domingo, 13 de setembro de 2020

Por que a Índia poderia comprar jatos de combate Dassault de origem francesa e usados de Taiwan?

Por Smriti Chaudhary, Eurasian Times, 12 de setembro de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 13 de setembro de 2020.

Embora tenha havido relatos do plano de Taiwan para desativar seus jatos Dassault Aviation Mirage 2000 e da Índia fazendo aquisições de emergência no cenário de tensões crescentes com a China, há a possibilidade de Nova Délhi adquirir caças Mirage 2000 comprovados em batalha e se preparar para uma possível guerra em duas frentes?

Tem sido amplamente especulado, inclusive pela Military Watch Magazine, que o governo indiano poderia adquirir jatos Mirage 2000 de Taiwan, além de centenas de MICA e outros mísseis franceses que vieram com os jatos.

Os Mirage 2000 de Taiwan

As relações de Taiwan através do Estreito com a China continental têm se deteriorado com Pequim reivindicando soberania sobre a ilha e tentando fundi-la com o continente, mesmo pela força, se necessário. Tapei está cada vez mais armando suas forças com armas modernas com a ajuda de seus aliados ocidentais; especialmente os EUA, que apóia veementemente a autonomia de Taiwan.

Conforme relatado anteriormente pelo Eurasian Times, as forças armadas de Taiwan estão em sua maioria equipadas com hardware americano, incluindo caças. No entanto, a presidente taiwanês Tsai Ing-Wen contratou a Aerospace Industrial Development Corporation estatal para projetar e construir 66 novos jatos de treinamento, T-5 Brave Eagle, que também podem ser usados como um caça de ataque.

Taiwan também possui um caça de combate multifuncional fabricado pela Dassault Aviation, o Mirage 2000, adquirido há duas décadas. No entanto, desde a compra, a frota de Mirage tem sofrido de baixa prontidão operacional, altos custos de manutenção e desgaste maior do que o esperado, provavelmente devido ao clima tropical da ilha. Conseqüentemente, houve pedidos para desativar os jatos.

Os antigos Mirages de Taiwan também sofreram vários acidentes, incluindo um em 2017, que foi o sexto acidente de acordo com relatórios.

De acordo com o relatório, analistas militares disseram que a falta de manutenção da aeronave pode ser uma das principais causas dos acidentes, dado que mais do já encolhido orçamento de defesa da ilha foi destinado às armas americanas.

“[Taiwan] está sacrificando o custo mais alto de atualização e manutenção dos caças Mirage por causa de seu orçamento militar limitado”, disse Zhou Chengming, um analista militar baseado em Pequim citado no relatório.

Os caças de origem francesa de 20 anos de idade estão se tornando mais difíceis de manter e sofrem com a escassez de peças de reposição. “Taiwan pediu à França para atualizar seus Mirages em 2012, mas a França, sob pressão da China, forçou Taiwan a retirar seu pedido exigindo um preço altíssimo”, escreveu o Taipei Times em 2018.

Oportunidade para a Índia?

Com a crescente agressão chinesa na Linha de Controle Real (Line of Actual Control, LAC), a Índia aumentou sua aquisição de munições e artilharia para estar preparada caso a situação se deteriore.

A Força Aérea Indiana (IAF) possui uma variedade impressionante de caças, incluindo Sukhois, MiGs, Rafales HAL Tejas e outros caças multifuncionais, mas ainda fica aquém do número de esquadrões sancionados de 42. Atualmente, a IAF opera com apenas 28 esquadrões. O sucessor do Mirage, de fabricação francesa, já faz parte da IAF, mas a quantidade encomendada é de apenas 36 caças.

Em comparação com Taiwan, a Índia não teria que se preocupar em manter o Mirage 2000, pois tem capacidade financeira e relações militares e diplomáticas amigáveis com a França.

Tom Cooper, um autor e especialista em aviação, ficou surpreso ao ouvir relatos da mídia de Nova Délhi procurando adquirir Su-30s e MiG-29s. “Sua força aérea tem de 200 a 250 Su-30s”, apontou Cooper no Facebook. “Ainda assim, quando você quer bombardear uma gangue terrorista no país vizinho, você precisa mesmo é de um Mirage 2000 de quase 40 anos.”

Cooper se referiu aos "ataques cirúrgicos" que a Índia lançou em Balakot no ano passado, quando os caças Mirage indianos cruzaram a fronteira e lançaram bombas alegando ter destruído a infraestrutura terrorista em Balakot, uma afirmação rejeitada veementemente pelo Paquistão.

A operação foi realizada na sequência do ataque a Pulwama, no qual 40 membros da Força Policial da Reserva Central (CRPF) foram mortos. As fontes disseram então que a aeronave multifuncional Mirage 2000 foi escolhida para o ataque por sua capacidade de acertar alvos com uma precisão exata ("pin-point").

Mesmo antes do ataque em Balakot, o Mirage 2000 provou sua força nas montanhas geladas de Kargil. “O Mirage 2000 provou ser uma virada de jogo na Guerra Kargil, pois seu desdobramento pela IAF distorceu a assimetria dos meios militares a nosso favor”, disse um alto oficial da IAF ao jornal PTI.

“O uso do Mirage 2000, carregando LGB (bombas guiadas a laser) tirou nossa operação do envelope de um Stinger, e o adversário teve que mudar de tática e isso provou ser uma virada de jogo”, disse o oficial.

O Mirage 2000 é um caça monomotor capaz de lançar bombas e mísseis, incluindo bombas guiadas a laser. A IAF também está procurando aumentar as capacidades integrando os três esquadrões existentes do Mirage 2000 com o míssil Meteor.

“O Meteor no Mirage é algo que estamos analisando profundamente. Quando o acordo de atualização foi assinado com a Dassault Aviation para os Mirages, o Meteor ainda estava em fase de desenvolvimento. E, portanto, este seria um novo negócio. Estamos analisando a relação custo-benefício e outras questões”, disse uma importante fonte da IAF no ano passado.

