segunda-feira, 31 de maio de 2021

"Dia da Marmota" para o exército alemão conforme melhorias não saem do lugar

O recrutamento para a Bundeswehr continua sendo um problema chave, com 20.000 postos do exército ainda não preenchidos. (Sean Gallup / Getty)

Por Guy Chazan, Financial Times, 28 de janeiro de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 30 de maio de 2021.

O relatório destaca a escassez de camas, postos vazios e aquartelamentos mofados.

O exército alemão ainda tem "muito pouco material, muito pouco pessoal e muita burocracia", apesar de um grande aumento no orçamento, de acordo com um relatório sobre o estado da Bundeswehr.


O relatório anual de Hans-Peter Bartels, comissário das Forças Armadas do Bundestag alemão, será uma leitura estranha para Annegret Kramp-Karrenbauer, a ministra da Defesa que tem ambições de suceder Angela Merkel como chanceler alemã.

Kramp-Karrenbauer, que já assumiu como líder da União Democrata Cristã conservadora de Merkel, foi nomeada ministra da Defesa em julho do ano passado e prometeu aumentar os gastos e melhorar o moral. Ela ganhou popularidade com reformas atraentes, como permitir que militares uniformizados viajem gratuitamente em trens alemães.

Mas o relatório de Bartels deixa claro que o Bundeswehr continua a ser atormentado por problemas profundos. Ele reconheceu que o governo estava falando sério sobre tentar modernizar as forças armadas e aumentar os gastos com defesa após anos de austeridade, mas concluiu que as mudanças “ainda não eram sentidas pelas tropas”.


Ele comparou a falta de melhorias ao Dia da Marmota (Groundhog Day), a comédia cinematográfica de 1993 em que Bill Murray revive o mesmo dia indefinidamente.

Bartels disse que o ministério da defesa não conseguiu melhorar significativamente a prontidão de combate dos principais sistemas de armas da Alemanha, como aeronaves, helicópteros e navios - um problema que tem perseguido a Bundeswehr por anos.

O recrutamento continua sendo um problema fundamental. Bartels disse que 20.000 postos do Exército permaneceram vagos e, no ano passado, o número de soldados recém-recrutados ficou em pouco mais de 20.000, 3.000 a menos do que em 2017.

A Alemanha tem sofrido enorme pressão nos últimos anos, especialmente do governo do [então] presidente dos Estados Unidos Donald Trump, para aumentar seus gastos militares. Embora tenha se comprometido a gastar 2 por cento do produto interno bruto em defesa em uma cúpula da Otan em 2014, continua longe dessa meta: Berlim diz que gastará 1,5 por cento do PIB com as forças armadas até 2025, e não alcançará a meta dos 2 por cento antes do início dos anos 2030.


Bartels disse que as despesas já estavam disparando, de € 32,4 bilhões em 2014 para € 43,2 bilhões no ano passado. Mas isso ainda não se traduziu em melhorias tangíveis no campo. Ele disse que € 1,1 bilhão destinados a equipamentos de defesa não foram gastos devido a atrasos em projetos de armamentos.

Seu relatório pinta um quadro sombrio da vida para o soldado alemão médio: mochilas com defeito, mofo nas paredes de algumas instalações do exército e camas e armários insuficientes.

Bartels reservou uma crítica especial ao complexo sistema de compras da Alemanha e disse que a obtenção de peças simples de equipamento deveria ser radicalmente simplificada "de acordo com o princípio da Ikea: escolha, pague, leve com você". Ele disse que a “solução projetada” mais complexa deve ser reservada para produtos sofisticados, como carros de combate e sistemas de defesa antimísseis.

Bibliografia recomendada:


Leitura recomendada:

A Alemanha pacífica
30 de maio de 2021.


Exército Alemão sugere que seus soldados dirijam carros e finjam que estão dirigindo tanques durante exercícios7 de fevereiro de 2020.


FOTO: Brigada Franco-Alemã, 22 de janeiro de 2020.

FOTO: Fernspäher do exército alemão4 de fevereiro de 2020.

