Rottman.

Leitura recomendada:

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

FOTO: Sniper com baioneta calada

Fuzileiro naval venezuelano usando um traje ghillie e carregando um fuzil sniper Dragunov com baioneta calada, 2016.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 9 de dezembro de 2020.

O fuzil Dragunov do naval venezuelano tem uma baioneta porque os russos sempre tiveram uma atração pelo uso da baioneta e sempre enfatizaram o seu emprego em combate. O grande general russo Alexander Vasilyevich Suvorov disse "A bala é uma loucura; só a baioneta sabe o que está fazendo" e "Ataque com o aço frio! Avance com força com a baioneta!". Essa mentalidade permaneceu por muito tempo, e mesmo os fuzis de atiradores de elite mantiveram os reténs das baionetas até o século XXI.

Um dos estudos mais detalhados sobre o estilo de guerra russo foi publicado como "Baionetas antes de balas: O Exército Imperial russo, 1861-1914" (Bayonets Before Bullets: The Imperial Russian Army, 1861-1914, de Bruce W. Menning).

Cabe lembrar que o SVD (Snayperskaya Vintovka Dragunova, literalmente Fuzil Sniper Dragunov) foi o primeiro fuzil projetado para essa função ao invés de ser adaptado para ela. A Venezuela comprou um lote de mil fuzis Dragunov em 2007.

Nos anos 1920 e 30, a União Soviética iniciou um massivo rearmamento e os snipers foram um ponto focal dessa evolução. O exército, chamado na época "Exército Vermelho dos Operários e Camponeses" (Raboche-Krest'yanskaya Krasnaya Armiya, RKKA), era deixado à míngua e subfinanciado em favor das forças de segurança internas, como o NKVD (e o OGPU, que foi passado para o NKVD em 1934), que investiu pesadamente em equipamentos e treinamento para atiradores de elite nesse período, com lunetas baseadas nos modelos Zeiss. À partir de 1926 os soviéticos produziram lunetas baseadas nos modelos Zeiss-Jena e Emil Busch. À partir de 1932 os soviéticos produziram a luneta PE, uma versão melhorada do modelo Busch, e com as experiências da Guerra Civil Espanhola foi criado o modelo PEM, a melhor luneta dos snipers soviéticos. De 1932 a 1938, cerca de 54 mil lunetas foram produzidas e entregues ao exército e NKVD, e o culto ao sniper - snayperskaya - foi amplamente promovido nas forças soviéticas; todos mantendo uma baioneta.

Bibliografia recomendada:

Bayonets before bullets:
The Imperial Russian Army, 1861-1914.
Bruce W. Menning.

Out of Nowhere:
A History of the Military Sniper.
Martin Pegler.

Leitura recomendada:

GALERIA: Snipers no Forças Comando na República Dominicana, 3 de novembro de 2020.

GALERIA: Competição Jäger Shot 2020 na Alemanha, 2 de dezembro de 2020.

FOTO: Sniper separatista na Ucrânia16 de maio de 2020.

FOTO: Sniper vietnamita durante a Operação Mouette15 de outubro de 2020.

FOTO: Posto sniper na Chechênia15 de outubro de 2020.

FOTO: Tocando a baioneta28 de fevereiro de 2020.

PINTURA: Ataque à baioneta, 1915, 23 de fevereiro de 2020.