“Não há nenhuma classe de mísseis no Paquistão e na China que possa se igualar ao Meteor neste momento. No entanto, a China está investindo pesadamente em mísseis de cruzeiro indígenas e mísseis de longo alcance. Qualquer míssil que a China fabrique acabará caindo nas mãos do Paquistão”, disse outra fonte da IAF.

Se Taiwan e a Índia decidirem comprar os Mirages taiwaneses, isso certamente fortalecerá sua já abrangente frota de caças. Poderiam ser levantadas questões sobre a compra de caças de "segunda-mão", mas esta não será a primeira vez que Nova Délhi considerará uma proposta como esta.

Em 2006, a Índia queria comprar jatos de combate usados da França e do Catar. O então Air Chief Marshal SP Tyagi disse que a Índia queria comprar cerca de 40 jatos, incluindo uma dúzia do Catar e o restante da França, e que Nova Délhi já estava em negociações com autoridades francesas. A decisão veio depois que os EUA concordaram em fornecer ao Paquistão novos caças F-16.

Analistas observaram que adquirir a frota taiwanesa de caças Mirage 2000 proporcionaria à IAF um meio de baixo custo de aumentar sua frota para atender às atuais metas de expansão para conter a agressão chinesa na fronteira.

Embora os jatos indígenas da Índia tenham sido aprovados para produção em massa, a produção lenta pela estatal Hindustan Aeronautics Limited (HAL) abre a oportunidade para pelo menos uma solução temporária para as ameaças atuais contra a China e o Paquistão.

Bibliografia recomendada:


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Tanques, navios e fuzis de assalto: a Índia ainda compra a maior parte de suas armas da Rússia25 de fevereiro de 2020.

Forças aéreas asiáticas recrutam mulheres pilotos de caça, 19 de fevereiro de 2020.

A Índia pode vencer a China em uma guerra de fronteira?21 de junho de 2020.

O T-14 Armata para a Índia?13 de setembro de 2020.

Exército indiano revisa seleção e treinamento de Operações Especiais, 22 de junho de 2020.

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A guerra no Estreito de Taiwan não é impensável2 de junho de 2020.

Golpe no Mali: Barkhane à prova?

 

Entrevista do Tenente-Coronel Michel Goya ao Institut Montaigne, 2 de setembro de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 13 de setembro de 2020.

Em 18 de agosto, um golpe de Estado foi perpetrado pelas Forças Armadas do Malinenses e resultou na derrubada do presidente Ibrahim Boubacar Keita, no poder desde 2013. Se as consequências desse golpe, aparentemente apoiado pela população, sobre o estabilidade política do país será revelada a longo prazo, qual poderia ser o impacto sobre a operação francesa Barkhane? Lançada em 2014 em parceria com os países do G5 Sahel (Burkina Faso, Mauritânia, Níger, Chade, Mali), a operação teve como objetivo lutar contra grupos jihadistas armados no Sahel. Michel Goya, historiador e ex-oficial das Troupes de Marine (Tropas Navais do Exército), nos decifra a nova situação do quadro de operação das forças francesas.

Qual foi o impacto dos eventos das últimas semanas no Mali na Operação Barkhane? Em novembro de 2019, você descreveu essa operação como "bloqueada, mas essencial". Que tal hoje?

O golpe de estado de 18 de agosto de 2020 em Bamako dá a sensação de um "retorno ao futuro". O Mali está de fato na mesma situação em que se encontrava durante o golpe de estado de março de 2012, que resultou na saída do Presidente Touré. Do ponto de vista da segurança, a diferença é que, entretanto, várias operações militares internacionais foram acumuladas: a missão de treinamento da União Europeia no Mali (EUTM), a missão de estabilização integrada multidimensional das Nações Unidas no Mali (MINUSMA), então a força conjunta dos cinco estados do G5 do Sahel. Esperávamos mais ou menos abertamente em Paris que cada uma dessas operações nos permitisse sair do Mali depois do sucesso da Operação Sérval no primeiro semestre de 2013. Na verdade, aconteceu o contrário, cada uma dentre elas, em última análise, necessitou de forças francesas, de longe as mais eficazes no Mali. A Barkhane, que também tem seus limites e restrições, permite conter os grupos armados jihadistas, sem poder reduzi-los completamente, porque as fontes de sua força se encontram nas insuficiências do Estado malinense.

A saída repentina da Barkhane colocaria todos os outros atores da segurança, em particular as Forças Armadas Malinenses (Forces Armées Maliennes, FAMa), em dificuldades. A dificuldade pode ser um forte incentivo à evolução e poderíamos considerar a retirada francesa ou a ameaça de retirada como uma forma de pressionar as autoridades malinenses a fazerem as mudanças necessárias. Ainda precisa haver autoridades e um Estado.

Tudo o que se pode esperar do desenvolvimento da situação em Bamako é que isso permitirá uma renovação da classe política malinense e, em última instância, o estabelecimento de uma verdadeira autoridade reformadora. Nesse ínterim, a retirada repentina das forças francesas apenas aumentaria a dificuldade. Não é mencionado em lugar nenhum e, na verdade, não muda muito para a situação militar.

Soldado chadiano e operador das forças especiais franceses em um posto de controle no Mali. As forças especiais francesas estabeleceram 7 destacamentos de ligação e apoio (détachements de liaison et d’appui, DLA) no seio de batalhões africanos da MINUSMA.

O golpe de estado no Mali terá impacto na cooperação com o G5 Sahel? Ele também poderia colocar em questão o apoio europeu por meio da força-tarefa Takuba?

Os governos do G5 Sahel dificilmente podem endossar um golpe de Estado em seu seio, especialmente porque todos temem que sejam também vítimas dele. Neste caso, a organização regional considerada a mais legítima para intervir nos assuntos internos e ajudar no retorno da estabilidade política do Mali no quadro das instituições democráticas é a Comunidade Econômica dos Estados Africanos de Oeste (Communauté économique des États de l’Afrique de l’Ouest, CEDEAO). Já foi a CEDEAO que acompanhou a transição após o golpe de 2012, apoiada por outras organizações internacionais e pela França.