FOTO: Centurions holandeses na Alemanha Ocidental1º de março de 2020.

domingo, 30 de maio de 2021

Como a Rússia capturou seu primeiro MKb-42(H)


Por Andrey Ulanov, Forgotten Weapons, 30 de maio de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 30 de maio de 2021.

Quando um novo modelo de arma chega à frente de batalha, sempre existe o risco de ser capturado pelo inimigo. As forças armadas fazem de tudo para evitá-lo. Por exemplo, quando a URSS realizou testes comparativos da submetralhadora Sudaev (PPS) e uma nova versão da submetralhadora Shpagin (PPSh-2), Stalin assinou pessoalmente uma ordem ordenando que os testes fossem realizados na retaguarda com as unidades retiradas da linha de frente que tem experiência em combate. Independentemente disso, a ordem foi violada e as submetralhadoras de Sudaev foram testadas nas batalhas perto de Leningrado.

Sem dúvida, os alemães tomaram precauções semelhantes. Então, quem capturou e quando foi capturado o primeiro Maschinenkarabiner 42 alemão?

Algumas fontes russas afirmam que o primeiro MkB foi capturado em março de 1943. No entanto, esta informação ainda não foi confirmada por nenhum documento. Conduzindo minha própria pesquisa no Arquivo Central do MOD russo (conhecido como TsAMO), encontrei um relatório datado de junho de 1943 (fonte: fundo 81, arquivo de caso 87, "Correspondência sobre armas leves estrangeiras"), que nos permite restabelecer a linha do tempo de captura do primeiro Maschinenkarabiner 42. Ele é o seguinte:

“Ao Chefe do GAU KA (diretoria principal de artilharia do Exército Vermelho). Estou enviando o tenente-técnico N.N. Troitsky para entregar uma carabina automática alemã e 4 cartuchos para ela, que foram capturados no setor do 22º Exército perto da cidade de Holm em junho”.


Encontramos então o MKb42(H), número de série 1334, na documentação do campo de tiro de teste soviético, onde a carabina chegou no início de julho. Curiosamente, ele tinha apenas 3 cartuchos até então. Aparentemente, um cartucho foi imediatamente encaminhado para os especialistas em munição. Este MKb42(H) passou por pesquisas preliminares e testes em julho de 1943. Uma vez que os três cartuchos originais não eram remotamente suficientes para quaisquer fins de teste, o campo de teste foi ordenado a fabricar 500 cartuchos de munição compatível "recravando os cartuchos alemães e aparando as balas" no local.


O livro de Dieter Handrich, Sturmgewehr! From Firepower to Striking Power (Sturmgewehr! Do poder de fogo ao poder de ataque), indica que os testes militares do MKb-42(H) foram ordenados em abril de 1943. Como resultado, cerca de 2.000 unidades foram enviadas para o Heeresgruppe Nord, destinadas às seguintes divisões: 1ª, 11ª, 21ª, 93ª, 212ª divisões de infantaria e 18ª divisão Panzergrenadier. Na verdade, a lista real era um pouco diferente. Para nós, o detalhe mais interessante é que a 93ª divisão de infantaria recebeu 213 Maschinenkarabiner, dos quais 7 foram perdidos já em junho de 1943 (fonte: NARA T-315 R-1167 e T-312 R-600).

Como você provavelmente já deve ter adivinhado, a 93ª Divisão de Infantaria estava localizada na área da cidade de Holm, enfrentando o 22º Exército soviético. A linha de frente nesta área era relativamente estável, então enviar um lote de novas armas aqui para testes de combate certamente pareceu uma ótima ideia para o comando alemão. No entanto, os alemães não consideraram a alta atividade de razvedka, as unidades soviéticas de reconhecimento de campanha nesta área. Não muito diferente dos Rangers do Exército dos EUA, esses operadores altamente treinados com trajes ghillie, muitas vezes com experiência de caça na Sibéria, realizavam ataques rotineiramente atrás das linhas inimigas para explorar novas informações sobre as forças inimigas e trazer prisioneiros vivos para interrogatório. Seu objetivo secundário era impedir que seus colegas alemães fizessem o mesmo.