No futuro imediato, a gestão internacional desta crise é delicada, entre a necessidade de exercer pressão sobre a junta que tomou o poder por meio de várias sanções ao país e a necessidade de ainda não enfraquecer o mesmo país. De acordo com uma lei federal que teoricamente proíbe qualquer assistência a um governo não eleito democraticamente, os Estados Unidos suspenderam a ajuda militar ao Mali e a União Europeia fez o mesmo suspendendo a missão de treinamento EUTM. Pelo contrário, a França está pressionando para não modificar a cooperação militar e a força-tarefa Takuba está integrada à Operação Barkhane. Portanto, não deve ser afetado em princípio, mas talvez pela possível relutância de algumas nações europeias em aderir a ele, tendo em vista a nova situação.

Os golpistas têm mais chances de conseguir pacificar o norte do país do que o governo anterior de Ibrahim Boubacar Keita ou, ao contrário, a instabilidade política causada pelo golpe tornará o país ainda mais vulnerável aos grupos terroristas?

No imediato, o golpe de estado terá sem dúvida o efeito de coibir a ação das FAMa, enquanto se aguarda a estabilização política, ao invés de estimulá-la. Estimulá-la provavelmente não produziria grandes resultados operacionais. Por enquanto, as unidades das FAMa são fortes e éticas apenas quando acompanhadas por conselheiros, solução que poderia ter sido adotada há muito tempo se não houvesse a barreira da suscetibilidade nacionalista. No entanto, como o ciclo de formação da EUTM se encontra paralisado e este apoio, pelo menos europeu, está comprometido, não devemos esperar grandes mudanças no terreno.

Estimular a mudança seria, por outro lado, interessante se conduzisse a uma profunda reforma das FAMa, de forma a melhorar o seu recrutamento, financiamento, adaptação ao terreno, mas sobretudo o comando e o comportamento. Quando o Estado malinense tiver batalhões fortes o suficiente para não temer ninguém em combate, legítimos o suficiente para serem aceitos pela população e grandes o suficiente para garantirem a segurança real, a situação local e até regional mudará dramaticamente. Ainda estamos longe disso.

Recorde-se que foi durante este período de transição e negociações políticas que se seguiu ao golpe de estado de 2012 que o Movimento Nacional para a Libertação de Azawad (Mouvement national de libération de l’Azawad, MNLA) proclamou a independência do norte do país antes de ser expulso por grupos jihadistas. Então, como agora, foi a impotência do Estado que provocou o golpe, que por si só agravou ainda mais a paralisia.

Tudo isso implica uma redefinição da visão da França e da sua estratégia na região, que não deve impedir os esforços locais de estabilização, foco na Al-Qaeda no Magrebe Islâmico (Al-Qaïda au Maghreb islamique, AQIM), seu verdadeiro inimigo na região, e quanto ao resto, seja o protetor de último recurso.

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França: A longa sombra dos ataques terroristas de Saint-Michel2 de setembro de 2020.

Dez milhões de dólares por miliciano: A crise do modelo ocidental de guerra limitada de alta tecnologia23 de julho de 2020.

O desafio estratégico do Irã e da Venezuela com as sanções

Por Joseph M. Humire, The Hill, 31 de agosto de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 13 de setembro de 2020.

Em qualquer outro ano, a recente afirmação do presidente colombiano Ivan Duque de que a Venezuela está procurando ativamente adquirir mísseis de médio e longo alcance do Irã, o principal país patrocinador do terrorismo no mundo, seria as principais manchetes nos Estados Unidos.

Mas 2020 não é um ano comum. Além da pandemia, este é um ano de eleições e a maioria dos americanos está preocupada com política. Muitos estão preocupados com as revoltas sociais em curso. Os inimigos da América no exterior, a saber, Irã e Venezuela, estão prestando atenção à dinâmica interna dos EUA e procurando capitalizar numa oportunidade.

Esse momento pode chegar em 18 de outubro, quando o embargo de armas de 13 anos ao Irã está para expirar. A administração Trump antecipou este momento, mas foi negada uma extensão do embargo no Conselho de Segurança das Nações Unidas (United Nations Security Council, CSNU); agora solicitou que o conselho invoque a cláusula “snapback” do acordo nuclear de 2015 com o Irã. A Resolução 2231 do CSNU, um documento separado e independente do acordo político do Plano Global de Ação Conjunto (Joint Comprehensive Plan of Action, JCPOA), não apenas estenderia o embargo de armas, mas também restabeleceria todas as sanções anteriores à República Islâmica.

Enquanto a batalha legal segue no Conselho de Segurança, o Irã está elaborando um desafio estratégico à ameaça de sanções, sinalizando uma potencial transferência de armas para o regime mais brutal do hemisfério ocidental - o de Nicolás Maduro na Venezuela.

O governo de Maduro é responsável pela pior crise humanitária da América Latina na história moderna. Pelo menos 5,2 milhões de venezuelanos fugiram do país desde 2014, tornando-se o segundo maior fluxo de refugiados. Muitos estão fugindo da repressão, destacados em relatórios recentes de Direitos Humanos das Nações Unidas, citando mais de 8.000 assassinatos extrajudiciais desde 2018. Mas muitos mais estão fugindo das difíceis condições econômicas; os venezuelanos sofrem com a escassez em massa de alimentos, remédios e até mesmo de combustível, apesar de estarem em algumas das maiores reservas de petróleo do mundo.

Soldados do Exército da República Islâmica do Irã marchando em frente aos comandantes de mais alto escalão das Forças Armadas da República Islâmica do Irã durante o desfile da Semana da Defesa Sagrada, em 22 de setembro de 2011.

O Irã usou a crise de combustível na Venezuela como uma oportunidade para testar sua estratégia de resistência a sanções. Em um ato de desafio às sanções americanas, o Irã enviou vôos para a Venezuela pela Mahan Air, bem como navios da IRISL e vários técnicos de sua Companhia Petroquímica Nacional (National Petrochemical Company, NPC). Todas são entidades estatais ou controladas pelo Estado iraniano, sancionadas pelos EUA por atividade de dupla utilização com o exército clerical do Irã, o Corpo de Guardas Revolucionários Islâmicos (IRGC).

A presença do IRGC na Venezuela não é nova. Eles vêm construindo uma rede secreta de aquisição e proliferação na Venezuela há pelo menos 15 anos por meio de vários projetos militares opacos com a indústria de defesa da Venezuela, CAVIM. No entanto, 2020 é o ano em que a presença militar do Irã emergiu das sombras em um esforço para legitimar sua pegada na Venezuela. Enviando combustível, alimentos, técnicos e até mesmo abrindo o primeiro supermercado iraniano na capital, Caracas, o Irã tornou visível uma rede antes secreta gerenciada pela Força Quds do IRGC.

O Irã diz que isso é simplesmente apoio a um parceiro necessitado. Na realidade, este é um balão de ensaio para o que virá se o embargo de armas da ONU for levantado.

O Irã testou a resposta da América e a reação da comunidade internacional às violações das sanções claras no verão passado com os embarques de combustível para a Venezuela. O regime de Maduro, ele próprio cada vez mais isolado e sancionado pela comunidade internacional, recebeu este combustível com uma tremenda fanfarra e propaganda. No entanto, isso teve um custo para Teerã, porque os EUA foram capazes de apreender o conteúdo de outros quatro navios-tanque com bandeira liberiana do Irã que tentaram escapar da detecção durante a rota para a Venezuela. Foi a maior apreensão americana de combustível iraniano até hoje, de acordo com o Departamento de Justiça.

Mas o Irã encontrou uma receita para explorar uma brecha na armadura americana ou das sanções internacionais - uma narrativa de vitimização ampliada com apenas uma dose de provocação militar.

Guarda Nacional Bolivariana (GNB) durante a cerimônia de ativação do novo Comando de Operações Especiais "General em Chefe Félix Antonio Velásquez", 17 de agosto de 2017.

Durante a maior parte de 2020, o Irã e a Venezuela vêm construindo uma narrativa de vitimização conjunta, sugerindo que eles sofrem "sanções injustas" e vão resistir juntos contra a "pressão máxima" dos EUA. No entanto, ambos conseguiram usar a pandemia do coronavírus como uma desculpa para reprimir a oposição interna e reprimir os cidadãos, enquanto os dois países se engajam em conversações estratégicas em vez de atender às necessidades de seus povos.

Essa narrativa de vitimização tem o objetivo de enganar a comunidade internacional, deslegitimar o uso de sanções e pintar os Estados Unidos como o agressor.

Se for bem-sucedido, no final de outubro, o Irã provavelmente aumentará as apostas ao tentar enviar mísseis de médio e longo alcance ao regime de Maduro para provocar uma espécie de impasse das sanções entre os Estados Unidos e as Nações Unidas - um movimento que Maduro insinuou quando ele disse que comprar mísseis iranianos é "uma boa idéia". O cálculo é tentar encurralar o presidente Trump e os Estados Unidos.

Se os EUA usassem força militar para interceptar um carregamento de armas iraniano para a Venezuela, aplicando sanções de forma eficaz, isso poderia ser percebido pela comunidade internacional como um ato de guerra. Se o governo Trump não fizesse nada e os mísseis iranianos chegassem a um local a apenas 1.600 milhas da Flórida, isso poderia custar votos ao presidente em um estado decisivo em novembro.

Independentemente disso, o Irã e a Venezuela parecem ter decidido tentar forçar a mão de Trump nesta batalha aparentemente perde-perde, a menos que a comunidade internacional entenda que o desafio do Irã às sanções não é apenas contra os Estados Unidos - é contra a paz e a segurança internacionais.

Joseph Humire é diretor executivo do Centro para uma Sociedade Livre Segura e co-editor de “A Penetração Estratégica do Irã na América Latina” (Iran’s Strategic Penetration of Latin America, Lexington Books, 2014).

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Poderia haver uma reinicialização da Guerra Fria na América Latina?4 de janeiro de 2020.

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Um olhar mais profundo sobre a interferência militar dos EUA na Venezuela, 4 de abril de 2020.

Quando a China se instala na América Latina, 30 de agosto de 2020.

Os Mercenários e o Ditador: Ex-Boinas Verdes americanos são condenados por golpe fracassado quixotesco na Venezuela, 9 de agosto de 2020.

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O mesmo de sempre: o oportunismo pandêmico da China em sua periferia20 de abril de 2020.

FOTO: Vietnamitas na terra khmer

Exército Popular Vietnamita em Kampong Cham antes da sua retirada do Camboja, 1989.

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L'Utopie Meurtrière:
Un rescapé du génocide cambodgien témoigne.
Pin Yathay.

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Os amantes cruéis da humanidade, 5 de agosto de 2020.

A guerra de fronteira com o Vietnã, uma ferida persistente para os soldados esquecidos da China7 de janeiro de 2020.

A Guerra Sino-Vietnamita de 1979 foi o crisol que forjou as novas forças armadas da China1º de maio de 2020.

FOTO: Forças Especiais da Real Gendarmeria do Camboja8 de fevereiro de 2020.

Viva Laos Vegas - O Sudeste Asiático está germinando enclaves chineses13 de maio de 2020.

GALERIA: O Exército Real da Tailândia e a Indianhead no exercício Cobra Gold15 de agosto de 2020.

O T-14 Armata para a Índia?

T-14 Armata.

Por Smriti Chaudhary, Eurasian Times, 31 de agosto de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 13 de setembro de 2020.

Os tanques russos T-14 Armata são a "melhor escolha" para substituir os antigos T-72 à medida que as tensões entre Índia e China aumentam?