Em um dos relatórios do 22º Exército, descobri o seguinte episódio:

Em 22 de junho de 1943, um grupo de batedores do 820º Regimento de Infantaria liderado pelo 2º Ten Arkhipov descobriu uma emboscada armada por uma unidade de reconhecimento alemã. Apoiados por um pelotão de infantaria sob o comando do Tenente Ivushkin, os batedores soviéticos atacaram o grupo, eliminando 12 soldados alemães e capturando três (dois obergefreiters e um soldado). De acordo com o relatório de campanha soviético, o grupo pertencia ao 1º Batalhão, 272º Regimento da 93ª Divisão de Infantaria. O relatório também lista “quatro carabinas-metralhadoras” como troféus.

Durante o interrogatório subsequente, o prisioneiro Hugo Hinsche indicou que um pelotão especial de reconhecimento de batalhão foi formado no 1º batalhão do 272º regimento de granadeiros em maio de 1943. O pelotão era composto por 27 pessoas armadas com “carabinas-metralhadora do modelo de 1942”. Pode-se dizer com alto grau de certeza que foi o razvedka do 820º Regimento de Infantaria soviético que se tornaram os primeiros soldados aliados a apreenderem uma amostra desta tão procurada arma alemã. A história do 43º modelo de cartucho, fuzis de assalto Kalashnikov e tudo o mais começa com essas pessoas.

Bibliografia recomendada:

German Automatic Rifles 1941-45:
Gew 41, Gew 43, FG 42 and StG-44.
Chris McNab.

Leitura recomendada:



GALERIA: Tanque T-54M do Exército Popular Vietnamita

Tanque T-54M do Exército Popular Vietnamita.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 30 de maio de 2021.

Tanque T-54M do Exército Popular Vietnamita postado nas redes sociais hoje, dia 30 de maio. O T-54M é o T-54B que foi modernizado na empresa estatal Z153, do Ministério da Defesa da República Socialista do Vietnã. Os países do sudeste asiático têm demonstrado consistente interesse pelo estado de suas frotas blindadas, especialmente seus carros de combate principais, apesar do ambiente de geografia inóspita. As selvas e montanhas da Ásia, ambientes considerados como proibitivos para tanques de guerra, não impedem que os estados-maiores da região invistam pesado na arma blindada.

Os exércitos do ASEAN vêm adquirindo novos carros de combate ou modernizando carros antigos. O Vietnã possui o moderno T-90 como seu carro de combate de primeira linha, com os T-54 sendo modernizados e ainda mantidos em estado operacional. De modo geral, e especificamente na região, estes velhos blindados realizam uma missão importante na defesa dos interesses de Hanói.





O Comando vietnamita não esqueceu a importância dos tanques na sua Ofensiva de Primavera de 1974-1975 que conquistou o Vietnã do Sul. Os norte-vietnamitas destruíram a República do Vietnã montadas em seus cavalos de aço, seguindo a doutrina soviética de ofensiva blindada. Apesar das perdas em homens e tanques, a operação terminou com a famosa cena de um T-54 derrubando o portão do palácio presidencial de Saigon - o Palácio da Independência.

Abril Negro: Um T-54 do Exército Popular Vietnamita, com a bandeira da Frente de Libertação Nacional (Viet Cong) derruba o portão do Palácio da Independência, em 30 de abril de 1975.

O adversário atual previsto é a China comunista, tendo derrotado uma invasão chinesa em 1979. Atualmente o Vietnã participa de uma aliança trilateral com a Rússia e o Laos. Em agosto do ano passado, uma equipe vietnamita foi a vice-campeã no famoso Biatlo de Tanques em Alabino, no Oblast de Moscou. Na ocasião, os vietnamitas usaram o T-72B3, que não é utilizado pelo Exército Popular Vietnamita.

Bibliografia recomendada:

Soviet T-55 Main Battle Tank.
James Kinnear e Stephen L. Sewell.

TANKS:
100 Years of Evolution.
Richard Ogorkiewiez.

North Vietnamese Army Soldier 1958-75.
Gordon L. Rottman e Brian Delf.

Leitura recomendada:




FOTO: Bulldog em Saigon18 de dezembro de 2020.

A Alemanha pacífica


Por Dominik Wullers, War on the Rocks, 28 de maio de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 30 de maio de 2021.

Há apenas alguns anos, muitos observadores das relações internacionais teriam pensado na Alemanha como um país amante da paz, senão pacifista. Sempre que um conflito internacional exigia ação rápida, a Alemanha foi rápida em rejeitar a opção militar. Se concordasse com uma operação militar, Berlim pediria que suas tropas fossem posicionadas longe da ação. Agora, a Alemanha confirmou recentemente que enviará em breve um navio de guerra à zona quente que é o Indo-Pacífico.

Este desdobramento planejada demonstra um realismo crescente na Alemanha. Como já escrevi, a Alemanha está se tornando mais realista em sua política externa e menos wilsoniana. O principal catalisador tem sido o interesse cada vez menor dos EUA na Europa desde o fim da Guerra Fria. Receber sanções e ameaças tarifárias dos EUA tornou os alemães mais cientes da verdadeira natureza anárquica das relações internacionais, por exemplo, após o desdobramento do Plano de Ação Conjunta Global ou no confronto em curso sobre o oleoduto Nord Stream 2.

Seria errado considerar a iniciativa Indo-Pacífico alemã puramente como parte de um esforço europeu maior. É verdade que a França foi o primeiro país da UE a lançar uma estratégia para o Indo-Pacífico. Além disso, o presidente francês Emmanuel Macron vem pressionando Berlim há algum tempo para que apóie seus planos de transformar a União Europeia em uma grande potência. No entanto, a Alemanha teve sua própria epifania realista, pelo menos em parte graças a Donald Trump. A manobra do país no Indo-Pacífico não é um mero produto de ceder relutantemente à pressão francesa. Segue-se o claro interesse de que a Alemanha, como nação soberana, desenvolveu na última década.


O que há de “realista” em enviar uma mera fragata à vastidão do Indo-Pacífico? A mudança é apenas um elemento da estratégia realista e refrescante contida nas Diretrizes de Política da Alemanha para o Indo-Pacífico (Leitlinien der Bundesregierung zum Indo-Pazifik) que o governo alemão divulgou no ano passado. O documento define, assumidamente e sem desculpas, os interesses alemães na região. Em oposição às considerações morais que são a base do wilsonianismo, o novo realismo alemão exibido aqui se concentra em interesses como a segurança e a integridade da nação. Em comparação com livros brancos anteriores e diretrizes de defesa nacional, essas diretrizes estão repletas de interesses realistas.

A magnitude desta mudança contínua do wilsonianismo para o realismo não pode ser exagerada. Há apenas 10 anos, o então presidente Horst Köhler deixou o cargo depois de ser criticado pela mídia alemã por insinuar que poderia haver uma conexão entre as operações militares alemãs no exterior e a proteção do mar aberto ou outros interesses econômicos. As lições de Trump sobre a realidade das relações internacionais certamente bateram.

Objetivos indo-pacíficos da Alemanha

Os interesses alemães no Indo-Pacífico são duplos: proteger os interesses econômicos alemães na região e manter os Estados Unidos engajados na OTAN. O primeiro objetivo está claramente delineado na estratégia indo-pacífica alemã e requer o direito à palavra na definição do futuro desta região crucial. O Indo-Pacífico contém mais de 4 bilhões de clientes, linhas de produção indispensáveis, recursos naturais altamente procurados, avanços tecnológicos que definem a geração e várias das mais importantes rotas de transporte e comércio, tornando-o crucial para os interesses alemães. Se a Alemanha deseja manter seu nível de riqueza e evitar o declínio econômico, o Indo-Pacífico é o lugar para estar.


A China também é um fator importante para a Alemanha perseguir seus interesses. A China, como a “fábrica mundial” e também um dos mercados mais promissores, é também o segundo país mais poderoso do mundo. A Marinha do Exército de Libertação do Povo recentemente se tornou a maior marinha do mundo e a China está adotando uma política externa cada vez mais coercitiva. A China construiu várias ilhas artificiais para usar como bases militares no Mar da China Meridional, traçou uma linha de nove traços no mapa desse mar, desrespeitou a decisão dos tribunais internacionais, expandiu sua influência com sua enorme Iniciativa do Cinturão e Rota, e de forma constante aumentou seus gastos militares. A China está mudando o equilíbrio de poder na região e além.