As tensões entre a Índia e a China não vêem sinais de deflação e as últimas notícias sobre confrontos entre os dois lados têm adicionado combustível ao fogo. A Índia tem adquirido artilharia militar para qualquer possível conflito de fronteira com a China desde os confrontos no vale de Galwan. O tanque T-14 Armata da Rússia, que estará à venda em 2021, será a próxima compra para a Índia?

O T-14 é parte da plataforma padronizada sobre lagartas pesada da Armata, que serve como base para desenvolver o tanque de batalha principal, um veículo de combate de infantaria, um veículo blindado de transporte de pessoal e outros veículos blindados.

Possui equipamento totalmente digitalizado, uma torre não-tripulada e uma cápsula blindada isolada para a tripulação. O ministro da Indústria e Comércio da Rússia, Denis Manturov, havia anunciado anteriormente que já estavam recebendo pedidos de tanques T-14 Armata de vários clientes estrangeiros.

Os especialistas acreditam que, além da Índia, existem poucos países que podem lidar com a "sofisticação do Armata".

Carro de combate principal T-90.

“Eu apontaria os Emirados Árabes Unidos e o Egito como dois clientes em potencial que têm experiência no uso de hardware sofisticado americano, europeu e russo. A Argélia também pode ser um destino potencial, visto que já possui um sofisticado hardware militar russo, como o recém-entregue veículo anti-tanque Terminator”, disse Samuel Bendett, especialista em forças armadas russas do think tank Centro de Análises Navais dos EUA para a Forbes. “Finalmente, a Índia é um destino importante para a alta tecnologia militar russa, como o tanque T-90.”

A alta dependência da Índia da indústria russa é visível, pois 86% dos equipamentos, armas e plataformas atualmente em serviço militar na Índia são de origem russa, de acordo com um documento de trabalho do Stimson Center, de Sameer Lalwani. Países como Bielo-Rússia, Egito, Índia e Vietnã também são clientes regulares das indústrias russas.

É questionável se a China compraria o T-14, já que a fabricante de armas chinesa Norinco afirma que seu VT-4 é superior ao Armata. “A transmissão do T-14 não está bem desenvolvida, como vimos através de um mau funcionamento ocorrido durante um ensaio antes do desfile de 9 de maio. Em comparação, o VT-4 nunca encontrou esses problemas até agora”, disse a Norinco no artigo do WeChat. “Nossos tanques também têm sistemas de controle de fogo de classe mundial, que os russos ainda estão tentando alcançar.”

Visão de cima do protótipo do T-14 Armata.

“Outra questão importante é o preço - o T-14 tem um preço tão alto quanto o M1A2 Abrams dos Estados Unidos... Por que os compradores não consideram os tanques chineses que possuem tecnologias e equipamentos bem desenvolvidos, assim como preços muito mais baixos?” continuou.

O T-14 Armata foi demonstrado pela primeira vez durante o Desfile do Dia da Vitória em [9 de] maio de 2015 em Moscou. A produção real dos tanques foi atrasada. Os primeiros nove T-14 Armata foram originalmente planejados para serem entregues às Forças Terrestres Russas (RGF) em 2018. Esta data foi então adiada para 2019 e depois para 2020.

O Exército indiano está procurando adquirir 1770 veículos de combate futuros multifuncionais (future ready combat vehicles, FRCV) para substituir a força envelhecida dos tanques de batalha principais T-72 (MBT) e os tanques T-14 Armata podem ser uma opção atraente, de acordo com especialistas. Agora, com as tensões em curso entre a Índia e a China, e Nova Délhi buscando estreitar os laços com Moscou, é a oportunidade perfeita para adicionar os mais recentes tanques Armata à frota indiana.

Bibliografia recomendada:

TANKS: 100 Years of Evolution,
Richard Ogorkiewicz.

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Tanked Up: Carros de combate principais na Ásia12 de agosto de 2020.

"Tanque!!": A presença duradoura dos carros de combate na Ásia6 de setembro de 2020.

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A China lançou peças de artilharia e paraquedistas perto da fronteira indiana usando avião Y-20

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 13 de setembro de 2020.

No dia 8 de setembro, conforme noticiado pela mídia chinesa, as forças armadas chinesas concluíram seu primeiro lançamento aéreo de equipamento pesado do avião de transporte Y-20 durante um exercício de treinamento de combate na área do planalto tibetano, perto da sua fronteira com a Índia. A ação chinesa ocorre em um momento em que as tensões com a Índia aumentaram drasticamente. Na noite de 7 de setembro, soldados indianos e chineses trocaram tiros perto do Lago Pangong Tso, na seção oeste da fronteira entre a China e a Índia, em meio a acusações de transgressão da fronteira de ambos os lados.

Durante este treinamento de fogo real, a aeronave Y-20, com peso máximo de decolagem de 200 toneladas, lançou continuamente várias peças de equipamento pesado, incluindo lançadores de foguetes de múltiplos tubos (Multi-Barrel Rocket LauncherMBRL) de 107mm, veículos paraquedistas Tipo 03 (ZBD-03) e veículos blindados. Quando o equipamento pousou no solo, centenas de pára-quedistas saltaram da aeronave, conforme informado pelo China Military, o site oficial do Exército de Libertação do Povo Chinês (PLA).

O avião chinês Y-20 se prepara para seu primeiro lançamento aéreo pesado na região do planalto tibetano. (Ministério da Defesa chinês)

O MBRL é caracterizado por um poder de fogo leve e forte, tem um alcance máximo de cerca de 8km e é uma das principais armas de apoio para forças de resposta rápida, como tropas aerotransportadas, afirmou o PLA.

Segundo o especialista da Força Aérea do PLA, Fu Qianshao: 

"Para entregar materiais e equipamentos com precisão a um destino de uma altitude de centenas de metros ou até mais, a aeronave e o pessoal envolvido devem estar totalmente equipados e altamente qualificados. O lançamento paraquedista é um sistema técnico altamente sofisticado de uma quantidade intensiva de tecnologias, incluindo sistemas de carga e descarga a bordo, sistemas de pára-quedas, sistemas de frenagem, etc; bem como o próprio equipamento de lançamento aéreo”.