Os interesses da Alemanha em relação à China até agora têm sido principalmente econômicos. As elites empresariais alemãs têm pressionado por mais oportunidades de investimento e comércio com a China. Ao mesmo tempo, no entanto, a China expandiu agressivamente seu alcance na Europa com a Iniciativa do Cinturão e Rota e às vezes até conseguiu criar divisões dentro da União Europeia. A integridade da União Europeia e a sua independência de influências estrangeiras são muito importantes para Berlim. Manter a China sob controle é, portanto, competir com os interesses econômicos da Alemanha.

A Alemanha também tem interesse em impedir que os Estados Unidos transformem as tensões com a China na próxima Guerra Fria. Como o ministro alemão das Relações Exteriores, Heiko Maas, avança com as novas diretrizes: “Uma nova bipolaridade com novas linhas divisórias no Indo-Pacífico minaria [nossos] interesses”. Dado que a China extrai sua força de seu impressionante crescimento econômico, qualquer tentativa bem-sucedida de conter as ambições da China deve incluir um componente econômico eficaz. As ramificações para o comércio e produção globais seriam significativas, como a tentativa comparativamente em pequena escala da antiga administração dos EUA de diplomacia tarifária já ilustrou. Consequentemente, o multilateralismo e as iniciativas para fortalecer a Associação das Nações do Sudeste Asiático e outros instrumentos de equilíbrio regional são destaque nas diretrizes alemãs.


O segundo objetivo da mudança alemã para o Indo-Pacífico tem a ver com a segurança nacional. Trump não foi o primeiro nem o último presidente a ameaçar diminuir os compromissos de segurança dos EUA com o Velho Mundo se os países europeus, e especialmente a Alemanha, não fizerem mais por sua própria defesa. Depois que a COVID-19 esmagou o orçamento alemão, anteriormente bem equilibrado, e dada a cultura em declínio, mas ainda fortemente pacifista, do país, é altamente improvável que o orçamento de defesa alcance os números prometidos no período corrente.

A nova estratégia alemã para manter o apoio militar americano parece finalmente seguir o conselho do senador Richard Lugar: ou a OTAN sai da área ou sai do mercado. A OTAN ainda não se engajou totalmente no Mar da China Meridional, mas com um de seus membros militarmente mais relutantes enviando um navio de guerra para lá, pode ser uma opção viável para o futuro. Mesmo que a OTAN não se torne a “Organização do Tratado do Atlântico Norte e do Indo-Pacífico”, uma presença europeia nas proximidades do novo rival dos Estados Unidos poderia persuadir Washington de que a Europa ainda possui valor estratégico para os Estados Unidos. O Departamento de Estado dos EUA já aplaudiu a iniciativa alemã.

Intenções Subjacentes


Obviamente, as duas metas da Alemanha colidem um pouco. A Alemanha não pode esperar impressionar Washington e não antagonizar Pequim no Indo-Pacífico. Olhando mais de perto, no entanto, o interesse da Alemanha em ter uma palavra a dizer na região não requer necessariamente tal neutralidade. Basta se tornar relevante para a grande potência que molda a região, que ainda são os Estados Unidos.

Previsivelmente, a Alemanha ficará do lado dos Estados Unidos no Indo-Pacífico. Claro, as diretrizes alemãs têm o cuidado de mascarar essa inevitabilidade: “Nenhum país deve - como no tempo da Guerra Fria - ser forçado a escolher entre os dois lados ou cair em um estado de dependência unilateral”. No entanto, se a China fosse, digamos, agressivamente tentar mudar o equilíbrio na região a seu favor, a Alemanha, pelo projeto de suas diretrizes de política indo-pacífica, teria que ficar do lado dos Estados Unidos e seus aliados em prol do multilateralismo e a ordem internacional baseada em regras.