Mapa do planalto tibetano.

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As Forças Armadas chinesas têm uma fraqueza que não podem consertar: nenhuma experiência de combate26 de janeiro de 2020.

O primeiro salto da América do Sul13 de janeiro de 2020.

ENTREVISTA: O 1° Grupo de Aviação de Caça nos céus da Itália

O dia 22 de abril de 1945 foi o dia com o maior número de missões de combate do 1º GAvCa, 44 missões de guerra destruindo mais de 100 alvos em um único dia, sendo celebrado até hoje no Brasil como o Dia da Aviação de Caça. (Arte de Gino Marcomini)

"O Brasil Brilhou!"

Eis o que afirma o major John W. Buyers, piloto que esteve com o primeiro grupo de caças brasileiros na Itália em 1944-45.

Major John William Buyers, 08 de janeiro de 1920 – 23 de abril de 2016.
(Foto de Lucas Pires)

John Buyers tem nome de norte-americano, mas nasceu em Juiz de Fora (MG) e morou até os 19 anos no Brasil. No entanto, teve formação militar nos EUA. Nacionalidade? Dupla: brasileira e americana. O Major Buyers, como é chamado hoje, foi um dos muitos pilotos de caça que estiveram na Segunda Guerra Mundial. Foi enviado para a Itália com os pilotos brasileiros. Na verdade, quando na Aeronáutica americana, em 1942, veio ao Brasil trazer aviões e acabou incorporado às forças armadas nacionais. Em contato com o pessoal brasileiro, fez amizades e, por falar português, seguiu junto para Aguadulce, Panamá, onde os pilotos tupiniquins foram treinados e, posteriormente, enviados à Itália. Como ele mesmo se definiu, era um "quebra-galho", mas, mesmo assim, fez missões aéreas e ajudou nas operações do esquadrão "Senta a Púa!", sobre o qual escreveu o livro "A História do 1º Grupo de Caça 1943/1945", lançado [em 2004]. Na entrevista [à revista] Conhecer Fantástico, o major fala sobre a experiência junto aos brasileiros e conta histórias vividas na Itália pelos pilotos da FAB.

Conhecer Fantástico: Como começou sua atuação junto ao Brasil na guerra?

John Buyers: Quando terminei o treinamento em aviação nos EUA, pediram sete voluntários que falassem espanhol. Meu nome já estava na lista, pois eles não sabiam a diferença do português para o espanhol. Pensávamos que iríamos para as Filipinas, mas acabamos no Rio de Janeiro.

O Senta Púa na Itália.

CF: Com qual intuito?

JB: A missão era transportar aviões para o Brasil A FAB tinha pouco mais de um ano, uns 200 pilotos e 200 oficiais administrativos e o país não tinha dinheiro para comprá-los. Mas os EUA precisavam enviar aeronaves para a Europa e a África e o caminho era pelo Nordeste brasileiro. Pelo Norte, não dava: com seis a sete meses por ano de mau tempo, perdiam-se muitos aviões. Então, fizeram um acordo com o Brasil, que permitiu que fossem construídas bases na região para os norte-americanos poderem operar. Essas bases foram estabelecidas no Amapá, em Belém, São Paulo Luiz, Fortaleza, Natal, no Recife, em Maceió e na Bahia, 25 no total. Era um movimento colossal nas bases. Em Natal, por exemplo, passavam até 300 aviões por dia indo para a África.

CF: Vieram e ficaram?

JB: Viemos num total de 10 aviões, com um piloto e um mecânico ou especialista em rádio. Ficamos no Recife, eu e mais dois pilotos, além dos mecânicos, porque os aviões mais avançados estavam todos lá. Foi quando resolveram organizar o primeiro grupo de caça, sob orientação dos norte-americanos, que substituíram os franceses quando estes voltaram para a Europa com o início da guerra.

CF: Como surgiu a idéia ou a necessidade de pilotos brasileiros irem à guerra?

JB: Os EUA queriam, naturalmente, que o Brasil se envolvesse na guerra porque buscavam implantar o sistema militar que lhes correspondesse, o que facilitaria numa futura guerra. Era essa a atitude norte-americana, mas Vargas não queria entrar no conflito. Foi forçado porque os alemães e italianos começaram a afundar navios brasileiros. O alemão considerou uma afronta o fato de o Brasil ter feito um contrato com o norte-americano de deixar os aviões passarem pelo país.

Militar brasileiro posando ao lado do famoso emblema "Senta a púa!".

CF: E dentro da sua convivência ali no Nordeste, o que o senhor via se a população brasileira estava esperando pela guerra?

JB: O Brasil não queria entrar na guerra. O Getúlio tinha uma opinião, ele dizia assim: "Em briga de cachorro grande, cachorro pequeno não entra". E considerava o país não-apto a entrar numa guerra. O que queria era tirar vantagem, ou seja, vender o que os países em conflito precisavam, como cristal de rocha que o Brasil exportou, e era muito necessário para a fabricação dos rádios.

CF: Qual foi o caminho dos pilotos brasileiros até a Europa em condições de combate? O senhor esteve com eles?

JB: Em primeiro lugar, fomos para o Panamá, para a base aérea de Aguadulce, onde havia uma escola de treinamento de pilotos de caça, que formava de 40 a 50 pilotos por mês. Lá, fizemos m treinamento em conjunto e foi aí que os pilotos brasileiros aprenderam o sistema norte-americano de vôo, treinamento intensivo de vôo rasante, bombardeio, carga, tiro ao alvo etc. O grupo avançado, composto por 10 ou 15 pessoas, acabou indo para Orlando fazer um treinamento para pilotos de caça, aprendendo as táticas utilizadas na Europa, na África e na Ásia.

O então Capitão John W. Buyers, da USAAF, era o oficial de ligação entre o 1° Grupo de Caça da FAB e os americanos.

CF: Chegando à Itália, os brasileiros estavam de fato preparados para a guerra?

JB: Foi uma surpresa para os norte-americanos que os pilotos brasileiros estavam não somente muito bem treinados, como também tinham tido treinamento e experiência aqui no Brasil sem a estrutura de aviação com que o norte-americano contava. Não se tinha mapas, rádios, nada. Costumo dizer que aprendi a pilotar na América do Norte, mas aprendi a voar no Brasil. O norte-americano que estava em combate pilotava, mas não sabia voar, e o brasileiro chegou sabendo pilotar e voar.

CF: Então, é verdade que os pilotos brasileiros eram muito bons tecnicamente?

JB: Vou dar um bom exemplo. Os brasileiros tiveram de se virar sozinhos, mas, como estavam bem-treinados e eram bons mesmo, organizaram-se e começaram a fazer missões, e os norte-americanos: "pô,  chegaram aqui hoje e já estão fazendo isso, destruindo aquilo, atirando naquilo...". Eles achavam que estávamos mentindo e, então, mandaram instalar uma máquina fotográfica especial nos nossos aviões. Quando o piloto brasileiro jogasse as bombas, ele tinha de passar por cima e fotografar o alvo para comprovar o que estava dizendo. Depois de uma semana, mandaram retirar as máquinas. Eles viram que era verdade.

CF: O senhor foi para a Europa basicamente, digamos, liderando o esquadrão brasileiro nessa ligação com as demais tropas aliadas?

JB: Minha função era quebrar galho. Se houvesse algo que estava atrapalhando, eu tinha que providenciar que aquilo fosse eliminado. Minha instrução era intermediar, pois ninguém queria norte-americano se metendo e criando caso com brasileiro. Quando chegamos, fui me apresentar ao comandante para informá-lo de que eu também era um oficial. Ele me olhou e disse: "Olha, eu só tenho tido problemas aqui e não pedi esse pessoal. Não quero mais problema por aqui". Level um choque e respondi: "O senhor não conhece os brasileiros, mas vou dizer uma coisa: um dia o senhor vai ter orgulho de os ter tido sob seu comando". Ele disse apenas "I hope so" (Espero que sim).

CF: Quando chegaram à Itália? Como foi o contato com o terreno de guerra?

JB: Chegamos em outubro de 1944 e o exército brasileiro já estava lá. Foi um choque para nós. Éramos jovens, cheios de idéias e não tínhamos a mínima noção do que era uma guerra. Quando chegamos num porto todo arrebentado, o navio não podia passar porque os alemães tinham afundado outras embarcações na passagem e colocado minas dentro. Tiveram de explodir as bombas para o navio passar, com apenas um metro de cada lado livre.

Limpeza de armamento em um P-47 Thunderbolt na Itália.

CF: E a guerra em si, o que se pode fizer da atuação dos pilotos brasileiros?

JB: Não há dúvidas de que o Brasil brilhou. Os norte-americanos desconheciam os brasileiros, mas não houve nenhum atropelo. No começo, naturalmente, estranharam, mas, quando perceberam que os brasileiros eram eficazes, empurraram para eles o que puderam. Uma vez, o grupo de caça brasileiro descobriu que uma tropa norte-americana já havia rompido as linhas do domínio alemão e estava a mais de 60 milhas dali. Os norte-americanos do exército não sabiam e estavam lá com os tanques atacando os próprios companheiros porque, por uma questão de posição, as montanhas interferiram nas comunicações de rádio e não foi possível avisar. O quartel general norte-americano não sabia que eles já tinham avançado e estavam mandando fogo. Foram os brasileiros que descobriram e avisaram.

CF: Os brasileiros salvaram os norte-americanos de um erro crasso, então?

JB: Foi um acontecimento fantástico. O coronel norte-americano que, logo de início, disse que não queria ter problemas com os brasileiros, me telefonou pedindo pra ir falar com ele e me disse: "Olha, jovem, estou satisfeitíssimo com os pilotos de caça brasileiros. É o melhor grupo que eu tenho, tanto que recomendei a Presidential Unit Citation para eles". Eu caí pra trás, não tem condecoração na força aérea norte-americana mais elevada do que essa, pois representa o presidente da república falando. Na época, foi negado porque era somente para a tropa americana, mas, 40 anos depois, em 1986, um comandante em Cabo Canaveral, amigo de meu irmão, a pedido meu, voltou a fazer a recomendação. O ex-presidente Ronald Regan assinou e o Brasil recebeu. Só duas unidades estrangeiras ganharam: uma inglesa* e a brasileira.

A PUC é representada simplesmente por uma barreta, sem medalha.

*Nota do Warfare: Os Esquadrões Nº 2 e 13, da Força Aérea Real Australiana foram condecorados com a Distinguished Unit Citation pelo seu serviço na área do Timor, de maio a outubro e de agosto a setembro de 1942, respectivamente. Apesar de ter sido concedida em outubro de 1942, a citação não foi oficialmente apresentada aos Esquadrões até maio de 1990. A Menção de Unidade Distinta (Distinguished Unit Citation) foi redesignada após a Segunda Guerra Mundial como Menção de Unidade Presidencial (United States Presidential Unit Citation, PUC).

CF: E como eram as missões realizadas pelos pilotos? E os alvos?

JB: Os norte-americanos decidiam e comandavam as missões, que eram distribuídas para o comandante do nosso regimento, o 350, que redistribuía entre os quatro grupos de caça que comandava - três norte-americanos e um brasileiro. Eram alvos estratégicos. Atuávamos para estrangular, mas não tínhamos nenhuma noção naquele tempo. Os inimigos só tinham um meio de trazer munição e suprimentos: por comboios. Então, íamos todos os dias atacar para impedir a chegada deles. Em determinado ponto, os alemães, em de vez de terem 200 ou 300 comboios chegando com munição, só tinham sete ou oito. Acabaram se rendendo.