Isso faz com que o novo realismo alemão brilhe ainda mais. O país não apenas divulgou uma lista sem remorso de seus interesses no Indo-Pacífico, mas também tomou providências para ficar do lado do poder dominante e preparou uma explicação culpando o contendor. O raciocínio é claro. Ou a China se restringe e segue as regras - regras que claramente beneficiaram a Alemanha até agora - ou a Alemanha terá que apoiar os Estados Unidos na contenção da agressão chinesa. O último cenário pode ser caro, visto que as empresas alemãs investem pesadamente na China e a China é um dos principais parceiros comerciais da Alemanha. No entanto, a China não tem aliados, tem um enorme problema demográfico, ainda está atrás dos Estados Unidos em muitas áreas e, conseqüentemente, não é provável que ganhe em um confronto no futuro próximo. Faz sentido para uma potência média realista se posicionar como a Alemanha.

A Alemanha está fazendo aos Estados Unidos um favor muito maior do que uma fragata poderia simbolizar. Ao se envolver na região e aliar-se aos Estados Unidos, a Alemanha permitiu que as ameaças americanas de conter economicamente a China se tornassem reais. Antes do lançamento da Alemanha de seu documento de estratégia, tais ameaças não eram confiáveis, como Lisa Picheny e eu argumentamos anteriormente. No passado, europeus e alemães agiram especificamente contra os interesses americanos em relação à China quando podiam se beneficiar. Agora, com uma presença militar na região, ignorar a agressão chinesa e lucrar economicamente ficou mais difícil. Além disso, a Alemanha não está apenas enviando uma fragata para o Indo-Pacífico. Ela está enviando a força de sua economia para ajudar os Estados Unidos a conterem a China.


Mudanças propostas recentes para o itinerário planejado da fragata alemã podem lançar algumas dúvidas sobre a estratégia indo-pacífica alemã. O governo alemão está aparentemente pensando em cancelar um exercício conjunto com um grupo naval europeu que estará no Indo-Pacífico ao mesmo tempo. Além disso, está sendo discutida uma visita de boa vontade ao porto de Xangai. À luz das próximas eleições que determinarão a sucessora de Angela Merkel, e dado o ainda importante sentimento wilsoniano entre o público alemão, essas mudanças propostas podem ser uma indicação de que alguns políticos acham sensato desacelerar seu realismo recém-descoberto. Mas, mesmo se ocorrerem, essas pequenas mudanças no desdobramento da fragata não podem mudar as profundas fundações realistas enraizadas nas diretrizes indo-pacíficas alemãs. Nem pode mudar as forças que fizeram a Alemanha reconhecer a realidade anárquica das relações internacionais.

Conclusão


Como a estratégia indo-pacífica alemã se relaciona com o quadro europeu mais amplo? Todos os três países membros da UE que publicaram documentos oficiais sobre o Indo-Pacífico - França, Alemanha e Holanda - compartilham interesses semelhantes na região. A França, considerando-se uma potência residente na região, tem provavelmente a visão mais ambiciosa. Todos os três, no entanto, favorecem o sistema atual baseado em regras (isto é, liderado pelos EUA), o que os torna aliados naturais dos EUA, apesar de sua aversão a uma ordem bipolar. Juntando suas forças em uma única a estratégia europeia faz sentido nessas condições. No entanto, resta saber se isso se concretizará. Até então, esses três países da UE irão cooperativamente, mas separadamente, perseguir seus interesses.

Alguns argumentam que esse desdobramento foi planejado apenas para aplacar os Estados Unidos no debate sobre os gastos com defesa, mas tais opiniões são míopes. A China está competindo pelo domínio regional e potencialmente mundial com a grande potência que garantiu a prosperidade alemã desde 1949. Dada não apenas a retórica cada vez mais realista, mas também várias ações, como a publicação das diretrizes do Indo-Pacífico, parece que há uma nova consciência da natureza anárquica das relações internacionais no governo alemão. Outros temem que a Alemanha esteja provocando desnecessariamente a China. Dadas as ambições claras e inegáveis da China, um conflito entre a China e os Estados Unidos está fadado a ocorrer de uma forma ou de outra. É certamente melhor posicionar a Alemanha em relação a este conflito agora, enquanto ainda há tempo para moldar a forma desse conflito em algo mais benéfico para a Alemanha.

Dada a longa tradição alemã de contenção pacifista e moralismo wilsoniano, é notável a rapidez com que a mudança para uma visão de mundo mais realista está acontecendo. A mudança ainda não está completa: as diretrizes ainda contêm muito do que é wilsoniano. No entanto, considerando que há apenas alguns anos tal documento teria sido suicídio político, sua própria existência é notável. Além disso, posiciona bem a Alemanha no confronto de grandes potências que está por vir. Se há algo a aprender com as novas diretrizes políticas, é que não existe mais uma Alemanha pacífica, mas sim uma Alemanha do Pacífico.


Dominik Wullers é um ex-oficial do exército da Bundeswehr. Atualmente, ele atua como administrador civil na divisão de aquisição de defesa do Bundeswehr. Ele possui um Ph.D. em economia pela Helmut-Schmidt-University e um M.P.A. da Harvard Kennedy School.

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sábado, 29 de maio de 2021

Notas japonesas sobre a guerra na selva

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 29 de maio de 2021.

O seguinte relatório da inteligência militar dos EUA sobre táticas japonesas na guerra na selva foi publicado originalmente na revista Tactical and Technical Trends, nº 29, 15 de julho de 1943.

Tactical and Technical Trends (Tendências Táticas e Técnicas) era um periódico do serviço de inteligência americano (U.S. Military Intelligence Service), inicialmente bi-semanal e depois mensal, que foi publicado de junho de 1942 a junho de 1945.

Notas japonesas sobre a guerra na selva


Ao planejar seu treinamento para a guerra na selva, os japoneses estiveram cientes das grandes variedades de regiões selvagens do Leste Asiático e da região sudoeste do Pacífico. Os seguintes pontos sobre a guerra na selva, retirados de fontes japonesas, enfatizam certos métodos de guerra na selva aparentemente testados pela experiência japonesa.

A) O Avanço

Deixe alguma distância entre a unidade líder e o corpo principal e distribua os homens de ligação entre as unidades; embora seja melhor substituir a unidade a cada dia, o oficial que comanda a unidade líder não deve ser mudado.

O diagrama acima, reproduzido de um diário japonês, tinha a legenda: "Sugestão de formação para uma companhia avançando através da selva".

É essencial que a unidade líder inclua nos relatórios regulares ao comandante da retaguarda, o estado da trilha e o tipo de terreno.

Como há clareiras na selva, o oficial comandante deve avançar suas unidades por limites e correr de uma área para outra. A camuflagem de cada homem e de cada arma deve ser completa. Ao cruzar uma planície gramada, cubra tudo com grama. Se aviões inimigos aparecerem enquanto você estiver em uma clareira, fique quieto. Geralmente, os fuzileiros devem apoiar as armas pesadas. O mínimo é um pelotão de fuzileiros para uma companhia de metralhadoras e um para o pelotão de petrechos pesados do batalhão.

Ao acampar na selva, o cozimento deve ser feito em vários locais, bem longe da área do acampamento. Todas as fogueiras devem ser extintas imediatamente após o cozimento. Durante o avanço, a comunicação será por telefone e corredor. O rádio não será usado. A taxa de avanço será regulada pelas armas pesadas. A distância percorrida em um dia normalmente é de 3 a 5 milhas (5-8km).


B) O Ataque

Ao selecionar áreas de montagem para o ataque, tente dispersar as unidades e escolha locais que sejam naturalmente camuflados. A concentração da força principal no ponto de reunião para o ataque, deve ser feita à noite. Se houver fogo de artilharia inimiga, é importante que seja neutralizado antes que as unidades tomem suas posições. As unidades de ataque se moverão para a borda da floresta durante a escuridão, rastejando se necessário. Ao sinalizar, eles irão atacar as posições inimigas. Como é melhor para cada unidade de flanco fazer uma investida ao mesmo tempo, o momento do ataque deve ser coordenado.


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Bem vindo à selva11 de julho de 2020.


Na Síria, Bashar Al-Assad foi reeleito presidente com 95,1% dos votos


Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 28 de maio de 2021.