CF: E combate aéreo, chegou a acontecer?

JB: Nós não tivemos, mas estou descobrindo agora com a história do 350 que o comandante norte-americano sabia que os alemães estavam atacando somente os aviões P-25, que bombardeavam as fábricas. Os P-25 eram muito mais perigosos para os alemães do que os caças. Então, eles estavam concentrando a defesa a esse tipo de ataque. Deram a nós a oportunidade de entrar em combate aéreo dando escoltas, mas os alemães nunca atacaram os brasileiros.

CF: Os brasileiros tinham algum jeito de lidar com a guerra, eram mais bem-humorados, tinham mais medo?

JB: Eles eram realmente bons. Jogavam bomba como todo mundo, mas usavam táticas diferentes às vezes. Em alvos de oportunidade, por exemplo, voavam um pouco mais baixo, a 100 pés. Quando se está mais baixo, é possível ver coisas camufladas que, de cima, não se enxerga. Esse era um dos nossos segredos.

CF: Depois da guerra, o senhor voltou ao Brasil?

JB: O comando norte-americano me ofereceu um grupo de caça no Pacífico, mas eu não quis. Já tinha tido minha experiência e queria vir para o Brasil. Pedi, então, pra ver se conseguia vir para o comando do Rio de Janeiro e voltei com os brasileiros de navio.

- Revista Conhecer Fantástico, pg. 42-43, 2004.

O emblema "Senta a púa!" exposto no National Museum of the U.S. Air Force (Museu Nacional da Força Aérea dos EUA) localizado na Base da Força Aérea de Wright-Patterson, em Dayton, Ohio.

Post-Script: Recomendação da Presidential Unit Citation (PUC) brasileira

A recomendação do Coronel Ariel Nielsen, comandante do 350th Fighter Group (350º Grupo de Caça), unidade a qual os brasileiros estavam subordinados durante a campanha na Itália. Ele escreveu em sua recomendação:

“Nas perdas que sofreram nessa ocasião, como também em muitos ataques anteriores, tiveram seu número de pilotos reduzidos à metade em relação às unidades da Força Aérea dos Estados Unidos. Porém, um número igual de surtidas, operando incansavelmente e além do normal no cumprimento do dever. A manutenção dos seus aviões foi altamente eficiente, a despeito das avarias sofridas pela antiaérea e o desgaste despendido na recuperação dos aviões. Este grupo entrou em combate na época em que a oposição antiaérea aos caças-bombardeiros estava em seu auge. Suas perdas têm sido constantes e pesadas e não têm recebido o mínimo de pilotos de recompletamento estabelecido. Como o número de pilotos cada vez diminuía mais, cada um deles teve que voar mais de uma missão diária, expondo-se com maior frequência. Em muitas ocasiões, como Comandante do 350th Fighter Group, eu fui obrigado a mantê-los no chão quando insistiam em continuar voando, porque eu acreditava que eles já haviam ultrapassado os limites de sua resistência física.”

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FOTO: Canadenses no Mali

 

Tropas canadenses no Mali como parte da Operação Presence, 2018.

Como parte da MINUSMA, a Task Force-Mali (Força-Tarefa-Mali) forneceu cobertura de evacuação aeromédica para civis e soldados da paz da ONU de 1º de agosto de 2018 a 31 de agosto de 2019. Os helicópteros CH-147F Chinook realizaram evacuações médicas, sendo escoltados pelos helicópteros CH-146 Griffon. Eles também realizaram outras missões críticas para a MINUSMA, conforme necessário.

Esse apoio permitiu aos países parceiros a liberdade de conduzir operações de segurança de longo alcance em áreas remotas e vulneráveis do país. Aviadores e tripulações operaram salas de emergência voadoras. A bordo estavam uma equipe de proteção da força, um cirurgião de vôo, um oficial de enfermagem de cuidados intensivos e dois técnicos médicos.

Em 31 de julho de 2019, as Forças Armadas Canadenses (CAF) iniciaram sua "partida responsável" do Mali. Depois de mais de um ano de operações no Mali, a força-tarefa aérea das CAF desdobrada em Gao concluiu sua missão. Um aspecto importante do suporte multifacetado do Canadá incluiu o fornecimento de evacuação aeromédica crítica, recursos logísticos e de transporte como parte da Operação Presence-Mali. A força-tarefa encerrou as tarefas de aviação de transporte e se concentrou exclusivamente nas operações de evacuação médica até o fim da missão no final de agosto.

Os pacificadores canadenses realizaram mais de 100 missões de transporte, voando quase 3.500 horas em apoio às operações de segurança da ONU. Essas missões possibilitaram a movimentação segura dos países parceiros na manutenção da paz para áreas remotas e vulneráveis do Mali, como parte da contribuição canadense para a estabilidade na região.

Esta partida em fases garantiu uma transição suave e eficiente entre os destacamentos de helicópteros canadenses e romenos. As CAF forneceram uma pequena equipe de transição para ajudar a Romênia em seus preparativos e forneceu quatro vôos de aeronaves C-17 para ajudá-los a enviar pessoal e equipamento para o teatro de operações. Isso minimizou a interrupção na disponibilidade de recursos essenciais para as forças da MINUSMA e ajudou a preparar o contingente romeno.

A retirada do Mali não encerrou a Operação Presence, com o desdobramento canadense em Uganda, começando em agosto de 2019 com um Destacamento Tático de Transporte Aéreo em rodízio mensal para Entebbe para auxiliar o Centro de Apoio Regional da ONU na sustentação das suas operações em andamento. Ao fazê-lo, as CAF desempenham um papel importante, ajudando a fornecer recursos essenciais a aproximadamente 80.000 militares e policiais, bem como milhares de civis em operações de apoio à paz em todo o continente africano.

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Manutenção da paz da ONU feita pela China no Mali: estratégias e riscos14 de março de 2020.

Como a China viu a intervenção da França no Mali: Uma análise14 de março de 2020.