Em um país arruinado por mais de uma década de guerra, ele ganhou um quarto mandato em uma eleição antecipada. Informações do Le Monde e da AFP.

Bashar Al-Assad foi sem surpresa reeleito presidente da Síria para um quarto mandato em uma votação realizada em áreas controladas pelo governo em um país em crise econômica devastada por uma década de guerra. Uma reeleição que Moscou, aliada da Síria, descreveu na sexta-feira (28/05) como uma "vitória convincente" e "um passo importante para fortalecer a estabilidade" do país.

Em uma entrevista coletiva à noite na quinta-feira, 27 de maio, o Presidente do Parlamento, Hammoud Sabbagha, anunciou que Assad havia sido reeleito com 95,1% dos votos. Segundo Sabbagha, participaram da votação 14,2 milhões de pessoas, das 18,1 milhões teoricamente convocadas para votar, ou seja, uma taxa de participação de 76,64%.


Levado ao poder em 2000, sucedendo seu pai, Hafez, que morreu após trinta anos de governo incontestado, Assad criticou ocidentais, Washington e europeus na terça-feira por julgarem que a eleição não era livre. Em 2014, ele obteve mais de 88% dos votos, de acordo com o resultado oficial.

Em Damasco, milhares de apoiadores de Bashar Al-Assad se reuniram na Praça Umayyad, agitando bandeiras sírias e retratos do presidente, entoando slogans à sua glória e dançando.

Antes mesmo dos resultados oficiais serem anunciados, com o término da contagem dos votos, dezenas de milhares de sírios já haviam se reunido em várias cidades do país. Na cidade portuária de Tartus (oeste), em meio a bandeiras e retratos, alguns dançavam batendo em tambores, segundo imagens veiculadas pela televisão síria. Milhares de pessoas também se reuniram na cidade costeira de Latakia e na Praça Umayyad em Damasco. Em Soueida, cidade no sul do país, uma multidão também se aglomerou em frente ao prédio da governadoria, enquanto em Aleppo os homens terminaram de armar uma plataforma.


Esta é a segunda eleição presidencial desde o início de uma guerra devastadora em 2011, envolvendo uma multidão de beligerantes e potências estrangeiras. Nascido da repressão às manifestações pró-democracia da Primavera Árabe, este conflito deixou mais de 388.000 mortos. A luta agora diminuiu significativamente em intensidade.

Se, oficialmente, o país tem pouco mais de 18 milhões de eleitores, seu número é, na verdade, menor, pois a guerra dividiu o país e fez com que milhões de pessoas fugissem para o exterior.

"Suas opiniões não valem nada"


Em um país com infraestrutura em ruínas, Bashar Al-Assad se apresenta como o homem da reconstrução, depois de ter colecionado vitórias militares desde 2015 com o apoio de seus aliados Rússia e Irã, conquistando dois terços do território. As regiões autônomas curdas do nordeste ignoraram a votação. Assim como a última grande fortaleza jihadista e rebelde de Idlib (noroeste), onde vivem cerca de três milhões de pessoas.

A eleição foi realizada em meio a uma crise econômica, com depreciação cambial histórica, inflação galopante e mais de 80% da população vivendo na pobreza, segundo as Nações Unidas. A Síria, como o próprio Assad, é alvo de sanções internacionais. E as necessidades de reconstrução são enormes. Um relatório recente da ONG World Vision estima o custo econômico da guerra em mais de US$ 1,2 trilhão (pouco mais de US$ 1 trilhão).


Duas personalidades consideradas fantoches se apresentaram contra Bashar Al-Assad: o ex-ministro e parlamentar Abdallah Salloum Abdallah e um integrante da oposição tolerada pelo governo, Mahmoud Marei.

A votação excluiu de fato as figuras da oposição muito enfraquecidas no exílio, com a lei eleitoral exigindo que os candidatos tenham vivido na Síria por dez anos consecutivos. "Suas opiniões não valem nada", disse Assad esta semana, dirigindo-se aos países ocidentais, que acreditavam que a eleição "não foi livre nem justa".


Bibliografia recomendada:

Arabs at War:
Military Effectiveness, 1948-1991.
Kenneth M. Pollack.

Leitura recomendada: